Tribunais. Há juízes a trabalhar em casa e processos a andarem em malas de viagem

Tribunais. Há juízes a trabalhar em casa e processos a andarem em malas de viagem


Aumentos por produtividade, como propõe o governo, não são praticáveis porque juízes já trabalham no limite, garante presidente do sindicato ao jornal i.


No Tribunal da Relação de Lisboa há quase duas dezenas de juízes desembargadores a trabalhar em casa porque não têm salas no edifício. Como eles, os dossiês andam para lá e para cá, com todos os riscos que isso acarreta, até de segurança. 

“A juíza desembargadora que está com esse processo está em casa, não tem cá gabinete”. O processo em causa é o do Banco Finantia, que subiu à Relação depois de a sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, onde foi julgado em primeira instância, não ter agradado às partes.

A resposta sobre a localização do processo é dada com naturalidade ao jornal i para explicar por que motivo não pode ainda ser dada sequência ao pedido enviado pela juíza do tribunal de Santarém, sobre o qual, na melhor das hipóteses, haverá resposta uma terça-feira, dia em que a juíza desembargadora, que mora no Algarve, vai a despacho ao tribunal.

Se é comum? “Os desembargadores são 17 e há apenas dois ou três com gabinete, o tribunal não tem salas para todos”, responde, solícito, o nosso interlocutor. Afinal, a juíza que está com o processo do Banco Finantia no Tribunal da Relação de Lisboa faz o que pode e é uma no meio de tantos.

A presidente Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Maria José Costeira, disse ao i que esta “´é uma situação normal”. E, ao que parece, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa nem são os que se encontram em pior situação.

“Os edifícios dos Tribunais da Relação não têm espaço físico para ter gabinetes para todos os juízes desembargadores. No caso da Relação de Lisboa foi disponibilizado um outro edifício só com gabinetes, que são partilhados por dois ou mais desembargadores. Nas outras Relações a situação é mais dramática, sendo os poucos gabinetes que existem partilhados por cinco e seis desembargadores. Por essa razão, grande parte dos desembargadores prefere trabalhar em casa”, explica Maria José Costeiro.

O facto de não trabalhar no tribunal ou em qualquer gabinete anexo mas sim em casa acarreta várias questões, nomeadamente a da segurança. No caso do processo que o i procurou consultar, a desembargadora mora e, por isso, trabalha no Algarve. O processo viaja em papel. Mas este é apenas um caso e, sabemos, nem todos os dossiês têm a mesma dimensão.

Nesta matéria, a resposta da ASJP foi peremptória: “Há riscos de segurança, ao que acresce que os desembargadores têm de transportar os processos, dado o seu volume, em malas de viagem”.

Até hoje, contudo, e que seja do conhecimento de Maria José Costeira, não houve qualquer problema, não há registo de uma má memória para contar.

Para o sindicato, esta questão só poderia resolver-se de uma maneira, ou seja, não havendo espaço físico nos próprios tribunais, “disponibilizando junto dos mesmos outro espaço para instalar gabinetes”.

Faltam juízes Nuns casos faltam salas, noutros faltam juízes. É assim que o Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal continua a explicar ainda não ter tomado, dois anos depois, uma decisão relativa ao processo Miguel Relvas/Universidade Lusófona.

“Tal circunstância encontra-se devidamente justificada, atendendo ao reduzido número de juízes e ao elevado número de pendências que se verificam naquele tribunal e bem assim, o facto do referido processo não ter natureza prioritária nem urgente”. Foi esta a resposta dada ao jornal i.

A ASJP considera a falta de juízes na jurisdição administrativa “dramática” e diz que fez “inúmeras chamadas de atenção ao anterior governo”.

Admite que as decisões são morosas e avança que “esta situação resolve-se com o aumento do quadro nos tribunais administrativos e fiscais, por um lado, e com a eventual reapreciação do regime de recursos admissíveis para o STA. Na verdade, alterações legislativas efectuadas há algum tempo fizeram aumentar o numero de processos passíveis de recurso para o STA sem que fosse acautelado o número de juízes suficiente para esse incremento de recursos”, lembra Maria José Costeiro.

A presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses  escusou-se ainda a comentar o programa do governo para a área da justiça, justificando que ainda não teve oportunidade “de o discutir pessoalmente com a senhora ministra da Justiça”.

No entanto, ao responder a uma pergunta sobre a classe dos magistrados, aquela cujo rendimento mensal mais subiu (de 4332 euros em Outubro de 2011 para 5238 euros em Abril de 2015), de acordo com a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, que passou a publicar dados relativos às remunerações de 15 grupos profissionais, acabaria por dizer que os aumentos por produtividade sugeridos pelo PS são impraticáveis.

“Os juízes não são uma classe protegida nem tiveram qualquer aumento nos últimos anos, como sucedeu com os demais servidores públicos. Mais, os juízes foram na verdade os únicos que sofreram um corte definitivo no complemento (único) que recebem. O facto de ter aumentado a massa salarial não significa que os juízes tenham sido aumentados, significa tão só que houve um acréscimo de tribunais onde se aufere por um escalão superior”, diz Costeiro.

E vai mais longe: “Os juízes não trabalham em função do seu vencimento nem passariam a trabalhar mais se houvesse qualquer tipo de compensação pelo aumento de produtividade. E isto pelo simples facto de que os juízes trabalham muito mais do que lhes é exigível e, mesmo que quisessem, não teriam possibilidade de trabalhar mais do que já fazem”.