Talentos. Gente miúda que inspira com pequenas grandes coisas

Talentos. Gente miúda que inspira com pequenas grandes coisas


São miúdos à moda antiga – não que sejam old fashion, conhecem de cor ferramentas modernas como o YouTube ou o Snapchat –, mas o tempo chega-lhes para brincar de corpo e alma


Sempre se sentiu desafiado pela magia e no sexto ano começou a fazer espectáculos de ilusionismo nos Salesianos, em festas de aniversário e até a convite do presidente da Câmara de Anadia, onde vive (Mogofores). Francisco Power tem agora 16 anos, está no curso de Ciências e Tecnologias, com uma média de 19 valores, e continua a fazer truques. Mas nunca tinha pensado ganhar um prémio por causa disso.

É o mais velho de seis e a pequena Sara, de apenas três anos, tem uma magia favorita: “Está sempre a pedir--me que faça aparecer a chupeta.” E, claro, invariavelmente acredita que lá em casa vive o grande Houdini. Não é a única. Foi por o achar especial que a mãe decidiu propor a Francisco que se candidatasse ao prémio Jovens Inspiradores, promovido pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), e que já vai na quarta edição. Ele, curioso, aceitou o desafio.

Francisco gosta de experimentar. Na candidatura que enviou para a APFN escreveu sobre si e mostrou fotografias suas a construir uma zarabatana, projecto que escolheu, “não tanto por se tratar de uma arma indígena, mas por lhe ter acrescentado luzes, laser” e outros aparatos. Mas o projecto teve algo de muito mais inspirador: é que para o realizar Francisco conseguiu arrancar da cadeira um amigo que passa o dia feito empadão em frente do computador – uma vitória maior.

Quando foi à entrevista pessoal com o júri, Francisco levava mais de uma história para contar e impressionou os jurados. Logo ali, em 18 segundos, resolveu o cubo de Rubik. Mas este miúdo de 16 anos não tem página de Facebook nem telemóvel – o que me dificultou um pouco a vida a mim e à mãe e facilitou e muito aos irmãos, sobretudo ao que tinha a tarefa de aspirar os quartos à hora do meu telefonema, pois a tarefa ficou suspensa para ter a certeza que ouviriam o toque do telemóvel da matriarca, o que, graças ao meu atraso, acabou por acontecer apenas no dia seguinte.

Mas esta regra não incomoda Francisco. Ele explica: “Não ter telemóvel nem conta no Facebook começou por ser uma imposição dos meus pais, mas depois percebi que é uma boa decisão. Tenho mais tempo para mim, para fazer outras coisas, não perco tempo com coisas desnecessárias e os meus amigos estão sempre a perguntar-me como é que consigo fazer tantas coisas. Administro muito melhor o meu tempo e também partilho o que quero noutra plataformas para vídeos, que vou gerindo.”

De facto, o Francisco tem tempo para estudar e para as “brincadeiras” próprias da sua idade, além de se divertir com aquilo de que mais gosta: os desafios da ciência. Aproveita tudo o que se estraga – nada se perde, tudo se transforma – e constrói brinquedos novos a partir daquilo que está velho. No quarto, que partilha com dois irmãos, tem tudo organizado por caixotes, “coisas às vezes estranhas”, que pela mãe e pelo pai são conhecidos por “lixo”, mas onde já todos aprenderam a não mexer. 

E perde-se a conta àquilo que já criou, como uma espada e um guindaste hidráulico com um electroíman, mas lá em casa também lhe pedem que repare coisas. “Outro dia tive de arranjar a televisão, foi preciso desaparafusar, tirar, soldar…” E apresenta a conta? “Só na brincadeira…”
 A investigação, seja na engenharia mecânica, seja na electrónica ou espacial, é a área que pensa seguir. E acredita que este prémio pode ajudar a valorizar o seu trabalho, e se não já é bom porque é inspirador, “quanto mais não seja no sentido em que pode inspirar outras pessoas e só isso já é uma mais--valia”.

Menção honrosa O Francisco destacou-se na categoria dos 14 aos 17 anos, mas para esta faixa etária houve também uma menção honrosa, atribuída a um rapaz da mesma idade, de Cinfães.

Pedro Vieira nem esperou ser contactado nem sabia que ia ser contactado. Antes disso chegava à redacção um email seu, com o seu percurso, o seu perfil, os seus filmes, as suas vontades. Nem queria acreditar quando lhe falámos e é cheio de certezas, como compete a qualquer rapaz de 16 anos.

Foi a sua directora de turma que lhe falou no concurso e as áreas em que se distingue são a realização e a fotografia. No futuro quer ir estudar para o Instituto Politécnico do Porto e ser repórter de imagem.

Para a idade, Pedro tem já um vasto currículo: dois filmes, “O Rapto”, as peripécias de uma rapariga que é raptada, e que pode ser visto no YouTube, e “Raisteparta”, que estreia no dia 12 de Dezembro no Auditório Municipal de Cinfães, a história de um rapaz que é procurado, mas é a pessoa errada. São ambos comédias e pretendem antes de mais dar a conhecer o concelho.

É o Pedro que faz tudo nos seus filmes, do guião aos figurinos, passando pelo som, pelo vídeo e pela montagem. De fora fica a representação. Tem tanta sorte que já contou com a ajuda de Herman José e de Marco Horácio.

Pedro alia o gosto pela realização ao gosto por Cinfães, que dificilmente trocaria por qualquer outra cidade. “Neste segundo filme utilizo imagens de drone, cedidas por um grande amigo, que não são de Cinfães, mas o resto do filme é 100% feito em Cinfães. Além disso estou a planear fazer uma entrevista filmada, provavelmente mensal, a pessoas conhecidas no mundo de um clube de futebol dos três grandes de Portugal, ligadas de qualquer maneira a esse clube.”

O objectivo é mostrar as paisagens e a beleza de uma região “incrível e única” para visitar, diz Pedro. Que até me recomenda um local para pernoitar, “a Estalagem Porto Antigo”. Comer, come--se bem em qualquer sítio, garante.

Voluntariado Outra menção honrosa foi para Dulce Archer Frazão, na categoria dos 18 aos 23 anos. Distinguiu-se pelo voluntariado. Conta que tinha acabado o 12.o ano e, apesar de ter média para entrar na faculdade, estava indecisa sobre que curso escolher.

“Eu sempre tinha querido conhecer a América do Sul e África. Na altura estava no Darca, um clube da Opus Dei, e algumas pessoas tinham contactos de centros da Opus Dei no Peru, para onde acabei por ir entre Setembro e Dezembro, e nos Camarões, onde estive entre Janeiro e Junho, a fazer voluntariado.”
Pelo meio, Dulce veio a Portugal no Natal. Nos dois países o trabalho foi semelhante, e esteve envolvida em associações ligadas à promoção da mulher, onde recebeu e deu formação a mulheres que vivem em aldeias onde a agricultura é a actividade principal, e onde se ensinam tarefas básicas e “noções muito práticas de gestão”.

A experiência valeu a Dulce um prémio, mas o prémio maior foi ter contribuído definitivamente para a sua escolha profissional. “Fui à descoberta e o caminho que segui ajudou-me. Só decidi assim porque fui lá, não tenho dúvidas. Estou a estudar Ciências da Comunicação na Nova.”

Mais vencedores Dulce ganhou a menção honrosa, Tiago Franco o primeiro lugar. É das Caldas da Rainha, autopropôs-se e diz que se candidatou essencialmente porque achava que conseguia gerir o seu tempo e deixava a sua marca quando trabalhava em equipa. “Uma equipa para crescer precisa de coesão, e eu conseguia fazer isso, envolvia as pessoas”, explica.

Tal como Pedro Vieira, Tiago Franco não vem de uma família numerosa, tem apenas uma irmã mais velha. Como se consegue envolver os outros, tornar uma equipa coesa? “Acho que falta muito a consciência de que nos devemos pôr no papel do outro para perceber como devemos contribuir para o seu desenvolvimento”. Afinal até parece fácil.
Quando falámos, Tiago estava no Museu da Electricidade, em Lisboa, num curso de Liderança. Como Dulce Archer Frazão, também está na Universidade Nova, mas em Economia, em que entrou com uma média de 18,4 valores. Procura o êxito sem esquecer a comunidade em que se insere, bem ao espírito de Baden Powell, ou não fosse ele escuteiro. Além disso dá explicações de Matemática e aulas de guitarra, mas é perito em gestão de tempo, uma matéria na qual todos estes miúdos são barras.

O mais novo Bruno Morais, com apenas 11 anos, é o mais novo dos jovens inspiradores e o vencedor na categoria dos dez aos 13 anos.
Bruno pode ser considerado um “músico quase completo”, pois toca trompete e piano e canta, talentos que desenvolve no Conservatório, na orquestra de CCD em Oeiras e no Coro de Santo Amaro de Oeiras, de que fez parte ao longo de mais de cinco anos.

Neste se percurso já fez inúmeros recitais, concertos e espectáculos, alguns internacionais. Desde o 1.o ano que está no quadro de honra da sua escola, que, por coincidência, tem o seu nome.

O Bruno conquistou os jurados desde o primeiro momento, quando disse que “a música salva as pessoas” e mostrou como a música é a sua paixão, um amor que já vem de família. Além de mostrar como, apesar da idade, é possível alguém dedicar-se à música de corpo e alma, cheio de profissionalismo.

Estes concorrentes são de tal forma inspiradores para os outros que foram aconselhados a ficar de fora em 2016 para dar hipótese a outros candidatos de mostrarem o seu valor no ano que vem.

Perguntas e respostas

“Não é preciso fazer muito para ser um jovem inspirador”

Como surgiu esta ideia?

A ideia surge depois de detectarmos que entre as famílias nossas associadas havia jovens que se destacavam por serem bons alunos, mas também havia os que se distinguiam em áreas diversas, como a música, o voluntariado, a dança, o teatro, as artes, a matemática ou a física, por exemplo. E há quatro anos decidimos fazer um concurso para mostrar que não é preciso fazer muito para ser um jovem inspirador. 

E quais são as regras para participar?

Em primeiro lugar, não tem de ser nosso associado, não precisa de pertencer a uma família numerosa. Tem de ter entre dez e 23 anos e pode autopropor-se ou ser proposto por terceiros, o pai, a mãe, os avós ou até amigos. A inscrição, com autorização do encarregado de educação no caso dos menores, é feita através do nosso site. Basta enviar por email um texto com 250 caracteres a explicar porque são inspiradores e algumas fotos a ilustrar. As candidaturas são submetidas a um grupo de jurados, por categorias, e os finalistas são convocados pelo júri para uma entrevista pessoal. Os custos de deslocação são pagos por nós.

E os prémios?

Os prémios podem variar de acordo com o nosso parceiro. Este ano tivemos a Ticket, que ofereceu notebooks HP e portáteis Acer. Mas procuramos envolver também as autarquias, que já querem participar e ajudar na divulgação, através de jornais locais e até do pagamento de algumas despesas.

Mafalda Teixeira 
Responsável pelo projecto Jovens Inspiradores
Associação Portuguesa de Famílias Numerosas