Em que difere o livro de memórias políticas de Cavaco Silva do de Jorge Sampaio? Penso que o juízo de valores de alguns dos personagens retratados por Cavaco, em contraponto às observações factuais (ou não, de acordo com os visados) de Sampaio. Senão vejamos: Cavaco diz que António José Seguro “é inseguro, medroso e sem capacidade de liderança” e Sampaio alertava Santana Lopes para não convidar Fernando Negrão para ministro da Justiça: “Veja lá, é capaz de dar má visibilidade ao governo ter como ministro da Justiça uma pessoa que confessadamente violou o segredo de justiça”.
Cavaco diz que que Costa “é um artista de arte de nunca dizer não” e Sampaio revelou: “Fartei-me do Santana como primeiro-ministro, estava a deixar o país à deriva”.
Digamos que um faz observações pessoais e outro limita-se a relatar factos. Mas a grande questão é que Portugal não está habituado a ver biografias de políticos ou livros de memórias em que pessoas próximas desse mundo escrevem sobre os atores que ainda estão em atividade. Cavaco, convenhamos, demonstra falta de sentido de Estado, algo que lhe é tão caro, já que várias vezes acusou outras personagens, com Marcelo à cabeça, de não o terem. Se continuarmos nesta onda de confidências presidenciais, calculo que os primeiros-ministros e outros governantes ou políticos tenham bastante receio de falar à vontade nessas reuniões de Estado. Isso, parece-me óbvio.
Já como leitor, confesso que acho bastante divertido saber o que pensa uma personagem sorumbática como Cavaco Silva dos seus adversários ou colegas de partido. Se é verdade que Cavaco atacou muito o PS, também não poupou personagens como Paulo Portas ou Miguel Relvas. O homem que mais tempo esteve à frente dos destinos do país, e aquele que mais pancada levou da oposição, teve a sua pequena vingança. Imagino como serão as próximas reuniões de Conselho de Estado, onde terá de enfrentar António Costa ou Carlos César, por exemplo. Deve ser um ambiente de cortar à faca.