É dos mais controversos diplomas chineses dos últimos anos. Foi votado no domingo pelo Congresso Nacional do Povo e além de aumentar os poderes inquisitórios e de repressão das autoridades sobre os cidadãos, cria uma nova agência de luta contra o terrorismo.
O novo quadro legislativo começou a ser desenhado em 2011 e logo desde o início foi criticado por organizações internacionais de defesa dos direitos humanos. E também pelos EUA. Barack Obama falou no assunto ao Presidente chinês, Xi Jinping, e membros da administração norte-americana também pressionaram os seus homólogos quanto aos termos do projeto.
Os receios são múltiplos. Por um lado temem-se os abusos sobre a população permitidos por uma lei que dá especiais poderes às autoridades num país sem controlo judicial ou político. Por outro, há preocupação quanto os efeitos económicos de uma legislação que obriga os gigantes informáticos ocidentais a cooperarem com as autoridades chinesas, dando-lhes livre acesso a importantes dados confidenciais.
A Xinhua, a agência de notícias estatal, explica que além da agência antiterrorista, será constituído um serviço de informações nacional especialmente dedicado ao terrorismo e instituído um corpo policial específico.
Também os operadores de telecomunicações e serviços de internet devem fornecer “assistência tecnológica e cooperar com os departamentos de segurança na prevenção e investigação de atividades terroristas”. Ainda no capítulo das liberdades dos cidadãos, podem ser limitadas ou proibidas as deslocações e direito de reunião dos suspeitos de terrorismo.
Facilita abusos
Finalmente, é “proibida a divulgação de relatos ou imagens de atividades terroristas” e, segundo a BBC, “à exceção de meios de comunicação pré-autorizados, não é permitido noticiar ataques terroristas nem relatar o modo como a eles responderam as autoridades”. Estas restrições aplicam-se a meios online e offline.
“Acreditamos firmemente que as disposições vagas e genéricas deste projeto de lei irão fazer mais mal do que bem no combate ao terrorismo” disse Gabrielle Price, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, dias antes de o diploma ter sido aprovado. A representante do ministério dos Negócios Estrangeiros dos EUA refere-se às acusações generalizadas no mundo ocidental de que o diploma tem uma definição demasiado lata de terrorismo, o que permite aumentar os poderes de repressão do Partido Comunista da China sobre os críticos do regime ou minorias étnicas – que nos últimos tempos, após um período de acalmia, voltaram a recrudescer.
Também a organização de defesa de direitos humanos Human Rights Watch, ainda em relação ao projeto, considerou este “apenas iria legitimar as contínuas violações dos direitos humanos e facilitar futuros abusos, especialmente num meio onde não existem proteções legais básicas para os suspeitos de crimes e um histórico de graves abusos dos direitos humanos cometidos em nome do combate ao terrorismo”.
A China defende-se, respondendo que a nova legislação é semelhante à dos países ocidentais e a Xinhua avança até com uma peça onde académicos sírios, malaios, russos, bielorrussos e quenianos defendem este novo regime legal. Noutra peça da mesma agência, os EUA são assim despachados: “É um facto conhecido que atirar lama à China em todas as oportunidades é um dos desportos favoritos de algumas pessoas nos Estados Unidos”.
O outro ponto que tem preocupado a América é a questão comercial. A lei obriga as empresas estrangeiras de telecomunicações e informática a permitirem o acesso aos seus dados e software. Gordon Chang, especialista em economia chinesa da revista Forbes, crê que isto permitirá a Pequim “forçar as empresas estrangeiras a fornecer informações comerciais que quase de certeza irão ser dadas aos seus concorrentes chineses”. O outro argumento é que a China terá portas abertas para espiar – tradicional e economicamente – estas empresas.
O regime já negou esta interpretação, mas não convence Chang: “A lei, apesar do que dizem, dá a China o poder de fazer tudo isto e é óbvio que os responsáveis do país a vão aproveitar em toda a sua extensão”.
Pequim, como esperado, insiste nos riscos do terrorismo. “Os ataques terroristas causaram pesadas perdas de vidas humanas e bens” disse An Weixing, um responsável do governo, “e ameaçam a estabilidade, desenvolvimento económico e a unidade étnica do país”.
Aqui está fundamentalmente em causa a instabilidade em Xinjiang, onde vive o povo uigur, a província mais afetada por atos de terrorismo e violência política. A última vítima desta luta foi a jornalista francesa Ursula Gauthier.