Lisb-on. Dançar enquanto o sol se deita

Lisb-on. Dançar enquanto o sol se deita


Já foi estranho mas a cidade habituou-se a dançar à luz do dia e o Lisb-On também é responsável por inverter os ponteiros do relógio. De amanhã a domingo, dança-se no centro enquanto a história vai seguindo a linha do sol


Todd Terje
Nórdico mas nada gélido, o príncipe do disco norueguês deve ter glóbulos latinos no corpo. Todd Terje é dono de uma coleção interminável de edits, de Michael Jackson a rock psicadélico turco obscuro, Bryan Ferry ou Dolly Parton, mas sobretudo não tem medo de revestir o mau gosto com sensibilidade. Há uma fação de produtores de música eletrónica que descobriu o baleárico através do otoverme “In The Air Tonight” de Phil Collins. E atrás desse clássico que muita gente tem medo de admitir que gosta, há toda uma coleção de memórias de Miami Vice ao DeLorean – carro de culto posto à venda no vídeo de “DeLorean Dynamite” – que Todd Terje tem o cuidado de não enviar já para o espaço e assegurar que continuam à face da Terra. No ebay, em lojas de usados ou à flor da pista.
Amanhã, 17h30

Michael Mayer
Figura chave da cena techno de Colónia, Michael Mayer é um dos nomes de cartaz da Kompakt, sediada na industrial da Vestefália. Quer a editora, quer o produtor e DJ traduzem esse som frio e matemático, que além de toda a ciência aplicada, é melódico e, por isso, flexível na escala: tanto pode ser ouvido no breu a horas adiantadas como em horário vespertino. Tem dezenas de remisturas para gente fina da pop como os Depeche Mode, Pet Shop Boys e Rufus Wainwright, e assumiu a missão de salvar o mundo nos Superpitcher, dupla com o parceiro de editora Superpitcher. Purista do techno, defende a responsabilidade dos DJ de alimentar as pessoas com ingredientes certificados. Será esse o desafio no Lisb-On. Abafar a poluição sonora e tocar a música certa para um final de tarde.
Amanhã, 19h30

Vakula
Um dos mais intrigantes e fascinantes produtores de música eletrónica dos últimos anos e um daqueles que contraria a teoria do fim da história. Não, não foi tudo inventado e, sim, ainda é possível resistir à espuma do momento, ao fogo de artifício dos grandes ajuntamentos e da pressão social de Miami. Mais ainda: Vakula transcende géneros e tanto pode operar sobre o techno hipnotizado pelo dub, como reconstruir pérolas do funk, do disco ou do psicadélico. E álbuns como “A Voyage to Arcturus” e “Cyclicality Between Procyon and Gomeisa” são o cartão de crédito para a infinitude que o ucraniano adiciona à agenda regular de DJ sets, remisturas ou máxis. Mas tudo isto só é possível com uma coleção de discos generosa e um conhecimento musical construído com sede de descoberta.
Sábado, 17h00

St. Germain (live band)
St. Germain não é por certo o nome mais atual nem aquele que aponta as coordenadas da bússola do novo mas para quem olhe casualmente para o cartaz é o nome mais familiar. A responsabilidade é de “Tourist”, uma das bíblias eletrónicas de final de milénio, eternizada pelos samples de Marlena Shaw e do Dave Brubeck Quartet em “Rose Rouge”; pela voz e fraseado de guitarra de John Lee Hooker em “Sure Thing”; ou pela salsa de “Latin Note”. E durante 15 anos, Ludovic Navarre esteve fora do mapa. Editorial, pelo menos. Regressaria em 2015 com um álbum homónimo de fortes ligações à música do norte de África. E pouco mais se alterou. A viagem de St. Germain continua a baixas rotações em câmara lenta como no sofá. O quadro ideal para um sábado na relva? É possível. 
Sábado, 18h30

Young Marco
Antes de uma nova geração do rap ser Lil – Lil Pump, Lil Skies – era Young. Por exemplo, Young Thug. Mas este Young Marco nada tem a ver com hip-hop sulista de relógios caros, bitches a cada estrofe e autotune. Young Marco é o alter-ego do holandês Marco Sterk e a coleção “Selectors 002”, de início deste ano, uma das mais atraentes odisseias sonoras de 2018, ou não tivesse o selo de garantia da conterrânea Dekmantel, um dos mais ativos e influentes selos da atualidade. Em dez faixas, Young Marco percorre desde o mapa sonoro dos videojogos, ao pai do deep house Larry Heard, sem pôr de parte o electro ou italo house. O fator mágico pode estar no desconhecido e o holandês tem a virtude de fazer familiar o que é incógnito e ver a luz onde só está escuro para a maioria. À hora a que o sol diz adeus ao Lisb-On.
Sábado, 20h00

Mr. Scruff
De França, boa música de dança. É assim pelo menos desde os anos 70 mas o french touch é uma criação da década de 90. E a importância dos Daft Punk, St. Germain, Laurent Garnier, Motorbass, Cassius ou Alex Gopher, vê-se também naqueles que podiam ser irmãos de outra mãe. Por exemplo, Mr. Scruff que pela Ninja Tune esteve envolvido nesse período de tensão pré-milenar e grande riqueza para a música de dança que então contaminava a música pop inteligente. Scruff nasceu Andy Carthy na cidade inglesa de  Stockport e no final dos anos gravou “Mr. Scruff” (1997) e “Keep It Unreal” (1999), um par de álbuns marcantes dessa época. Depois, esteve sempre ligado à Ninja Tune e ajudou na sonoplastia do Windows 7 em 2006. Recordar também pode ser dançar. 
Domingo, 17h55

Mr. Fingers
História em movimento em toda a sua literalidade. O padrinho do deep house tem 58 anos e como membro dos Fingers Inc., deu ao house uma nova intensidade tranquila que ainda hoje faz escola. A memória da música de dança passará para sempre por estes dedos – e pela voz de Robert Owens, com quem gravou o supremo dos clássicos “Mystery of Love – mas depois de treze anos sem editar um álbum, os cem minutos de “Cerebral Hemispheres” devolveram-no ao presente, sem se perder de si mesmo. A noção do espaço, o ambientalismo sonoro, as longas canções e o tempo sem tempo são marcas do livro de estilo de Larry Heard, construído numa altura de restrições tecnológicas em que não havia emuladores nem tutoriais. Pelo menos um osso da música dos últimos 30 anos pertence-lhe. 
Domingo, 19h30

Kerri ChandleR
Histórias, histórias. No plural. Se Larry Heard fez uma revolução serena, Kerri Chandler injetou-lhe a adrenalina necessária para ver pistas de danças onde havia trincheiras e rosas onde estavam armas. Filho de um músico de jazz, recebeu do pai a dieta necessária de discos de funk e soul para crescer sob a influência da grande família sonora negra. Com 14 anos já era DJ e rapidamente se tornou um dos maiores ícones do house. O lema house music all night long pertence a Marshall Jefferson, um dos pioneiros da música eletrónica de dança mas continua a ser uma máxima para Kerri Chandler que continua a tocar nos melhores clubes e a defender o house como um fator de agregação e contágio do bem, sobre o ódio e as divisões. E que melhor forma de terminar o Lisb-On do que com uma lição de hedonismo?
Domingo, 21h05