“É perfeitamente possível ficarmos com um analfabetismo residual”

“É perfeitamente possível ficarmos com um analfabetismo residual”


Ter uma taxa de analfabetismo próximo de 0% é a meta a que a Associação Portuguesa de Educação e Formação de Adultos quer chegar até 2020, diz ao i o presidente, Armando Gomes Loureiro.


Como se explica a taxa de analfabetismo de 5,2% em Portugal? 
A elevada taxa de analfabetismo deve-se exactamente a não ter havido nas últimas décadas uma verdadeira política de educação de adultos, ou seja, uma política pública de educação de adultos que não vivesse de intermitências e que não seja sujeita a programas financeiros que entretanto se esgotam. Portanto é necessário erradicar o analfabetismo. E isso será possível. Mas só se o poder político, independentemente da cor, assumir esse desiderato e apostar na alfabetização e em políticas públicas continuadas da educação de adultos. 

E no Alentejo? Como se explica que a taxa seja quase o dobro da nacional?
Haverá vários factores, como a localização geográfica e o distanciamento que as pessoas têm relativamente aos grandes centros e às possibilidades de frequentar acções de educação de adultos. Mas isso é um problema para o qual temos de olhar de frente e que os governos terão de encarar com uma discriminação positiva, permitindo a flexibilização quer do número de adultos por turma quer legislativa, possibilitando que as pessoas acedam à alfabetização, situação essa que, desde 2010, legalmente não é contemplada. Existem as competências básicas mas estas não servem para as pessoas que não sabem ler nem escrever, porque para integrar estas formações precisa-se já de dominar a escrita e a leitura.

E como fica então a educação de adultos?
A educação de adultos é uma questão que neste momento não existe. O que existe é a formação de adultos, uma lógica economicista e utilitária com vista à empregabilidade. As pessoas com mais de 65 anos não têm possibilidade de frequentar a formação. Não há mecanismos nem instrumentos que possam facilitar dinâmicas junto dos movimentos culturais ou associativos, das juntas de freguesias ou das autarquias. Era necessário e totalmente possível – sem envolver grandes verbas – criar uma onda de apoio. Uma onda solidária a favor da alfabetização das pessoas que terão maior dificuldade. Esse maior número de pessoas reside efectivamente nos territórios desfavorecidos. 

Quais são as principais acções da associação para contrariar este analfabetismo? 
Desde que a associação foi criada, em 2011, temos dinamizado um conjunto de diligências junto dos grupos parlamentares no sentido de sensibilizar para a questão da educação de adultos e para a formação de adultos através dos centros para qualificação do ensino profissional, que também precisam de algum ajustamento. Para isso promovemos seminários, encontros de reflexão, e desafiamos, nesses encontros, os participantes a adoptarem políticas activas de educação de adultos, concretamente as câmaras, para que possamos ultrapassar este problema muito grande e que tanto social como economicamente é bastante desfavorável para o país. 

E que meta poderá ainda ser alcançada no campo da alfabetização? 
A associação reconhece que é sonhar alto e sabe que é um esforço muito grande mas entende que é possível, em 2020, praticamente ficarmos com um analfabetismo residual. Será possível chegar quase à taxa 0% e basta um trabalho organizado e integrado, em que as autarquias têm um papel fundamental. 

É também um problema de sensibilização?
É um problema de falta de sensibilidade para as questões sociais que nos passam despercebidas. Há apatia nesta matéria. Urge alterar um pouco esta forma de pensar. A associação engloba sócios que são formadores, professores, entidades formadoras e antigos alunos. Não defendemos parcialmente uma das partes mas sim o todo. Defendemos o direito a aprender e a aprendizagem ao longo da vida.