Há vinte anos, a indústria trabalhava para vender CD. Os álbuns serviam as digressões e não o contrário, como mais tarde veio a suceder. Era o tempo das vacas gordas, das campanhas milionárias de marketing e dos milhões de álbuns. Há dez anos, a indústria admitia a derrota para a Internet e refazia alguns dos seus departamentos convidando bandas e artistas em nome próprio a assinar contratos 360 que contemplassem não só o registo fonográfico mas também os concertos, publishing e merchandising. Motivo: a música já não era um produto vendável em massa e passara a servir como objeto promocional de venda de espetáculos e digressões.
Nova década, nova realidade: a Internet massificou-se como uma terra sem lei mas era utópico pensar-se que, na maior praça do mundo, os almoços continuassem a ser servidos ao preço do ar. E assim que a Internet passou a ser um negócio, nasceram novos serviços como o Spotify, o Apple Music e o Tidal. E a indústria, que durante décadas encarou a Internet como um monstro, encontrou por fim um aliado e foi obrigada a readaptar-se a uma nova realidade em que a posse deixara de fazer sentido, sobretudo para as novas gerações, para o modelo de negócio em “nuvem”.
Graças à porta aberta do YouTube e ao registo gratuito em plataformas como o Spotify que oferecem uma modalidade sem custos, embora com publicidade imposta, não só o número de ouvintes cresceu exponencialmente como o tempo despendido a ouvir música aumentou. Essa é a primeira conclusão do reinado do streaming e a consequência imediata de haver mais pessoas com mais acesso.
De acordo com um relatório da Nielsen, graças a plataformas como Spotify, Apple Music, Pandora e iHeartRadio, os americanos ouviram mais de 32 horas de música por semana, em média, quando em 2016 esse número era de 26,6 horas e em 2015 de 23,5. E a tendência é crescer.
Mas há mais. De acordo com um outro relatório, o renascimento da indústria é liderado pelo hip-hop e pelo r&b, géneros campeões na era do streaming. No primeiro semestre de 2018, os dois combinados valem 31% do mercado, quando o rock cai para os 23%, um número em decréscimo desde que a perdeu a liderança no ano passado.
Em plays e visualizações, “beerbongs & bentleys” e “Stoney”, ambos de Post Malone , “Invasion of Privacy” de Cardi B, “Culture II” dos Migos, “KOD” de J. Cole, “?” de XXXTentacion e “Black Panther: The Album” de Kendrick Lamar estão entre os dez mais ouvidos nos primeiros seis meses de 2018. As exceções entre o novo normal são “÷”, de Ed Sheeran, um dos campeões de vendas de 2017, “Man Of The Woods”, de Justin Timberlake, de genealogia r&b, e a banda sonora de “O Grande Showman”. E as métricas ainda não incluem “Scorpion”, o novo recordista absoluto com mil milhões de streams só na primeira semana disponível para escuta. Um número pulverizador de “beerbongs & bentleys”, de Post Malone, que em finais de abril fora o mais ouvido de sempre com 428 milhões.
Nada comparado com as 732 mil unidades físicas de “Scorpion” vendidas na primeira semana disponível em lojas – mas não se pode dizer que o streaming não esteja a contribuir para as vendas. Depois de anos consecutivos em quebra, o Record Store Day deste ano bateu o recorde de LPs vendidos (733 mil) e o mercado de vinil cresceu 19% em relação ao período homólogo de 2017 e, ainda que se tratem de um formato minoritário (pouco mais de 1% do mercado), mostram que há alternativas ao digital. Aliás, o mercado da cassete também está a ressurgir em nichos localizados. Pelo contrário, a morte do CD é um dado quase adquirido e cada vez mais serve de mero instrumento promocional.
Um dos efeitos do streaming é o da normalização de tendências a nível global. E em Portugal, entre os mais ouvidos no verão, estão 9 Miller, Piruka, 6ix9ine, Wet Bed Gang, Drake, Bispo,Post Malone, Travis Scott, Profjam, Jimmy P, Mota JR, Lil Pump, Juice Wrld, Lil Skies, Young Thug, Lil Uzi Vert, Cardi B, Juice World, Denzel Curry, Childish Gambino, Brockhampton e Tyga.
Na estrada, os contrastes são maiores. Enquanto a digressão do casal Beyoncé e Jay-Z é uma das mais lucrativas do ano com estádios lotados por onde passou; as de Kendrick Lamar, a solo, e de Drake com os Migos são um êxito; e bandas como os Pearl Jam continuam a mover multidões, em sala ou festival, a NickiHndrxx, que juntaria Nicki Minaj e Future, foi adiada. E embora a rapper jure que o motivo foi a promoção do novo álbum “Queen”, a verdade pode ser outra já que uma fonte revelou à Page Six que o motivo está nos fracos resultados de bilheteira, com vendas na ordem dos poucos milhares de bilhetes para arenas, em média, com capacidade para vinte mil pessoas.