Pedro Nuno. “Nesta vida não há tempo para lamentos!”

Pedro Nuno. “Nesta vida não há tempo para lamentos!”


Um acidente grave atirou-o para uma cadeira de rodas. Insuficiente para lhe quebrar a vontade. Agora é o pupilo favorito de Miguel Oliveira.


Autódromo do Estoril, 21 de julho de 2019

Doze horas, acabada a sessão de warm-up.

Dois anos e cinco dias após Aragão.

Revisitemos Pedro Nuno.

Onde começou tudo isto, Pedro?  Numa terra com outras tradições, Vila Franca, como surgem as motas na tua vida?

A paixão pelas motas surge através do meu irmão, ele andava no motocrosse, começou no ano em que eu nasci. Teve uma carreira um pouco curta, interrompida por um acidente, competiu entre 2000 e 2010. A minha infância, a partir de 2004, é muito preenchida com as competições dele, seguindo o campeonato. Nesse ano ganhei a minha primeira mota, uma KTM 50, vocacionada para motocrosse, o meu primeiro brinquedo neste mundo de duas rodas.

Em terra de tradições taurinas, em ano de Europeu de futebol, duas crianças viram-se para as motas – não deixa de ser curioso…

Um acaso. O meu pai queria comprar uma mota para ele, sem qualquer intenção competitiva, e quando a procura encontra um modelo pequeno que considera engraçado para o meu irmão João, isto numa altura em que eu nem era nascido. Tudo começa nesse momento fortuito.

Quando competes pela primeira vez?

A primeira prova foi no dia 25 de Abril, em 2009, aqui no Estoril, fiquei em terceiro lugar.

Tens um piloto de referência?

Sou rossista, acho-o mítico, mas vejo as coisas de um modo imparcial. Admiro o atrevimento de Marques, a regularidade de Lorenzo e Viñales. No fundo, há uma mistura de virtudes em vários pilotos que gosto de apreciar.

Sendo piloto e ao olhares para outros pilotos, o que prevalece, o adepto ou o analista?

A paixão por certos ídolos existe mas, numa situação de competição, tudo isso é retocado. Observo cada um nos seus pontos fortes e nesse momento faço-o com frieza. Se competisse com eles em pista, provavelmente, tudo me pareceria um sonho até ao momento de acontecer. Depois, tudo entraria em modo piloto.

Andando nos limites em cima de uma mota, há algum momento em que desligam o interruptor da realidade?

Em competição, sim. Haverá um momento em que entramos numa realidade onde só cabe aquilo que diga respeito à corrida. Nessa altura estamos mentalmente fechados dentro daquilo.

Em Aragão, a luz apagou-se. Escuridão total. Hoje estás aqui, correndo à mesma velocidade, buscando a mesma bandeira de xadrez. Emocionalmente, isso é uma vitória num campeonato do mundo? Do teu mundo?

Sim, ganhei o campeonato do mundo noutra vertente, disputei-o sem rivais, mas foi o mais duro, foi uma montanha-russa. Fiz uma pausa no sonho, nos meus objetivos, mas iniciei outra batalha que me arriscava a perder.

Contra quem foi ou é essa batalha?

Contra o meu corpo, não contra o destino. Esse, vejo hoje, programara tudo para eu estar hoje de volta, falando aqui convosco acerca de tudo, apenas não o sabia naquele momento. E a vertente psicológica foi tão exigente quanto a física. A chave, o início da solução foi a aprendizagem no lidar com a dor, ela era a face do adversário a quem teria de ganhar.

O modo como te completas com a mota alterou-se?

Sim, ainda hoje, em cada saída para a pista, há uma parte em que o corpo negoceia com a mota a posição mais confortável para lhe extrair os limites.

Após tanto tempo de luta, o regresso com uma vitória é um sonho que não se imaginava?

Nesse dia do regresso cheguei a questionar-me se tudo seria de facto um sonho, se iria acordar e nada daquilo ter acontecido. Repare, o simples facto de me encontrar naquele meu mundo, a competir de novo, já isso significava tudo o que eu poderia pedir então. Terminar com uma vitória, acho que foi o destino a querer colocar a cereja no topo do bolo.

Quem foi o Pedro Nuno naqueles dois anos?

Era um Pedro um pouco revoltado, porém positivo e focado no regresso. Um Pedro com dúvidas e medos acerca do regresso ou não a um mundo de competição. Acreditava, lutava, temia.

E o regresso à escola, de cadeira de rodas?

Custou-me o facto de ter a minha vida cheia de restrições, principalmente em termos de atividades físicas, sentia a minha liberdade parada no tempo.

Imagina a enormidade emocional exigida neste mundo aos pais de quem corre? 

Imagino, apenas posso imaginar. Desde que iniciei a competição mais a fundo que os vi trabalhar em torno de todo este projeto. Mesmo no aspeto financeiro, a exigência é tal que, sem eles, nada seria possível.

Certo, mas sendo essa escolha um pouco deles também, essa parte parece fácil de exigir. Agora e o medo, a angústia, como se faz essa gestão? Serão eles campeões à sua maneira, mantendo-se como o mesmíssimo suporte da tua carreira quando tudo esteve tão perto de todos os fins?

Nesse aspeto, vendo as coisa sob esse prisma, direi que sim. Qualquer pedaço de campeão que venha a saborear terá sido baseado nessa demonstração de coragem, nessa lição silenciosa da parte deles.

Um piloto de competição tem de ser egoísta?

Em que aspeto?

Na competição, na luta por um título, e no dia-a-dia, sabendo que um título obriga a escolhas pessoais muito vincadas…

No plano familiar, entendo que sim, por vezes surgem decisões que poderão afetá-los, mas que fazem parte do pacote: viagens, ausências, risco de acidentes. Na pista, aí temos de traçar e perceber muito bem a fronteira… egoísmo, sim, mas com respeito pelos outros e pela modalidade. Chamar-lhe-ia um egoísmo com regras.

Porque chegamos a uma prova como esta, o CNV, e olhamos para bancadas vazias? Que se passa?

A federação tem feito um bom trabalho ultimamente, tem começado a investir num marketing mais assertivo, mas vivemos num país com pouca tradição de audiências nesta modalidade a nível nacional. Talvez as marcas do setor pudessem investir mais, mas acaba por se criar um círculo vicioso: não há dinheiro, não há resultados; não havendo estes, não se cativam investidores. Até a comunidade que gira em torno deste desporto poderia fazer mais pela divulgação – falo dos pilotos, das equipas e dos próprios adeptos, todos poderemos ajudar. E talvez aí entrem as televisões e surja a oportunidade de darmos esse salto.

Esteve em Espanha, quais as diferenças imediatas?

Neste aspeto em que se fala do início de uma possível carreira, quando começas a sobressair um pouco existem agentes que fazem o trabalho que liberta os pilotos e as equipas dessas questões de meios para progredir. Eles buscam, detetam e apostam nos talentos. Fui contactado pouco depois de começar a mostrar resultados, fiz pódios com o Marco Ramirez, com o Jaume Masia, até com o Quartararo, tive corridas disputadas até ao fim com o Aron Canet.

Alguma mágoa?

Não quero ver as coisas sob esse prisma mas, por vezes, sinto que estive perto de oportunidades em que faltou apenas o quase, mas são situações que fazem parte deste mundo. Umas vezes pode parecer injusto, mas não há tempo para lamentos. É seguir em frente e buscar o futuro.

Falamos de quê nesse quase?

Redbull Rookies Cup, é desse mundo que falamos. Curiosamente, no mesmo fim de semana em que o Félix da Costa fica a saber que não irá para a F1.

Neste mundo da velocidade parece que, independentemente da competitividade existente em tantas categorias, o universo MotoGP absorve quase toda a atenção. Fazia falta mais interesse por parte da comunicação social não especializada?

Posso responder que em dois anos de recuperação, após um acidente que interrompeu aquilo que era uma carreira que apresentava resultados, tive apenas duas referências acerca de todo este trajeto, ambas provenientes de jornalistas ligados à especialidade. Após o meu regresso, talvez pelo facto de ter sido acompanhado de uma vitória, a história suscitou interesse de novo. Não me queixo, mas pergunto: não haveria espaço e interesse para divulgar um pouco mais em torno de quem procura estruturar uma carreira? Falo de mim, falo de todos os que buscam esse caminho…

Volto a abordar a questão: trata-se de uma questão cultural, este afastamento em relação ao desporto motorizado, versão nacional?

Sim, talvez esteja aí a resposta, não existe essa cultura de interesse pelo que se passa, mas é incrível pensar que num país com tão poucos habitantes, comparativamente com outros que apresentam tantos ídolos, surgem tantos e tão bons pilotos nas mais diversas modalidades, seja em velocidade, crosse, automóveis e por aí fora. Em quase todas as modalidades vamos produzindo campeões e em muito poucas encontramos qualquer tipo de apoio, isto fora do mundo do futebol.

Poderá ser uma questão da falta de referências de marcas portuguesas que apostem numa maior promoção de todo este universo?

Aí há um aspeto curioso: aí, se calhar, entra o papel importantíssimo do adepto ao reconhecer e apoiar quem patrocina os seus ídolos. Pode haver um caminho a percorrer, entender como o marketing pode ajudar.

E os pilotos, as equipas, por onde podem e devem caminhar?

Podem e devem fazer o seu trabalho, como as vamos vendo fazer hoje em dia, sendo estruturas que permitam aos pilotos fazer o seu melhor e ter esperança que o público se vá rendendo a quem lhes vai proporcionando bons espetáculos e resultados cada vez mais promissores.

Já voltaste a Aragão?

Não, nunca voltei lá, mas vou gostar de voltar, gosto da pista. Talvez por não terem sido consequência de qualquer erro, as coisas não tenham deixado um trauma específico.

Objetivos?

O mais longe possível. Chegar ao Mundial, competir com os melhores e aceitar todos os desafios. Se o sonho foi regressar, tentar chegar ao topo é mesmo um objetivo.

Ponto parágrafo.

A história segue dentro de momentos.

Obrigado, Pedro Nuno.

Seguir-te-emos.