Entre dois crimes e um suicídio há 200 quilómetros de distância

Entre dois crimes e um suicídio há 200 quilómetros de distância


A história de uma família do Seixal que ficou destruída em dois dias. As ameaças passaram a ação e Pedro Henriques acabou por matar a ex-sogra e a filha e, no fim, suicidou-se.


O desfecho das histórias faz esquecer os inícios. E quando os fins são trágicos, os últimos momentos é que ficam na memória. E o fim desta é um desses casos: um homem matou a ex-sogra, a seguir matou a filha e depois suicidou-se. Mas é preciso entrar na história e conhecer o enredo. Pedro Henriques, com idade entre os 35 e os 40 anos, conheceu Sandra Cabrita e os dois começaram a namorar há cinco anos. Sandra vivia no Seixal com os pais, era bailarina e trabalhava agora num call center, Pedro era de Castanheira de Pera, distrito de Leiria. Acabaram por ficar os dois a viver na Torre da Marinha, Seixal. Há dois anos, o casal teve uma filha, Lara.

Os tempos depois do nascimento da filha foram conturbados e Sandra chegou a apresentar queixa na polícia por violência doméstica. Dentro e fora de casa, os comportamentos mudavam, mas, com o tempo, Pedro Henriques revelava-se violento mesmo quando falava no café lá da terra. Quem convivia com ele diariamente admite agora que às vezes dizia: “Um dia destes mato-vos a todos.” Mas ninguém ligava, até porque, tal como diziam também, do dizer ao fazer vai uma grande distância. Ou talvez não.

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Pedro Henriques tinha dificuldade em ficar muito tempo no mesmo emprego. Era segurança, mudava constantemente de empresa – o que aumentava os problemas em casa com a mulher e com os sogros, sempre presentes na educação da filha do casal. Com este problema vinha a questão do dinheiro e a violência doméstica. Aliás, segundo avançou a PSP ao jornal “Público”, o caso de Sandra Cabrita foi classificado como “de risco elevado” quando a vítima apresentou queixa, em 2017. O caso foi enviado para o Ministério Público e a PSP pediu que Pedro Henriques fosse proibido de permanecer na habitação e de ter contacto com a vítima. No entanto, o processo resultou apenas num inquérito por crime de coação e ameaça e acabou arquivado por desistência de queixa.

Em 2016, poucos meses depois de Lara nascer, o divórcio foi oficializado e Sandra Cabrita passou a ser a ex-mulher de Pedro Henriques. Mas havia um problema: a custódia da filha.

 

Antes do tribunal

Ainda era de madrugada na segunda-feira quando Pedro Henriques entrou na pastelaria dos ex–sogros. Ameaçou o pai de Sandra Cabrita e alguns vizinhos admitem que a criança estava com ele no carro. Alguns dizem mesmo que Lara ia no banco da frente com o pai. Depois de sair do café, o percurso que Pedro Henriques fez é incerto. Certo é a paragem que fez a seguir – a casa dos pais da ex-mulher, onde deveria ter deixado a filha. Dentro de casa estava Helena Cabrita que, depois de uma discussão, acabou morta pelo ex-companheiro da filha. Com 60 anos, a avó de Lara não resistiu aos golpes provocados por uma faca no peito. Morreu na segunda-feira de manhã, enquanto a neta Lara estava no carro, mesmo à frente da casa.

Segunda-feira era o dia marcado para uma audiência no Tribunal de Família e Menores do Seixal para acordar o futuro de Lara. Às dez da manhã iria decidir-se quanto tempo cada um dos pais ficava com Lara, já que era este o ponto de discórdia – Sandra Cabrita queria a guarda total da filha. Também às dez horas, Lara ainda não tinha chegado à creche – continuava com o pai, não se sabe por onde.

O fim Depois de matar a ex-sogra, Pedro Henriques voltou para o carro onde tinha deixado a filha de dois anos. Fugiu com ela e acabou por matá-la. Lara foi asfixiada pelo pai que, depois do crime – às 8h25 da manhã de ontem – alertou o INEM sobre a localização da filha. As coordenadas indicavam Corroios e a criança foi encontrada no porta-bagagens de um Peugeot 206 preto, num parque de estacionamento de terra batida perto da Escola João de Barros, em Corroios, sem sinais de violência. Segundo fonte da PSP ao jornal “Expresso”, “ele anunciou por telefone que ia matar a filha, dando as coordenadas do local onde se encontrava o corpo, e que se iria suicidar de seguida”.

Junto ao corpo de Lara estava também uma carta escrita por Pedro Henriques dirigida à ex-mulher e à família. As palavras do homem eram claras e, no final, atribuía as responsabilidades da tragédia a Sandra Cabrita e à restante família.

Ainda a lidar com a morte da mãe, Sandra Cabrita soube da morte da filha e acabou por se esconder num banco, com medo que o ex-marido fosse também à procura dela. De acordo com quem estava no mesmo local, a mulher recusou-se a sair do interior do banco e a GNR foi mesmo chamada ao local. Quando chegaram, as autoridades perceberam a dimensão do cenário – era a mulher que tinha perdido a mãe e a filha. Foi também nessa altura que Sandra Cabrita ficou a saber que, afinal, o marido também já estava morto.

Depois de avisar o INEM do paradeiro da filha, Pedro Henriques apanhou um comboio e viajou desde o Seixal até Pombal, perto de Castanheira de Pera – vila que deixou há mais de 15 anos para trabalhar na zona de Lisboa.

No local onde viveu durante a adolescência, pouca gente se lembra de Pedro Henriques, mas foi Castanheira de Pera o local escolhido para parar. Foi até casa dos pais, saiu com uma caçadeira na mão e, a cerca de 100 metros da habitação, pôs fim à própria vida. No relógio batiam as 11 horas quando Pedro Henriques foi encontrado morto por um funcionário da câmara num caminho de terra, a mais de 200 quilómetros do Seixal.