Volta à França 1904. A grande bandalheira!!!

Volta à França 1904. A grande bandalheira!!!


A segunda edição do Tour transformou-se num caos, pleno de aldrabices de todas as espécies. Foi preciso esperar cinco meses para se saber o nome do vencedor.


Depois do sucesso da primeira edição da Volta a França, em 1903, e sobretudo da popularidade que rodeou a prova, os organizadores ficaram com a certeza que tinham criado algo para durar anos a fio. Tal como aconteceu, de forma que aí temos o Tour nas estradas de França, a ser disputado com o entusiasmo que sempre fez parte da sua história. Sempre?

Talvez seja exagerado ir por aí. Vendo bem, logo na segunda edição, em 1904, a confusão total. “Un bordel!”, como gostam de dizer os franceses. Uma bandalheira!, como dizemos nós, por cá.

O público, esse público tão entusiástico, foi um dos principais responsáveis pelas contínuas tranquibérnias. O homem tem tendência natural para o exagero e para a desobediência. E os espetadores trataram de tomar conta das estradas no verdadeiro sentido da palavra, não se limitando a ver passar os corredores mas misturando-se com eles, procurando auxiliar os seus favoritos e prejudicar aqueles que caíram nas suas más graças. A coisa foi de tal forma grave que o ideólogo e fundador da Volta a França, Henry Desgranges, escreveu um editorial no seu jornal, L’Auto, intitulado: “La fin!” Felizmente não teve razão.

Maurice Garin tinha sido o grande vencedor da prova do ano anterior e levara para casa o nada despiciendo prémio de três mil francos. Passara a ser um homem invejado.

Decidiu-se, por outro lado, que o Tour de 1904 se realizaria preferencialmente a horas tardias, aproveitando a obscuridade para não sujeitar os corredores à violência da canícula de Verão. Revelou-se uma bela ideia para os… aldrabões. Pierre Chevalier, por exemplo, um dos participantes com mais prestígio, usou os momentos de maior escuridão para se pôr à boleia de um carro já preparado para o efeito. Venceu facilmente a parte final da terceira etapa, entre Montgeron e Lyon sem ter dado uma única pedalada. Senão, vá lá, a última.

Afinal não caiu no descaramento de atravessar a meta meio adormecido no lugar do morto. Foi sem grande surpresa que, dois dias mais tarde, e perante as reclamações apresentadas à direção da corrida, se viu excluído da competição. Com um descaramente tão divino como o do velho Alencar, d’Os Maias, tratou de recorrer e entrou numa batalha burocrática que durou meses. Ainda por cima porque se veio a descobrir que, entre os 88 ciclistas que se  apresentaram à partida, muitos outros utilizaram o mesmo subterfúgio. E com tamanha lata que chegaram a utilizar os carros oficiais da Volta!

A maldição de Garin Vencedor do último Tour, Maurice Garin era um homem a abater. Seria atacado por um bando de pulhas quando comandava a prova com 45 minutos de avanço. Saltando do meio das árvores, gritando “On aura ta peau, Garin de malheur !”, atiraram-se ao desgraçado. Acabou agredido com uma pedrada na cara.

Os jornais davam conta, diariamente, de como viam corredores serem transportados durante parte das etapas de carro ou de motas, de como se organizavam bandos para provocarem a desistência de certos ciclistas e de como muitos deles se entretinham a encher as estradas de pregos depois de terem percorrido determinados percursos.  

As queixas, os processos a decorrer, as decisões a tomar eram tantas e de tal ordem que, dois dias depois de Garin ter sido considerado vencedor, com Lucien Pothier, César Garin (irmão de Maurice) e Hippolyte Aucouturier nos lugares seguintes, os quatro primeiros foram desqualificados. Henry Cornet, que terminara em quinto, foi finalmente, ao fim de cinco meses, considerado o vencedor oficial. Maurice, o homem que vencera o primeiro Tour, nunca mais correu.