É por causa das eleições? Senha 589? Tem de aguardar.


O que se impõe, 22 anos depois da revisão constitucional, é que todos os partidos se mudem, finalmente, para o campo da cidadania, que tirem as conclusões do declínio democrático do país e, pelo sistema misto incluindo círculos uninominais, avancem para o caminho necessário do reencontro e da regeneração.


Estava escrito. De manhã, fui cedo à padaria. Calhou-me a senha 43. Hora de pequeno-almoço, estava muita gente. Dei uma saltada à farmácia ao lado. Tirei a senha 5. Tive sorte, não estava quase ninguém. Despachei-me e ainda voltei à padaria a tempo do 43. A seguir, fui tratar de actualizar Cartão de Cidadão. Um pesadelo. Ainda havia senhas, mas a fila era enorme. Saiu-me a senha 87 da terceira série. Só me despacharia talvez à tarde. Aproveitei para ir à Assembleia da República por causa da petição sobre a reforma da lei eleitoral. Muito pouca sorte. A senha tem o n.º 589. Nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã, nem sequer para a semana. Empurrada pela lista de espera, a petição passou para a próxima legislatura. “É a vida”, como comentava António Guterres.

A petição “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus deputados” deu entrada em S. Bento em fim de Janeiro com 6.813 assinaturas. Correu os seus trâmites como Petição Nº 589/XIII/4. Em Abril, a 1.ª Comissão deu por concluído o trabalho e aprovou o relatório final da deputada Sandra Pereira. Foi enviada para plenário em 24 de Abril. Parece que não houve tempo. Os partidos parlamentares não consideraram a matéria suficientemente importante para a agendarem para debate. Nesta altura, são 7.706 os subscritores – é obrigatório apreciar a questão no plenário. Ficou para a próxima.

Estes 7.706 cidadãos não merecem a consideração suficiente da XIII Legislatura. Não são os únicos a queixar-se. Por isso é que tantos se queixam cada vez mais quanto ao essencial e viram costas à participação. O desinteresse dos deputados não é novo nesta matéria. A seguir à revisão constitucional de 1997, foi perdida a VII Legislatura, após um processo legislativo frustrado, que morreu em 23 de Abril de 1998. De então para cá, já se somaram mais seis legislaturas perdidas a descuidar uma reforma fundamental para a democracia e a cidadania. São sete legislaturas já deitadas ao lixo: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete. Zero! Nunca se viu um Parlamento de costas tão descaradamente voltadas contra a Constituição e contra a cidadania. Vamos continuar a trabalhar para a próxima não ser a oitava legislatura de triunfo do inútil.

É essencial que os partidos nos digam o que querem quanto à reforma eleitoral. Antes de 6 de Outubro. Claramente. Querem ler e seguir o artigo 149º da Constituição ou não querem? Querem permitir aos eleitores a escolha também de deputados? Ou só a escolha de partido? Querem abrir ou querem fechar? Uma vez que não permitiram a atempada discussão da petição em plenário, que nos permitiria conhecer abertamente as posições (ou não posições) dos vários partidos, os programas eleitorais são decisivos.

Nesta altura, só dois partidos concorrentes tornaram conhecido o seu pensamento e as suas propostas nesta matéria fundamental para a qualidade da democracia. Ambos, por sinal, em sentido positivo e esperançoso: o Partido Socialista e o Aliança.

O PS aborda o tema logo no primeiro capítulo do Programa (“I – Boa Governação”) no subcapítulo “I.III – Melhorar a qualidade da democracia”. Aqui, os socialistas comprometem-se a: “Prosseguir este caminho, melhorando a qualidade da democracia, promovendo a participação dos cidadãos, renovando e qualificando a classe política, aproximando a legislação dos seus destinatários, protegendo os direitos e liberdades fundamentais e investindo numa efetiva educação para a cidadania, revela-se essencial para combater fenómenos de populismo e de extremismo que podem pôr em causa o Estado de Direito Democrático.”

E, na secção “Modernizar o processo eleitoral, com maior proximidade e fiabilidade”, são explícitos em sustentar: “Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo.”

São linhas do mesmo tipo das propostas pela nossa petição e que retomam, aliás, no caso do PS, o que já constava do Programa Eleitoral de 2015. É sabido que foi a geringonça que impediu o avanço destas ideias, uma vez que, infelizmente, BE e PCP foram (e mantêm-se) contra, creio que por erros de leitura técnica e política. Assim, quanto à sequência desta matéria, tudo dependerá do quadro político e parlamentar que saia das eleições de 6 de Outubro.

Por seu turno, recentemente, a 22 de Maio, o Aliança emitiu um Comunicado da Comissão Executiva, intitulado “Aliança apoia reforma eleitoral de Ribeiro e Castro”, em que “decidiu apoiar a proposta de reforma eleitoral publicamente apresentada pelas Associação Portuguesa para a Qualidade da Democracia (APDQ) e SEDES”, que “representa um primeiro passo para a mais lata e urgente reforma do sistema político em Portugal.”

O Aliança acentua que, “com esta reforma, os eleitores passarão a poder escolher o seu deputado e não só o partido, assim se cumprindo, finalmente, os caminhos abertos pelas revisões constitucionais de 1989 e 1997.” Sublinha que “a proporcionalidade da representação parlamentar estará absolutamente assegurada – até em maior grau do que hoje –, sem prejuízo de larga parte dos deputados serem escolhidos individualmente pelos cidadãos eleitores.” Por isso, defende: “É uma reforma que pode ser subscrita, com absoluta confiança, por qualquer partido político independentemente da sua dimensão (grande, média ou pequena) e tenha, ou não tenha, representação actualmente na Assembleia da República. É uma proposta que serve igualmente a todos. É uma proposta que serve a cidadania e a qualidade da democracia.”

O Aliança conclui que a proposta “responde a uma das necessidades mais reclamada pela opinião pública: dar mais poder aos eleitores, devolver mais cidadania à democracia.”

É isto mesmo. Embora o Aliança não tenha actualmente representação parlamentar, esta tomada de posição esclarecida é muito relevante, quebrando o gelo e o aparelhismo dos partidos parlamentares da sua área política. É importante, ainda, pela vasta experiência política do seu líder e fundador e porque, sendo um partido emergente e não um dos grandes, mostra à saciedade que a reforma proposta na nossa petição em nada afecta – pelo contrário – a representação parlamentar dos pequenos e médios partidos, como parece ser o fantasma que ainda assombra o espírito dominante no BE, CDS-PP e PCP.

Com dois partidos a favor, falta conhecer o que os outros pensam. Numa matéria essencial para os cidadãos, não pode haver jogo escondido.

O que se impõe, 22 anos depois da revisão constitucional, é que todos os partidos se mudem, finalmente, para o campo da cidadania, que tirem as conclusões do declínio democrático do país e, pelo sistema misto incluindo círculos uninominais, avancem para o caminho necessário do reencontro e da regeneração. Serão muito bem-vindos. Mas, ao menos, devem aos eleitores portugueses, a que pedem o voto, a declaração clara do seu pensamento e da sua vontade.

Em democracia, silêncio é batota.

Advogado

Subscritor do "Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade"

Escreve sem adopção das regras do acordo orotgáfico de 1990

É por causa das eleições? Senha 589? Tem de aguardar.


O que se impõe, 22 anos depois da revisão constitucional, é que todos os partidos se mudem, finalmente, para o campo da cidadania, que tirem as conclusões do declínio democrático do país e, pelo sistema misto incluindo círculos uninominais, avancem para o caminho necessário do reencontro e da regeneração.


Estava escrito. De manhã, fui cedo à padaria. Calhou-me a senha 43. Hora de pequeno-almoço, estava muita gente. Dei uma saltada à farmácia ao lado. Tirei a senha 5. Tive sorte, não estava quase ninguém. Despachei-me e ainda voltei à padaria a tempo do 43. A seguir, fui tratar de actualizar Cartão de Cidadão. Um pesadelo. Ainda havia senhas, mas a fila era enorme. Saiu-me a senha 87 da terceira série. Só me despacharia talvez à tarde. Aproveitei para ir à Assembleia da República por causa da petição sobre a reforma da lei eleitoral. Muito pouca sorte. A senha tem o n.º 589. Nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã, nem sequer para a semana. Empurrada pela lista de espera, a petição passou para a próxima legislatura. “É a vida”, como comentava António Guterres.

A petição “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus deputados” deu entrada em S. Bento em fim de Janeiro com 6.813 assinaturas. Correu os seus trâmites como Petição Nº 589/XIII/4. Em Abril, a 1.ª Comissão deu por concluído o trabalho e aprovou o relatório final da deputada Sandra Pereira. Foi enviada para plenário em 24 de Abril. Parece que não houve tempo. Os partidos parlamentares não consideraram a matéria suficientemente importante para a agendarem para debate. Nesta altura, são 7.706 os subscritores – é obrigatório apreciar a questão no plenário. Ficou para a próxima.

Estes 7.706 cidadãos não merecem a consideração suficiente da XIII Legislatura. Não são os únicos a queixar-se. Por isso é que tantos se queixam cada vez mais quanto ao essencial e viram costas à participação. O desinteresse dos deputados não é novo nesta matéria. A seguir à revisão constitucional de 1997, foi perdida a VII Legislatura, após um processo legislativo frustrado, que morreu em 23 de Abril de 1998. De então para cá, já se somaram mais seis legislaturas perdidas a descuidar uma reforma fundamental para a democracia e a cidadania. São sete legislaturas já deitadas ao lixo: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete. Zero! Nunca se viu um Parlamento de costas tão descaradamente voltadas contra a Constituição e contra a cidadania. Vamos continuar a trabalhar para a próxima não ser a oitava legislatura de triunfo do inútil.

É essencial que os partidos nos digam o que querem quanto à reforma eleitoral. Antes de 6 de Outubro. Claramente. Querem ler e seguir o artigo 149º da Constituição ou não querem? Querem permitir aos eleitores a escolha também de deputados? Ou só a escolha de partido? Querem abrir ou querem fechar? Uma vez que não permitiram a atempada discussão da petição em plenário, que nos permitiria conhecer abertamente as posições (ou não posições) dos vários partidos, os programas eleitorais são decisivos.

Nesta altura, só dois partidos concorrentes tornaram conhecido o seu pensamento e as suas propostas nesta matéria fundamental para a qualidade da democracia. Ambos, por sinal, em sentido positivo e esperançoso: o Partido Socialista e o Aliança.

O PS aborda o tema logo no primeiro capítulo do Programa (“I – Boa Governação”) no subcapítulo “I.III – Melhorar a qualidade da democracia”. Aqui, os socialistas comprometem-se a: “Prosseguir este caminho, melhorando a qualidade da democracia, promovendo a participação dos cidadãos, renovando e qualificando a classe política, aproximando a legislação dos seus destinatários, protegendo os direitos e liberdades fundamentais e investindo numa efetiva educação para a cidadania, revela-se essencial para combater fenómenos de populismo e de extremismo que podem pôr em causa o Estado de Direito Democrático.”

E, na secção “Modernizar o processo eleitoral, com maior proximidade e fiabilidade”, são explícitos em sustentar: “Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo.”

São linhas do mesmo tipo das propostas pela nossa petição e que retomam, aliás, no caso do PS, o que já constava do Programa Eleitoral de 2015. É sabido que foi a geringonça que impediu o avanço destas ideias, uma vez que, infelizmente, BE e PCP foram (e mantêm-se) contra, creio que por erros de leitura técnica e política. Assim, quanto à sequência desta matéria, tudo dependerá do quadro político e parlamentar que saia das eleições de 6 de Outubro.

Por seu turno, recentemente, a 22 de Maio, o Aliança emitiu um Comunicado da Comissão Executiva, intitulado “Aliança apoia reforma eleitoral de Ribeiro e Castro”, em que “decidiu apoiar a proposta de reforma eleitoral publicamente apresentada pelas Associação Portuguesa para a Qualidade da Democracia (APDQ) e SEDES”, que “representa um primeiro passo para a mais lata e urgente reforma do sistema político em Portugal.”

O Aliança acentua que, “com esta reforma, os eleitores passarão a poder escolher o seu deputado e não só o partido, assim se cumprindo, finalmente, os caminhos abertos pelas revisões constitucionais de 1989 e 1997.” Sublinha que “a proporcionalidade da representação parlamentar estará absolutamente assegurada – até em maior grau do que hoje –, sem prejuízo de larga parte dos deputados serem escolhidos individualmente pelos cidadãos eleitores.” Por isso, defende: “É uma reforma que pode ser subscrita, com absoluta confiança, por qualquer partido político independentemente da sua dimensão (grande, média ou pequena) e tenha, ou não tenha, representação actualmente na Assembleia da República. É uma proposta que serve igualmente a todos. É uma proposta que serve a cidadania e a qualidade da democracia.”

O Aliança conclui que a proposta “responde a uma das necessidades mais reclamada pela opinião pública: dar mais poder aos eleitores, devolver mais cidadania à democracia.”

É isto mesmo. Embora o Aliança não tenha actualmente representação parlamentar, esta tomada de posição esclarecida é muito relevante, quebrando o gelo e o aparelhismo dos partidos parlamentares da sua área política. É importante, ainda, pela vasta experiência política do seu líder e fundador e porque, sendo um partido emergente e não um dos grandes, mostra à saciedade que a reforma proposta na nossa petição em nada afecta – pelo contrário – a representação parlamentar dos pequenos e médios partidos, como parece ser o fantasma que ainda assombra o espírito dominante no BE, CDS-PP e PCP.

Com dois partidos a favor, falta conhecer o que os outros pensam. Numa matéria essencial para os cidadãos, não pode haver jogo escondido.

O que se impõe, 22 anos depois da revisão constitucional, é que todos os partidos se mudem, finalmente, para o campo da cidadania, que tirem as conclusões do declínio democrático do país e, pelo sistema misto incluindo círculos uninominais, avancem para o caminho necessário do reencontro e da regeneração. Serão muito bem-vindos. Mas, ao menos, devem aos eleitores portugueses, a que pedem o voto, a declaração clara do seu pensamento e da sua vontade.

Em democracia, silêncio é batota.

Advogado

Subscritor do "Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade"

Escreve sem adopção das regras do acordo orotgáfico de 1990