“No meu caso, se fizesse sexo, teria de tirar a minha prótese”. ”Sou virgem desde o acidente”. “Ficas cansado, não consegues fazê-lo tão bem”. “O ginecologista disse: ‘a partir de agora, não podes ter nada’ e depois disse ‘ oh, mas também não precisas, não tens ninguém’, mas eu não estou morta, sou uma mulher, certo? Como os homens, as mulheres também têm desejo, certo?”.
As frases denunciam algumas das dificuldades e obstáculos que as pessoas com algum tipo de deficiência ou incapacidade experienciam na sexualidade e foram recolhidas durante a investigação de Raquel Pereira, do Sex Lab da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, para o estudo “Perspectives of Portuguese People with Physical Disbilities Regarding Their Sexual Health: A Focus Group Study”, publicado em outubro de 2018 pela revista científica “Journal of Sexuality & Disability”.
A investigação contou com a participação de nove mulheres e 17 homens entre os 18 e os 51 anos com diferentes deficiências, que foram organizados em quatro grupos focais para entrevista. O objetivo era perceber as suas crenças sobre sexualidade, as suas experiências a esse nível, bem como as mudanças necessárias aos seus olhos para facilitar a sua satisfação sexual. Segundo o artigo, “a atividade sexual pode estar comprometida no caso de pessoas com deficiência, uma vez que as suas condições podem resultar em dificuldades em conseguir e manter uma ereção, em lubrificação vaginal e ejaculação limitadas e sensação, prazer sexual ou orgasmo reduzidos”. Por isso, lê-se, “as pessoas com deficiência podem envolver-se noutro tipo de atividade sexual que não apenas o coito, ou debruçar-se sobre diferentes pontos erógenos do corpo, para conseguirem alcançar o prazer”.
A dificultar a sua satisfação sexual, as pessoas com deficiência têm ainda o isolamento social e sexual motivado por restrições arquitetónicas ou económicas, superproteção familiar e falta de espaço para a intimidade. E ainda a ausência de educação sexual.
O estudo concluiu que a necessidade da afirmação do direito à sexualidade era um sentimento partilhado por todos os participantes. Alguns dos participantes admitiam que a abordagem da sexualidade por parte dos profissionais de saúde é facilitada nos casos em que a pessoa tem um companheiro ou companheira. Num nível ainda mais pessoal, os inquiridos destacaram a forma como a sua incapacidade, ou outros fatores relacionados, prejudicam a relação sexual – a medicação, tubos ou próteses são alguns dos exemplos.
Para uma participante, lê-se no artigo, o desenvolvimento da deficiência ditou mesmo o fim da relação com o companheiro. Outros participantes assinalaram que o facto de não serem independentes nem autónomos, e viverem com os pais, contribuía para que a sua sexualidade não fosse reconhecida.
No que diz respeito às mudanças necessárias, as pessoas com deficiência que participaram na investigação da psicóloga Raquel Pereira destacam o papel que os profissionais de saúde devem ter na abordagem dos problemas que experienciam na sua vida sexual: desde aqueles que trabalham em hospitais e centros de reabilitação, aos sexólogos.
Identificada foi também a necessidade, na visão de algumas das pessoas entrevistadas, de criar o papel de assistente sexual em Portugal, “para facilitar as atividades sexuais e o prazer sexual através do ensino de técnicas sexuais e de como desempenhá-las”.
Finalmente, os participantes defenderam uma maior atenção por parte dos agentes políticos à deficiência e à sexualidade, acreditando que é fundamental para a mudança de mentalidades no país. Pediram, também, a criação de medidas políticas que permitam melhorar as acessibilidades, os recursos económicos e os cuidados de saúde deste grupo da população, o que acabará por contribuir para a sua vivência sexual.
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