Coroa de honra são as cãs ou este país não é para velhos?


O que está a falhar? Porque ser velho em Portugal não é sentido como um privilégio?


Recomendaram-me assistir a um clássico, o filme ‘Este país não é para velhos’, inspirado no livro de Cormac Mccarthy com o mesmo nome.

Achei graça no título e acabei por transpô-lo para o nosso dia a dia e lembrar dos 86 anos do candidato a presidente de um grande clube de futebol português, mas também das impiedosas insinuações de declínio cognitivo do nosso septuagenário Presidente da República. Na verdade, Portugal é um país de velhos, mas será um país para velhos?

O envelhecimento demográfico é um facto inquietante. De acordo com o INE, entre 2017 e 2022, o índice de envelhecimento passou de 157,9 para 185,6 pessoas idosas por cada 100 jovens. Segundo a mesma fonte, a esperança de vida à nascença em Portugal, no triénio 2020-2022, foi estimada em 80,96 anos, sendo de 78,05 anos para os homens e de 83,52 anos para as mulheres.

Ainda que as estatísticas não o revelassem, bastaria olhar ao derredor para encontrarmos evidências de disrupções em diversos sectores da sociedade, desde a área dos serviços, como o ensino e a saúde, mas também em áreas mais técnicas relacionadas com os ofícios e onde não se verifica uma substituição geracional através da transferência de saberes.

São espaços onde os velhos se vão retirando da vida ativa, mas não encontram renovação; ou porque a carreira perdeu a atratividade de outrora (caso dos professores, cuja reputação e autoridade foi esventrada nas últimas décadas) ou devido à vazão de jovens para o estrangeiro que estimulados pelos benefícios da cidadania europeia, procuram no mercado de trabalho além fronteiras melhores condições remuneratórias.

O aumento da esperança média de vida é algo que deveria alegrar-nos, pois é certamente o resultado da melhoria das condições de vida da população portuguesa nos últimos 50 anos. A saída de jovens para viver mundo afora, também não é em si censurável, nem surpreendente, num mundo globalizado e aberto. Sem mencionar que o fenómeno favorece novas oportunidades de negócio relacionadas com o mercado do envelhecimento.

Mas o que está a falhar? Porque ser velho em Portugal não é sentido como um privilégio?

A raiz do problema poderá ser civilizacional e prender-se com o modo como os velhos são apreciados entre nós.

O mundo ocidental – individualista e orientado por um modelo económico virtuoso, mas demasiadas vezes pervertido pela ganância – foi esboroando importantes valores morais e éticos historicamente radicados na moralidade judaico-cristã. Neste contexto utilitarista, depressa se caminhou para uma atitude de menosprezo para com os mais velhos, tratados amiúde como ultrapassados, imprestáveis, dispensáveis e indignos de ocupar as funções que exercem ou dos papéis que desempenharam. A obstinação por um tipo de sucesso baseado na serventia e na acumulação de resultados, não combina com a fragilidade e a vulnerabilidade associadas à velhice.

Por outro lado, do ponto de vista social e político, com o envelhecimento, vem a urgência da resolução dos problemas da sustentabilidade da segurança social e a necessidade de maior eficiência na resposta dos serviços de saúde e de cuidados continuados, o que gera uma angústia coletiva que recai pesadamente sobre os ombros dos mais velhos, num país onde a taxa de natalidade é deficiente.

O resgate de uma ética intergeracional parece-nos o caminho. Uma narrativa saudável de renovação de gerações e a valorização de boas práticas de sucessão, partilha de experiências e memórias devem merecer a atenção dos decisores públicos. E mesmo no mundo corporativo, os discursos da sustentabilidade e da ética também deveriam passar por estes domínios da gestão do envelhecimento.

Os velhos não são perfeitos, cometeram muitos erros, alguns dos quais sofremos hoje as consequências; talvez muitas vezes lhes tenha faltado a visão, mas são referenciais que no seu tempo fizeram o melhor que sabiam e puderam. Têm uma experiência acumulada de erros e acertos e transportam memórias que precisam ser capitalizadas.

Mas também é importante lembrar a quem vai mais à frente na história que para tudo há uma época e há que ter sabedoria para entender que o que plantamos, colhemos e discernir qual o momento certo para a retirada, transmitindo o legado e dando espaço a quem segue.

Ser velho neste país não é fácil. E que falta nos faz uma cultura de honra para com os mais velhos na linha judaico-cristã (Provérbios 16:31)!

Docente da Faculdade de Economia do Porto

Coroa de honra são as cãs ou este país não é para velhos?


O que está a falhar? Porque ser velho em Portugal não é sentido como um privilégio?


Recomendaram-me assistir a um clássico, o filme ‘Este país não é para velhos’, inspirado no livro de Cormac Mccarthy com o mesmo nome.

Achei graça no título e acabei por transpô-lo para o nosso dia a dia e lembrar dos 86 anos do candidato a presidente de um grande clube de futebol português, mas também das impiedosas insinuações de declínio cognitivo do nosso septuagenário Presidente da República. Na verdade, Portugal é um país de velhos, mas será um país para velhos?

O envelhecimento demográfico é um facto inquietante. De acordo com o INE, entre 2017 e 2022, o índice de envelhecimento passou de 157,9 para 185,6 pessoas idosas por cada 100 jovens. Segundo a mesma fonte, a esperança de vida à nascença em Portugal, no triénio 2020-2022, foi estimada em 80,96 anos, sendo de 78,05 anos para os homens e de 83,52 anos para as mulheres.

Ainda que as estatísticas não o revelassem, bastaria olhar ao derredor para encontrarmos evidências de disrupções em diversos sectores da sociedade, desde a área dos serviços, como o ensino e a saúde, mas também em áreas mais técnicas relacionadas com os ofícios e onde não se verifica uma substituição geracional através da transferência de saberes.

São espaços onde os velhos se vão retirando da vida ativa, mas não encontram renovação; ou porque a carreira perdeu a atratividade de outrora (caso dos professores, cuja reputação e autoridade foi esventrada nas últimas décadas) ou devido à vazão de jovens para o estrangeiro que estimulados pelos benefícios da cidadania europeia, procuram no mercado de trabalho além fronteiras melhores condições remuneratórias.

O aumento da esperança média de vida é algo que deveria alegrar-nos, pois é certamente o resultado da melhoria das condições de vida da população portuguesa nos últimos 50 anos. A saída de jovens para viver mundo afora, também não é em si censurável, nem surpreendente, num mundo globalizado e aberto. Sem mencionar que o fenómeno favorece novas oportunidades de negócio relacionadas com o mercado do envelhecimento.

Mas o que está a falhar? Porque ser velho em Portugal não é sentido como um privilégio?

A raiz do problema poderá ser civilizacional e prender-se com o modo como os velhos são apreciados entre nós.

O mundo ocidental – individualista e orientado por um modelo económico virtuoso, mas demasiadas vezes pervertido pela ganância – foi esboroando importantes valores morais e éticos historicamente radicados na moralidade judaico-cristã. Neste contexto utilitarista, depressa se caminhou para uma atitude de menosprezo para com os mais velhos, tratados amiúde como ultrapassados, imprestáveis, dispensáveis e indignos de ocupar as funções que exercem ou dos papéis que desempenharam. A obstinação por um tipo de sucesso baseado na serventia e na acumulação de resultados, não combina com a fragilidade e a vulnerabilidade associadas à velhice.

Por outro lado, do ponto de vista social e político, com o envelhecimento, vem a urgência da resolução dos problemas da sustentabilidade da segurança social e a necessidade de maior eficiência na resposta dos serviços de saúde e de cuidados continuados, o que gera uma angústia coletiva que recai pesadamente sobre os ombros dos mais velhos, num país onde a taxa de natalidade é deficiente.

O resgate de uma ética intergeracional parece-nos o caminho. Uma narrativa saudável de renovação de gerações e a valorização de boas práticas de sucessão, partilha de experiências e memórias devem merecer a atenção dos decisores públicos. E mesmo no mundo corporativo, os discursos da sustentabilidade e da ética também deveriam passar por estes domínios da gestão do envelhecimento.

Os velhos não são perfeitos, cometeram muitos erros, alguns dos quais sofremos hoje as consequências; talvez muitas vezes lhes tenha faltado a visão, mas são referenciais que no seu tempo fizeram o melhor que sabiam e puderam. Têm uma experiência acumulada de erros e acertos e transportam memórias que precisam ser capitalizadas.

Mas também é importante lembrar a quem vai mais à frente na história que para tudo há uma época e há que ter sabedoria para entender que o que plantamos, colhemos e discernir qual o momento certo para a retirada, transmitindo o legado e dando espaço a quem segue.

Ser velho neste país não é fácil. E que falta nos faz uma cultura de honra para com os mais velhos na linha judaico-cristã (Provérbios 16:31)!

Docente da Faculdade de Economia do Porto