Turismo: uma onda para surfar ou bloquear?

Turismo: uma onda para surfar ou bloquear?


Tal como a boa gestão de uma barragem exige regras de segurança e qualidade, também as atividades e fluxos turísticos exigem normas para aferir se o turismo é excessivo ou deficitário


Portugal é hoje reconhecido como um dos principais destinos turísticos do mundo. Como consequência desse reconhecimento e inevitável pressão turística, as principais cidades do país vêem-se divididas entre os aspectos negativos e positivos dessa procura: do lado negativo emergem a descaracterização cultural, especulação imobiliária e consequente expulsão de residentes locais, inflação de bens e produtos em zonas turísticas, dificuldades de mobilidade e fruição de espaços congestionados por esses fluxos turísticos, eliminação da diversidade urbana e disseminação de usos homogeneizados para a finalidade turística (hotéis, bares, restaurantes, etc.) e outros desafios que põem em causa a integridade e desempenho das suas infraestruturas e a coesão do tecido social; do lado positivo emergem a captação de recursos financeiros provenientes de receitas turísticas e investimento internacional, valorização da imagem dessas cidades como destino privilegiado num contexto de competição global, aumento das operações de regeneração e revitalização urbana a grande escala (potenciadas por capital externo e por uma massa de novos residentes ou turistas), exposição ao cosmopolitismo e a uma maior troca de experiências entre cidadãos de culturas diferentes.

Como tal, o impacto do turismo na vida e identidade de uma cidade deve ser encarado da mesma forma que se encara a gestão da água numa barragem: se essa água for inexistente ou se mantiver estagnada, a barragem tornar-se-á inútil no primeiro caso, ou eutrófica e prejudicial para a saúde pública no segundo caso; deixará de existir irrigação de culturas agrícolas, produção eléctrica, abastecimento de água para consumo humano e utilização para finalidades lúdicas. Por outro lado, se o fluxo desse caudal for intenso e descontrolado, a força exercida pela água poderá fazer transbordar a barragem, submergindo todas as edificações e culturas agrícolas na sua área de influência.

Se no primeiro caso somos confrontados com a esterilidade e o desaproveitamento, no segundo caso, somos confrontados com a descaracterização e a destruição. Tal como a boa gestão de uma barragem exige regras de segurança e qualidade, também as actividades e fluxos turísticos exigem normas que nos permitam ter a consciência do que é excessivo ou deficitário.

Nesse sentido, possuirão os aglomerados urbanos mais procurados pelo turismo, os critérios qualitativos e quantitativos para aferir essas métricas e gerir convenientemente o equilíbrio ecológico/mecânico da barragem? Ou estarão ao invés a actuar por reacção, adoptando medidas avulsas e conjunturais que tentam conter brechas na barragem quando a força das águas se torna demasiado intensa e evidente (por exemplo: criando normas para travar o despejo de moradores economicamente fragilizados quando o alojamento local para turistas se torna uma forma de aproveitamento imobiliário mais rentável)?

Num país polvilhado de observatórios, desenvolvemos a capacidade de contemplar passivamente o impacto turístico à luz da contabilização do número de hóspedes estrangeiros, sua origem ou receitas que geram; no entanto, continuamos a negligenciar a responsabilidade de gerir esses impactos em função dos objectivos estratégicos das aldeias, vilas, cidades e regiões onde os mesmos ocorrem. Insistimos assim na defesa de considerações morais sobre a subida ou descida do nível de água da barragem (turismo bom versus turismo mau) mas esquecemos a importância de definir o propósito e a utilidade dessa água.

 

Mestre em Ordenamento do Território e Planeamento Ambiental

Escreve quinzenalmente