Se o presidente iraniano e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros não tivessem vivido no Ocidente teria havia havido um acordo sobre a desnuclearização, prontamente cumprido e conduzindo ao levantamento das sanções internacionais ao país? Provavelmente não.
Hassan Rouhani, o Presidente, estudou na Universidade de Glasgow nos anos 90 e lá se doutorou com a tese “A flexibilidade da Sharia (Lei Islâmica) com referência à experiência no Irão”. Basta ler as primeiras frases da sua introdução para perceber que é um moderado. “Esta tese verifica que não há leis imutáveis no Islão. A imutabilidade é aplicável apenas à fé, aos valores e aos objetivos finais da Sharia”.
Perante vários candidatos, escolheu Javad Zarif para seu ministro dos Negócios Estrangeiros. Zarif que estudou nos EUA desde os 17 anos e que mal acabou a faculdade ficou a trabalhar na delegação iraniana nas Nações Unidas, com sede em Nova Iorque. Acabou como chefe da delegação, tendo estado no país até 2007. Com interregnos no Irão, teve um banho de quase 30 anos de “ocidentalização”.
Javad Zarif foi um dos homens chave do acordo e quem negociou com o vice-presidente norte americano John Kerry o entendimento para o nuclear e a surpreendente troca de prisioneiros entre os dois países anunciada no domingo. A edição online do “New York Times” de hoje descreve com relativo pormenor as negociações que levaram à troca de prisioneiros. “Quando Kerry se encontrou com o Zarif a 29 de outubro, à margem das conversações sobre a Síria, os dois lados pareciam próximos. O golpe chegou algumas semanas mais tarde, quando a equipe do Sr. McGurk [o negociador no terreno] se reuniu novamente com os iranianos, deixando alguns americanos a temer que todo o esforço tivesse sido em vão. Kerry puxou Zarif para o lado durante outra sessão relacionada com a Síria, em dezembro, e os dois conseguiram voltar a entender-se”.
Logo no início das conversações, a imagem dos dois homens a falarem descontraidamente depois das reuniões foi uma surpresa. Com o tempo tornou-se banal. A relação entre os dois é tão boa que ainda no domingo – quando surgiu um problema com a saída do Irão dos familiares de um dos prisioneiros – John Kerry telefonou para o ministro e disse apenas: “Javad, olhe, isto faz parte do acordo”. E o diferendo dissolveu-se.
Apesar do ar conservador de Rouhani, que aparece vestido de forma tradicional, o seu objetivo é abrir o país ao mundo. Mas, antes de mais, pretende que o fim das sanções conduza a uma melhoria das condições de vida dos quase 80 milhões de iranianos.
“Agora que as sanções foram levantadas, é tempo de construir o país” afirmou no domingo. Rouhani joga nessa melhoria de vida uma boa parte do seu capital político (aliás, a promessa de uma vida melhor foi uma das razões da vitória sobre o seu antecessor, da linha dura, Mahmoud Ahmadinejad) e o sucesso de uma recandidatura nas presidenciais de 2017.
As previsões são de que tudo acontecerá gradualmente: o petróleo – um ponto forte do país – está em mínimos da década. Por outro lado, e apesar de haver grande interesse internacional e um mercado interno sedento de bens de consumo, as empresas serão prudentes nos investimentos.
O fim das sanções não transformou o Irão num país cor-de-rosa. O líder máximo do poder político e religioso, Ali Khamenei, tem grandes dúvidas sobre esta abertura. Teerão é já uma cidade ocidentalizada, mas grande parte do país mantém fortes as raízes conservadoras. E as negociações foram contrabalançadas pela “repressão sobre a liberdade de expressão, com a prisão de artistas, como o premiado cineasta Keywan Karimi”, relata a AP. Ainda ontem esta Agência noticiava a fuga de dois poetas, um homem e uma mulher, condenados a a 99 chicotadas por terem apertado a mão a um elemento do sexo oposto. A fiscalização é tão apertada que, recentemente, uma portuguesa abraçou um homem no átrio de um hotel. “O rececionista veio imediatamente perguntar-me o número do meu quarto”, contou ao i.