Ena tantos…


Do calor abrasador no asfalto de Aragão nos falou Kiko Maria este fim de semana, batalhando na íngreme escadaria de uma European Talent Cup que, por entre algumas dezenas de pequenos grandes pilotos, vai descascando a esperança a uns e florindo nos sonhos de outros.


Esquecido estaria o frio que lhe chegou aos ossos e moeu a alma em manhã e tarde de tanto vento e chuva que nas bancadas do Estoril só faltou acender a lareira.

Da entrada na última curva liderando a prova para terminá-la fora do pódio a insignificantes 42 milésimos que chegaram para despir a casaca da glória nos falou há tempo Pedro Fragoso, o Bala, que carrega o redondo número 10 que em breve veremos naquela escadinha de honra aos eleitos.

Porque Bala é bom!

Bala, que vai fazendo pela vida numa renhidíssima R3bLUcRUCup que certamente não passará despercebida aos olheiros da gigante Yamaha, numa impiedosa seleção por entre cerca de três dezenas de talentos, como tantas outras seleções por esse mundo fora, onde a cada curva de cada circuito se busca a fórmula mágica que leve ao primeiro lugar na bandeirada de xadrez.

Olhando para dentro, pesquisando emoções no nosso CNV, é impossível passar ao lado de um talento como Ivo Lopes, a quem todos imaginamos ver um dia na alta roda destinada e restrita aos sobredotados, reservada a quem nunca esmorece e nunca desiste, é impossível não olhar espantado, espantadíssimo, para o regresso de um Pedro Nuno que um dia, em Aragão, conheceu bem pior que o calor que abrasou os treinos do KM4, dando de frente com óleo na pista que lhe traria o fim de quase tudo, e se não foi o fim foi porque Pedro Nuno será por certo feito da fibra que molda os loucos e genuínos merecedores da admiração de todos nós.

Olhando para dentro, pergunto-me por onde andaram os bravos, os vivas e os encómios à façanha do Gonçalo, a quem chamei Cubista, o Reis que em dez provas venceu nove e transformou o Mundial de enduro no quintal das suas diabruras? Não seria de o exaltar e idolatrar como a tantos que por tão pouco são por vezes apaparicados por todo o país?

E apalpando os terrenos do enduro, acaso sentindo saudades da KTM, é dar um salto e seguir na boleia do Rodrigo Belchior, que parece manter esta dicotomia, o nosso apoio emocional e a marca austríaca.

Olhando para cá, olhemos também para o lado vizinho, onde Pedro Fraga, Dinis Borges e Rafael Damásio levam as cores e a qualidade evidenciada, realçada e aprendida após um início promissor nessa escola que é a Oliveira Cup.

Essa escola que este fim de semana levou ao calor alentejano a frescura de espírito que é e será sempre o olhar para um mundo de pequenotes a caminho de grandes, de sonhos a caminho de realidades, de curvas a caminho de retas e bandeiradas de xadrez.

Em tempo de intervalo das emoções de MotoGP há muito por onde escolher. Atrás ficou apenas a pontinha de um longo cardápio de corridas. Teremos por vezes de concordar que escreverá direito por linhas tortas este deus das máquinas de duas rodas, de quando em quando resguardando longe da vista, logo do coração, esse menino cada vez mais nosso e mais do mundo, o Falcão que atirou gigante pedrada no charco e no marasmo em que, por vezes, se torna o desporto em Portugal, que tanto parece idolatrar uns e esquecer outros.

Em tempo de intervalo que quase parece ter o tamanho das férias grandes, tal é o vazio ao olhar para as manhãs de sexta-feira a domingo, deixo aqui o desafio, hoje em dia tão fácil com o auxílio desse fenómeno chamado Google, de pesquisarem a agenda de tanto campeão da perseverança, da crença, da solidão, da certeza, do sonho, da desilusão que obriga a levantar do chão e a subir de novo à mota.

Chamar-lhes-ia campeões para adoção.

Porque é nestes momentos que mais precisam de nós.