O parlamento discute hoje quatro propostas – do governo, do PCP, do PSD e do CDS – para a nova Lei de Bases da Saúde. E há ainda outra do Bloco de Esquerda que desceu à especialidade e não será discutida no plenário. O Presidente da República já disse esperar “o maior acordo possível” entre os partidos, mas essa parece ser uma realidade longínqua. A esquerda e a direita têm posições muito divergentes em alguns dos temas centrais das propostas, como o papel do Estado e dos privados ou a cobrança de taxas moderadoras. E mesmo a geringonça também não se entende entre si.
A proposta do governo começou a ser trabalhada ainda com o antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, que criou uma comissão para rever a Lei de Bases da Saúde, coordenada pela antiga ministra Maria de Belém. Depois da remodelação do governo, a nova ministra da Saúde Marta Temido herdou a proposta trabalhada por Maria Belém, mas decidiu não a incorporar na íntegra. Apresentou uma nova proposta, que critica, no preâmbulo, o impacto do crescimento do setor privado no SNS e, por isso, ficou mais próxima das posições do Bloco de Esquerda e do PCP. Mas mesmo assim não conseguiu convencer os partidos mais à esquerda.
Catarina Martins criticou a “enorme ambiguidade” da proposta do governo e afirmou que o diploma “não tem a clareza das declarações da ministra da Saúde, que diz que quer proteger o SNS do negócio privado”. Para a líder do Bloco, a proposta é ambígua quando diz, por exemplo, que “as PPP (Parcerias Público-Privadas) não são o caminho que escolhe”, mas “continua a torná-las possíveis”.
Ainda assim, Catarina Martins assegurou que vai “para o debate da Lei de Bases com muita abertura”. Mas deixou um alerta: para que seja possível um consenso, o governo tem de escolher entre “um discurso ambíguo, que portanto permite continuar a alimentar o setor privado da saúde”, e “a clareza de dizer que cabe ao SNS prestar cuidados de saúde em todo o país e a toda a população”.
Também Jerónimo de Sousa se mostra intransigente no travão à relação entre SNS e setor privado. Para o líder do PCP, “não há lugar para as PPP” nem “para Entidades Públicas Empresariais (EPE)”, os hospitais em que a gestão pública tem um modelo empresarial. Por isso, a proposta dos comunistas “integra a extinção das unidades de saúde que funcionam em regime de PPP e EPE”.
Para evitar o chumbo da proposta – e o choque com o Bloco e o PCP –, segundo o “Expresso”, o governo deve baixar a proposta à comissão sem ser votada. Ao i, a vice-presidente do grupo parlamentar do PS, Jamila Madeira, afirmou que os socialistas estão “dispostos a dialogar com todos aqueles que sejam reais defensores do SNS”. A deputada referiu ainda que o PS está disponível para “promover alterações no sentido da construção de uma melhor proposta”, mas sem abdicar de princípios que considera “estruturantes”, como “a salvaguarda e o reforço do SNS no cumprimento do seu papel de proteção da saúde”, que deve ser “tendencialmente gratuita”.
O PSD também vai optar por baixar a proposta à comissão sem “forçar a votação”. O deputado Ricardo Baptista Leite, porta-voz dos sociais-democratas para a área da Saúde, afirmou ao i que pretendem que o tema seja debatido na comissão da Saúde e que seja ouvida a opinião de “vários entidades e personalidade do setor”. O objetivo é “procurar chegar a um consenso, como apelou o Presidente da República”.
Mas o deputado do PSD reconhece que uma consensualização de posições é “difícil” de atingir. Em relação ao Bloco e ao PCP, Baptista Leite explica que têm uma posição muito divergente do PSD no que diz respeito ao papel dos privados, por exemplo. Para o social-democrata, “o Estado deve ter um papel primordial na gestão do SNS, mas não deve fechar a porta à cooperação com o setor social e privado”. Já sobre o PS, Ricardo Baptista Leite destaca a “incerteza” do diploma que apresentaram. “Como disse Maria Belém, o projeto do governo afirma algo e defende o seu contrário logo a seguir”, justificou.
A líder do CDS também já mostrou vontade de que todos os partidos chegassem a um consenso sobre a matéria. Na apresentação da Lei de Bases da Saúde proposta pelos centristas, Cristas elencou como princípios “um SNS centrado e focado no cidadão”, com uma “visão abrangente” e “o Estado como garante máximo da saúde”, não deixando por isso de valorizar “os setores social e privado”.
Na segunda-feira, a ministra da Saúde afirmou que a proposta do governo pode ser melhorada pelo parlamento. Marta Temido defendeu que a lei “tem certamente aspetos que podem ser melhorados na Assembleia da República” e acrescentou que o tema é passível de “muitas sensibilidades”.