“Quando vendi o ‘Correio da Manhã’, os bancos caíram em cima de mim como moscas”

“Quando vendi o ‘Correio da Manhã’, os bancos caíram em cima de mim como moscas”


A segunda parte de uma entrevista, onde Carlos Barbosa fala sem paninhos quentes e meias-palavras 


Disse que os exames são permissivos e que as pessoas não vão para as escolas para aprender a guiar. Esta semana, a PJ desmontou um esquema de compra ilegal de cartas de condução que implica examinadores, incluindo do ACP.

Há oito examinadores implicados, e se ficar provado que são culpados, vão ser limpos do ACP. Não aceito gente desta numa instituição como a nossa. Há males que vêm por bem.

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Voltando um pouco atrás, o ACP tem muitos processos em tribunal?

Não. Tem um contra o governo Sócrates, por causa das PPP, uma participação criminal no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal, contra Mário Lino, Paulo Campos e António Mendonça, por gestão danosa nas negociações dos contratos das Scut – Interior Norte, Beira Alta e Litoral, Grande Porto, Litoral Centro e Grande Lisboa], com a investigação a decorrer. Tem outro contra os caluniadores da campanha para as eleições do ACP, que decorreram em Abril e que a minha lista ganhou, e um terceiro por causa do roubo da nossa base de dados, durante as eleições, apresentado quer na Comissão Nacional de Protecção de Dados, quer na Polícia Judiciária.

Falando em processos, o Sporting já não está como o país?

Está igual, altos e baixos, e eu gostava que andasse mais em linha recta. Um clube de futebol tem de ser um conjunto harmonioso. Se a bola entra, está tudo bem; no dia em que a bola não entra – porque foi feita mal a substituição, porque o árbitro é mau, porque o treinador escolheu mal –, é o descalabro. É uma pescadinha de rabo na boca. Hoje, os clubes são grandes empresas. Vejo o Benfica bem montado, os outros ainda estão a caminho. E depois é uma precipitação muito grande em termos de facturar. E, sobretudo, de facturar sobre o futuro. As receitas futuras estão já muito condicionadas hoje. Há receitas dos patrocinadores daqui a três anos que já foram. Porque foi preciso comprar um jogador, pagar a relva… Já estão alocadas, e quando a verba chegar vai directamente para o banco. O mundo do futebol como é não faz parte da minha maneira de estar na vida e gerir o Sporting desta maneira não me entusiasma.

É assumidamente de direita, mas a sua vida tem-se cruzado com muita gente de esquerda, desde cedo…

Sim. Ferro Rodrigues, de quem gosto imenso, foi meu colega de carteira no Liceu Francês. Ainda agora lhe mandei os parabéns por ter sido eleito presidente da Assembleia da República e brinquei com ele, pedi-lhe para tentar pôr algum juízo na cabeça do Costa.

E ele respondeu-lhe?

Claro, brincou também e disse: caro Carlos, sabes que sempre concordámos em discordar. Mas a verdade é que já concordámos, profissionalmente. Ele era ministro da Segurança Social e eu era presidente da Associação da Imprensa Diária. Os jornais diários descontavam 4% da publicidade para a Caixa dos Jornalistas, mas as rádios, os semanários, as televisões não descontavam, apesar de todos beneficiarem da Caixa dos Jornalistas. A determinada altura mandei parar os pagamentos. Fui ter com o Ferro Rodrigues e disse-lhe: tens de perceber que não é possível serem só os jornais diários a alimentar a caixa onde vão todos os jornalistas. Ele concordou e a partir daí passou toda a gente a descontar. Acertámos o valor da dívida e ficou o assunto resolvido.

E trabalhou num jornal que era do PS, “A Luta”. Como aconteceu?

Sim, era o único não socialista. Trabalhei muitos anos no “Diário de Lisboa”, na secretaria, ainda antes do offset. Comecei a minha vida profissional aos 18 anos, graças ao António Pedro Rola Ramos, que além de meu primo era uma pessoa que eu adorava, era como se fosse meu irmão. No “Diário de Lisboa” já era visto como o fascista, porque o jornal estava tomado de assalto pelo PC. Sai “A Luta”, e o Vítor Direito e o António Costa – não este, mas o que era director comercial do “Diário de Lisboa” – convidam-me para ir para lá. Tenho uma conversa com o Gustavo Seromenho e digo-lhe que não sou socialista. Ele responde que não há problema, sou comercial e é o que lhes interessa. Fiquei. Dali saí com o Vítor Direito para fazer o “Correio da Manhã”.

Que não correu bem logo de início…

Não correu bem por causa da distribuição, que era feita pelo “Diário de Lisboa”. Metade dos rolos ficavam nos campos do Alentejo. Assim que fizemos a Vasp, com o “Expresso” – e mais tarde juntaram-se outras publicações –, começou a correr bem.

Voltava a investir em jornais?

Não, voltava a investir em rádio. É a única coisa na comunicação social que me deixou saudades. Não sei se porque o “Correio da Manhã”, hoje, não tem nada a ver comigo, com o que Vítor Direito fez – ele deve estar às voltas na tumba a ver o jornal que existe hoje, que não tem nada a ver com nada, é uma coisa sem descrição. A rádio, não. Lançámos a primeira rádio pirata em Portugal, passámos por aventuras extraordinárias, como esconder transmissores no meio dos ares condicionados das Amoreiras. Um dia à noite, às escondidas, fomos pôr um retransmissor numa antena da RDP, em Monsanto, coisas que não passariam pela cabeça de ninguém. O Correio da Manhã Rádio, com a equipa liderada por Rui Pêgo, foi sempre um projecto excepcional e que mudou as rádios em Portugal.

O grupo Cofina foi proibido de publicar informação sobre o caso Sócrates. Como vê a decisão?

Regra de ouro: não se pode proibir. Mas o que se faz quando se ultrapassa tudo e os juízes não são capazes, porque não têm um sistema judiciário organizado, de ser rápidos numa decisão? Porque é evidente que se o “Correio da Manhã” fosse castigado por publicar uma notícia falsa sobre Sócrates, sobre Carlos Barbosa, sobre fosse quem fosse, com uma coima de dez ou 15 milhões de euros, não voltaria a publicar outra. Portanto, tenho um duplo sentimento.

Sporting, carros, media. O que prefere?

A minha paixão sempre foram os carros e os relógios. Tinha uma colecção de relógios, todos de pulso, construída ao longo de 42 anos, mas a minha casa foi assaltada há quatro anos e fiquei sem nada. Só roubaram os relógios. Hoje não se roubam quadros, a Interpol tem um sistema de controlo de obras de arte muito aperfeiçoado. Identifiquei os 600 relógios através dos compradores e das marcas, que têm os registos das pessoas a quem vendem. Alguns deles vão aparecer, são relógios complicados, vão acabar por ter de ir às fábricas, por isso tenho esperança de recuperar um ou outro dentro de três ou quatro anos. Os Rolex e Patek [Philippe], mais normais, esses nunca mais vão aparecer.

Lembra-se do seu primeiro relógio?

O primeiro relógio foi o meu pai que me deu, quando entrei para o Colégio Militar. Esse ainda o tenho, não foi no roubo porque estava noutro lado e era rasca, um Cauny.

Recomeçou a colecção?

Recomecei, agora mais um de cada marca e que possa utilizar todos os dias. Porque antigamente havia os que eu gostava, usava – todos os dias uso um relógio diferente –, e os de colecção, os tais que acho que vão aparecer um dia. Mas não dou pormenores, senão tornam a assaltar-me a casa. Aquilo foi uma coisa cirúrgica, porque tenho a casa blindada, alarmes, câmaras, tudo. Uns homens numa carrinha falsificada de TV Cabo entraram, carregaram e foram embora. Estão referenciados, mas não têm cadastro.
A polícia disse-me que são romenos, porque as portas de alta segurança usadas em Portugal são todas feitas na Roménia e parece que alguns romenos se dedicam depois, pela Europa fora, a assaltar as casas com essas portas.

As colecções são uma mania?

Fui sempre um coleccionador de tudo. A minha casa é uma casa de bugigangas, desde fitas métricas até esferográficas, lápis, carrinhos antigos em miniatura, às vezes só por graça. Estive este fim-de-semana em Genebra, sabia que havia uma feira e comprei umas facas giríssimas. Não vão servir para nada, nem sequer são em número suficiente para convidar um grupo de amigos. Mas eram bonitas e as sete custavam três francos. Tenho tralha que nunca mais acaba, quando mudei de casa fartei-me de deitar coisas fora. Odeio deitar coisas fora.

E os carros, como e quando começou essa paixão?

O meu primeiro carro foi um Honda 360, matrícula ED-50-08, nunca me hei-de esquecer. Foi-me vendido pelo Rui Seruya, na altura o dono da Santomar, e que era pai de um grande amigo meu, o Carlos Seruya, hoje à frente do grupo C. Santos. Depois tive uma série de 4L, fiz a tropa toda com 4L: nas Caldas da Rainha, em Tavira, onde fiquei a dar instrução, e em Lisboa, quando vim para Sapadores 5. Era um carro que eu adorava, fiz milhares de quilómetros. Quando comecei a ter dinheiro, quando tive o “Correio da Manhã”, passei a ter outro tipo de carros. Tive muitos Volvo, porque na altura as marcas de automóveis pagavam a publicidade com os carros. Como hoje ando com um Mercedes óptimo porque o ACP faz condições de frota e custa o preço de um Mercedes pequenino. Quando dizem “lá vai ele num mercedão”, esquecem-se disso. Na altura, nos jornais, era igual. E acontecia o mesmo com as companhias de aviação, andei várias vezes no Concorde porque a Air France fazia publicidade no “Correio da Manhã” e pagava em bilhetes.

Ninguém falava em falta de ética, promiscuidade?

Não, não havia falta de ética nenhuma. Fiz o Código da Publicidade na altura, com o Beja Santos e o João David Nunes. Fomos dos primeiros países no mundo a ter publicidade comparativa, só os intelectuais acham que há promiscuidade. O jornalismo, no que diz respeito a regras, não evoluiu nada em Portugal. O mesmo com os direitos de autor.

Hoje, que carros tem?

O Mercedes é do ACP e está em fim de contrato, vai ser trocado por um Audi. Eu tenho dois Jaguar, um de competição e um de passeio, ambos clássicos, um Porsche, um Smart e um Ferrari Scaglietti de 2004.

Quando vendeu o “Correio da Manhã”, em que investiu? Em que acredita que se deve investir?

Quem tem dinheiro deve investir sobretudo em activos imobiliários. Eu não percebo nada de bolsa, nunca percebi, nunca joguei, e quando se tem filhos, família, à medida que se vai conseguindo juntar alguma coisa, deve ter-se coisas palpáveis: casas, terra. Para lhe dar um exemplo, nunca tive um tostão no Banco Espírito Santo. E quando vendi o “Correio da Manhã” fiquei com muito dinheiro, e tinha os bancos que pareciam moscas em cima de mim. Investi em património imobiliário e gozei a vida, que para mim também é muito importante, e dei a cada um dos meus filhos o que tinha a dar. Hoje tenho os meus filhos mais velhos formados, os dois com casa. Ao que tem agora 13 anos quero dar o mesmo que dei aos outros. Há gente que ganha milhões em acções, gente que perde milhões em acções, isso a mim nunca me disse nada.

Qual é a grande diferença que nota entre os seus dois filhos mais velhos e o mais novo?

A Marta tem 41 e o Duarte tem 13, são quase 30 anos de diferença. A grande diferença que vejo é que quando a Marta e o Miguel tinham a idade do Duarte, eu estava na explosão de construir a minha vida, apesar de ter sido sempre, e orgulho-me, um pai muito presente, antes e agora. Falo duas vezes por dia com todos. Tento dar ao Duarte exactamente a mesma educação que dei aos mais velhos. Agora que estou mais velho, dou-lhe mais mimo. O Miguel brincava com carrinhos Dinky Toys, o Duarte brinca com iPads. A Marta brincava com bonecas, o Duarte brinca com computadores. Tem uma capacidade que me irrita de, quando não percebo uma coisa, dizer “ó pai, chega-te para lá” e fazer tudo com um ar desinteressado, como quem diz “grande nabo”. Tem um plafond de internet por mês, que utiliza até ao último cêntimo, e é fanático por futebol.

Sporting?

Vou contar-lhe uma coisa engraçada. Este ano perguntou-me se podíamos ser sócios do Tondela. “Do Tondela?!” “Porque têm poucos sócios e poderíamos ajudá-los.” Fizemo-nos os dois sócios do Tondela. Depois, o Ricardo Sá Pinto, que é muito amigo do meu filho Miguel e meu, foi para treinador do Belenenses. Eu já tinha sido sócio do Belenenses para conquistar a minha primeira mulher – a tia dela era a sócia número sete e íamos com uma mantinha ver os jogos, um de cada lado da tia, e dávamos as mãos por trás, há 50 anos. Agora voltei a ser sócio. De maneira que agora sou sócio do Sporting, do Belenenses e do Tondela.

As viagens que faz fá-las a que título?

Faço-as pela FIA [Federação Internacional do Automóvel], que é quem as paga. Tenho de ir aos 14 rallies do campeonato do mundo, porque sou presidente da comissão do campeonato do mundo e no Conselho Mundial do Desporto e no Conselho Mundial para a Mobilidade e Turismo e Segurança Rodoviária.

Para o ACP, quais são as suas prioridades?

O ACP está financeiramente saudável e o que pretendemos é dar cada vez mais serviços aos 300 mil sócios. Estamos a abrir mais oficinas, vamos começar a fazer transporte de doentes, vamos lançar o ACP Pet, um serviço para animais domésticos que vai ter veterinário em casa, transporte de animais, tosquia, levar a passear, guardar um mês, tudo. Estamos a fazer a tabela de preços, mas vai ser imbatível. E, a partir de Janeiro, vamos abrir um centro de inspecção automóvel – sabemos que, em alguns, há uma permissividade total.

De quem é a culpa?

O IMT tem aí uma posição muito importante, que é a inspecção. Mas ainda está a ser arrumado, depois das asneiras que o António Costa fez. Não faz sentido falar em segurança rodoviária quando nos centros de inspecção automóvel passam carros que não estão capazes de andar na estrada, porque o mecânico pede-lhe 280 euros e deixa lá um tanto para o carro passar. Mas o Estado tem mesmo de investir no IMT, até porque estão a acabar as matrículas, vamos ter de recomeçar as iniciais, as letras do lado esquerdo outra vez. E não faz sentido o que se está a passar com as cartas, o ACP também tem praticamente concluído o processo para poder emitir cartas de condução. Já tem o acordo do Ministério da Justiça, do MAI e do IMT. Falta o acordo do IRN. E não queremos as receitas, o dinheiro é para o IMT, só queremos prestar o serviço.

Quais os resultados do ACP?

Este ano espero acabar com meio milhão de lucro, resultados consolidados.