Brexit. Espanha condiciona o seu apoio ao acordo por causa de Gibraltar

Brexit. Espanha condiciona o seu apoio ao acordo por causa de Gibraltar


Espanha quer salvaguardar a sua posição quanto à negociação do futuro do Rochedo


Tudo apontava para uma aprovação calma do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia do lado dos 27 mas, ontem, a Espanha colocou um travão na sua concordância com o documento por causa da indefinição sobre o estatuto futuro de Gibraltar, o pequeno território no Mediterrâneo, junto à costa espanhola.

“A primeira-ministra May disse que não aprovará o acordo de saída enquanto não tiver [definida] a relação futura, pois, enquanto não soubermos o que diz, também não vamos aprovar o acordo de saída”, afirmou ontem o ministro dos Assuntos Exteriores espanhol, Josep Borrell, em Bruxelas.

“Queremos que fique claro”, disse o ministro espanhol depois de se reunir com os seus homólogos em Bruxelas, “que as negociações [futuras] entre o Reino Unido e a UE não se aplicam a Gibraltar.” E acrescentou que “até que fique tudo claro, não podemos dar como bom o acordo de saída e a declaração política sobre a relação”.

O governo espanhol pretende ver escrito no documento que quando se definirem as regras da relação entre o Reino Unido e a UE depois do Brexit, no futuro, a Espanha tenha de estar de acordo com o estatuto de Gibraltar. Já nas diretrizes para as conversações entre Bruxelas e Londres, Madrid conseguira incluir uma forma de bloqueio em relação ao assunto do Rochedo.

No entanto, o atual texto não inclui qualquer salvaguarda do género e ninguém parece com vontade de reabrir o acordo para acrescentar essa alínea. A hipótese será incluir no acordo uma adenda específica sobre a questão e que tenha o mesmo valor legal do documento. Tanto os negociadores europeus como alguns governos temem que alterar o documento para introduzir a cláusula exigida por Espanha poderá dar azo a que outros exijam também alterações e deitem por terra o consenso frágil que existe atualmente em torno do acordo.

A posição espanhola caiu como um balde de água fria entre os chefes da diplomacia europeia que se reuniram para preparar a cimeira extraordinária do próximo domingo, onde os chefes de Estado e de governo darão a luz verde ao acordo tão duramente negociado durante 18 meses. 

Em causa está o artigo 184 do acordo, que apanhou Madrid de surpresa e que, segundo a sua interpretação, “levanta dúvidas”. “O 184 apareceu na quarta-feira à noite, depois de o ter visto a sra. May e só ela. Não sabemos quem o introduziu. Também não sabemos quem introduziu a questão de prolongar o período de transição”, afirmaram fontes espanholas ao diário “El Mundo”. De acordo com o “El País”, a Espanha desconhecia a existência do artigo e só soube dele quando recebeu o documento de Michel Barnier, na quarta-feira à noite, ao contrário de todo o governo de Theresa May, incluindo o seu ministro principal de Gibraltar, Fabián Picardo.

E o que diz esse artigo capaz de colocar um grão na engrenagem de um documento de 585 páginas que parecia capaz de ser aprovado pelos 27 Estados–membros, algo que nos dias de hoje parece cada vez mais difícil de alcançar, tendo em conta as diferenças internas entre europeístas e soberanistas? “A União e o Reino Unido envidarão os seus melhores esforços, em boa–fé e no pleno respeito pelas suas respetivas ordens legais, para tomar as medidas necessárias para negociar de maneira expedita os acordos que regem a sua futura relação.” Para Espanha, o texto não explica claramente a separação dos diferentes acordos a negociar no futuro, entre eles o do estatuto de Gibraltar.

“Não está clara a separação entre duas negociações diferentes”, referem as mesmas fontes ao “El Mundo”, porque uma coisa é a relação futura do Reino Unido com a UE e outra é a questão de Gibraltar, “em fase de descolonização e que não pertence nem ao Reino Unido, nem à União Aduaneira.”

É certo que o acordo de saída inclui um protocolo sobre Gibraltar, mas este dura até 2020, quando termina o período de transição do Brexit. E o que Espanha quer é que se diga explicitamente que o acordo futuro entre os Estados-membros e Londres só será aprovado se Reino Unido e Espanha acertarem um acordo bilateral sobre Gibraltar.

Madrid exige mais do que uma declaração política sobre o assunto: pretende uma base legal que fundamente as exigências de uma negociação sobre o futuro do Rochedo.

De acordo com o próprio Borrell, Espanha não está sozinha na exigência de uma clarificação do documento em relação à questão de Gibraltar: “Vários países demonstraram a sua compreensão em relação à situação que apresentamos e pediram que se resolva.”