Hoje, na véspera de se comemorar o Dia Internacional da Mulher, assinala-se o primeiro dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica. Não é um tema novo, mas tem ganho destaque pelos piores motivos. Em números, no ano de 2017 morreram 20 mulheres; em 2018 morreram 28; e este ano já morreram 11. As estatísticas dão o alerta e, por exemplo, a cada 20 minutos é feita uma queixa de violência doméstica. “O nosso sistema ajuda as mulheres, mas não reprime os agressores”, explica Elisabete Brasil, presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), que aponta as falhas na justiça como um dos problemas a resolver para diminuir o número de casos de violência doméstica.
Segundo dados disponibilizados pelo Ministério Público, o número de inquéritos registados por crimes de violência doméstica fixou-se nos 30 544 em 2017 e nos 29 734 em 2018. No entanto, do total de processos foram arquivados cerca de 20 mil em cada ano.
O dia de luto nacional foi proposto ao conselho de ministros na semana passada pela ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Mariana Vieira da Silva, e aprovado pelo governo. “Este dia é um dia em que nós devemos não apenas homenagear as vítimas, não apenas solidarizarmo-nos com as famílias, mas também todos, coletivamente, renovarmos o nosso propósito de continuar este combate e de todos, coletivamente, podermos responder”, disse Mariana Vieira da Silva em conferência de imprensa.
E hoje decorre também a primeira reunião da equipa técnica multidisciplinar no âmbito das questões da violência doméstica. O governo deu luz verde à criação da equipa na semana passada e um dos objetivos será o combate contra a banalização em relação à violência. “Neste combate é fundamental contrariar a banalização e a indiferença, homenageando as vítimas e as suas famílias e assegurando a consciencialização desta tragédia”, garantiu o conselho de ministros em comunicado.
O que se espera da nova equipa A equipa técnica vai ser coordenada pelo procurador jubilado Rui do Carmo – também coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, que analisa os casos de homicídio ocorrido em contexto de violência doméstica. “Mais do que uma equipa a relatar, precisamos de uma equipa que no terreno seja capaz de pôr em diálogo as organizações do sistema que não estão em diálogo e, no fundo, aquilo que são dados como as ineficácias do sistema”, disse ao i Elisabete Brasil. E as falhas do sistema são apontadas, em primeiro lugar, à justiça.
Por exemplo, em 2017, segundo dados do Ministério da Justiça enviados ao i, foram julgados em primeira instância 3524 processos pelo crime de violência doméstica, mas o número de inquéritos registados por este crime pelo Ministério Público é muito superior – mais de 30 mil. O Ministério Público adiantou ainda que em primeira instância foram condenadas 1457 pessoas por violência doméstica contra cônjuges ou análogos e, deste total, 663 pediram recurso, tendo 515 destes já obtido resposta.
Ainda no âmbito da violência doméstica, no ano de 2017, o sistema de pulseira eletrónica foi aplicado a 1318 casos. “Quando temos uma polícia a dizer que temos de atuar agora e temos um Ministério Público que demora 40 dias a tomar uma decisão, ou um juiz de instrução até chegar a uma decisão, não funciona.”
Elisabete fala da justiça, mas também da falta de comunicação da polícia e da saúde e de “procedimentos que estão no terreno e não são cumpridos e comunicações que devem ser feitas e que não são”. A saúde é uma das áreas que a UMAR espera mude de atitude com a criação da equipa multidisciplinar. “É um crime de natureza pública. As mulheres vão aos hospitais, vão aos centros de saúde e não há um relatório por parte dessas entidades, não há uma participação ativa destas entidades públicas.”
“Se as mulheres param, o mundo para” Braga, Porto, Coimbra, Viseu, Lisboa e Funchal: nestas seis cidades vai decorrer durante o dia de amanhã uma manifestação organizada pela UMAR. O objetivo não é apenas celebrar o Dia da Mulher, é também dar voz aos apelos femininos para “viver sem violência e acabar com os assassinatos de mulheres – femicídios”, lê-se no comunicado da UMAR. As mulheres querem ainda “uma justiça não sexista e misógina que pare de atuar constantemente em defesa e desculpabilização dos agressores e na culpabilização das mulheres”.