O fim do mundo tal como o conhecemos


A espécie humana está ameaçada pelo seu sucesso, medido pela rápida proliferação.


A ONU divulgou recentemente as projecções de evolução demográfica para os diversos países. O mundo tal como o conhecemos mudará radicalmente nas próximas décadas. Até 2100, a China perderá 500 milhões de habitantes, passando de 1500 para 1000, por força da política do filho único. O país mais populoso será então a Índia, com 1450, um crescimento suave face aos 1366 actuais. Pela Europa, a população estagna, no pressuposto de que os fluxos de imigrantes se mantêm. Se tal não acontecer, o saldo populacional será negativo. No caso português seremos 7,4 milhões em 2100, uma quebra de 25%, a maior no continente.

O crescimento no continente africano será exponencial. A Nigéria transformar-se-á em 2100 no terceiro mais populoso, passando dos actuais 201 milhões para 733. Angola, que no presente tem uma população de 27 milhões atingirá os 173 em 2100, mas já terá 59 em 2040, ou seja, uma duplicação da população em apenas 20 anos.

A evolução prevista alterará profundamente os actuais equilíbrios geopolíticos. Uma população europeia em regressão, com uma crescente esperança de vida, porá em causa a viabilidade dos sistemas de saúde e de segurança social, que consumirão fatias crescentes de um PIB cujo aumento será anémico em virtude do saldo demográfico negativo. A continuação do modelo social europeu dependerá do grau de sucesso na atracção de imigrantes. As condicionantes do debate político sobre os fluxos migratórios serão profundamente alteradas. Mesmo os mais estrénuos adeptos da bondade da tecnologia não acreditam que seja possível substituir capital humano com a rapidez e a intensidade suficientes para dispensar a imigração.

No continente africano, os desafios são esmagadores. Muitos países (entre os quais se contam Angola e Moçambique) verão, até 2100, a população multiplicar-se por seis ou por cinco. As necessidades de infra-estruturas de saúde, educação, energia, água, saneamento, transportes serão enormes e muito dificilmente terão uma resposta adequada. Em muitos destes Estados, o ciclo de exploração de determinadas produções (petróleo e gás natural) estará esgotado antes de 2100, tornando ainda mais difícil o financiamento das infra-estruturas.

As consequências das alterações climáticas far-se-ão sentir em todo o planeta, mas os efeitos serão mais duramente sentidos pelas populações dos Estados menos desenvolvidos, onde a rede de prestação de serviços é mais frágil e as acções de mitigação e de adaptação aos efeitos negativos são mais limitadas.

O crescimento demográfico exponencial em África, conjugado com os efeitos das alterações climáticas, levará a uma escassez de meios de sobrevivência que, por sua vez, dará origem a movimentos migratórios com uma amplitude nunca antes vista. As migrações forçadas pela fome e pela pobreza conduzirão não já milhões nem dezenas de milhões, mas centenas de milhões de seres humanos à procura de melhores dias fora do Estado de origem.

Não há grande possibilidade de barrar movimentações desta dimensão. A única alternativa viável a um cenário dantesco em que as bolsas de riqueza (América do Norte, Europa, Médio Oriente, alguns Estados na Ásia) se barricam contra centenas de milhões de famintos depende de uma acção à escala planetária que permita desenvolver os Estados que verão as suas populações multiplicar-se. Começando por políticas eficazes de planeamento familiar e de criação e partilha de riqueza a nível local. Hoje, já estamos atrasados.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990