Expatriados e turistas. A dor de cabeça para voltar a Portugal

Expatriados e turistas. A dor de cabeça para voltar a Portugal


O Governo garante que tudo está a ser feito para o regresso dos portugueses. Augusto Santos Silva fala entre dois mil a três mil que precisam ainda de regressar a Portugal. O i falou com vários portugueses que tanto trabalham fora como foram apanhados de férias e falam do calvário que tem sido para conseguirem…


O ministro dos Negócios Estrangeiros estimou ontem que entre dois a três mil portugueses no estrangeiro precisam ainda de apoio para regressar a Portugal, admitindo a possibilidade de novos pedidos. “A minha estimativa é que algures entre dois mil e três mil portugueses no estrangeiro, entre turistas, viajantes ocasionais e estudantes estejam ainda a precisar de apoio para operações de regresso a Portugal”, disse Augusto Santos Silva.

Em causa estão, na sua maioria, e segundo o chefe da diplomacia, turistas, viajantes ocasionais e estudantes do programa Erasmus. Mas o i sabe que nesta situação estão também milhares de expatriados.

Argélia, Egito, China, Chipre, Irão, Maldivas, Marrocos, Mongólia, Panamá, Costa Rica, Polónia foram os países de onde o MNE já concluiu o repatriamento de portugueses, bem como dos navios ao largo do Japão e dos Estados Unidos.

Em Singapura e na Tunísia, o repatriamento de portugueses está parcialmente concluído. Mas o i sabe que há muito mais casos.

Um desses exemplos é Nuno Gonçalves Ferreira, empresário em Cabo Verde. O pedido para regressar ao país, juntamente com a sua filha com um ano de idade, começou a ser feito na sexta-feira, mas até à data não tem grandes certezas. Depois de vários contactos com o consultado, a única informação que tem disponível é um email com a informação de que tem o seu nome num voo de regresso onde não há bilhetes emitidos. “Não tenho qualquer garantia que vou conseguir embarcar com a minha filha”, confessa ao i, acrescentando que, neste momento, na Ilha do Sal já estão em falta todos os bens essenciais.

“Nem sequer consigo comprar leite sem lactose ou um banana para a minha filha que necessita a conselho da pediatra”.

O empresário critica a atuação do Governo, que pouco ou nada dá resposta. “Sei que a TAP enviou um avião, mas de reposição, ou seja, para ir buscar os turistas”. Uma decisão criticada pelo mesmo, já que este grupo de 200 turistas que está retido na ilha já sabia dos riscos que corria quando foi passar férias. “Uma das preocupações do Governo devia estar centrada nos expatriados que todos os anos pagam impostos em Portugal”, diz Nuno Gonçalves Ferreira, lembrando que, apesar de trabalhar fora, paga mais de quatro mil euros de IRS em Portugal. “Isso não conta para o Governo português”, acrescenta.

Para trás, Nuno Gonçalves Ferreira vai ter de deixar uma série de investimentos no turismo. Um dos restaurantes que estava pensado desde janeiro esteve aberto apenas durante dois dias, mas foi obrigado a fechar. “Está aqui empatado um investimento que nem sequer deu hipótese de ter retorno”.

Ao i, garante que está a pensar em regressar a Cabo Verde entre junho e julho, mas admite que o turismo nessa altura vai ser muito fraco. “Vai ser cada vez mais difícil recuperar o dinheiro investido”.

E em Angola? De Cabo Verde para Angola, onde Carlos Guerreiro trabalha. Está a tentar regressar a Portugal com os colegas desde o fim de semana de 14 de março. No entanto, o regresso não tem sido fácil. Ao i, explica que intensificaram a tentativa de voltar depois dos voos que chegaram de Portugal nos dias 17, 18 e 19 de março, “que trouxeram algumas pessoas contaminadas”, garante.

A história tem dado algumas voltas: “Inicialmente recebemos informação do consulado para enviarmos por email uma lista das pessoas que queriam regressar.

Posteriormente a esse envio, no dia seguinte, o consulado solicitou mais informação pessoal das pessoas que queriam regressar”.

Chegou depois a indicação de que haveria uma agência de viagens em Coimbra que estaria a preparar um voo. “E foi-nos solicitado que enviássemos para essa agência (ISDTRAVEL) dados das pessoas”. Mas a história continua. “Ontem [na segunda-feira], o consulado enviou informação por email de que a TAP ia fazer voos e que deveríamos preencher um formulário no site da TAP”, o que fizeram. No entanto não têm recebido informação de entidades sobre a efectiva realização dos voos e Carlos garante que “não se percebe quem consta na lista. Não se sabe quais as pessoas que cumprem os critérios que lhes possibilitam a aquisição do bilhete”.

O português garante que a TAP contactou alguns interessados, avisando-os de que deveriam ir à loja da TAP para adquirir bilhetes, “sendo que algumas pessoas conseguem… outras, apesar de informadas, não conseguem”. E acusa o consulado de “inadvertidamente” ter divulgado emails das pessoas que inicialmente se inscreveram no consulado, o que “tem suscitado um rodopio de emails com relatos de mau atendimento no consulado, de aglomeração de pessoas e deixando as pessoas sem informação fiável sobre o que vai acontecer”, lamenta.

Pelos emails que recebe, Carlos Guerreiro explica que “já se sabe que há pessoas a pagar bilhetes à ISDTRAVEL que lhes informa, depois de receber o comprovativo de transferência, de que vai ter de aguadar pela emissão do bilhete quando estiver salvaguardando a lotação do avião”. “De facto é incompreensível que a TAP não apresente um plano de voos e comercialize os bilhetes pelo seu site”, lamenta o português.

Ao i diz não têm tido qualquer resposta do MNE uma vez que não conseguem chegar à fala com ninguém.

À falta de respostas, começam a chegar as preocupações: “As pessoas começam a ficar assustadas, ninguém quer contrair o vírus, muito menos nas condições sanitárias e hospitalares que Angola proporciona”, diz preocupado. O português, que inicia hoje uma quarentena voluntária, confirma já terem existido alguns arrufos entre angolanos e portugueses: “Acusam-nos de sermos a fonte do vírus”. “Mas ainda são incidentes negligenciáveis”, acrescenta.

Sem poder fazer mais nada, diz que resta esperar e “manifestar tristeza pelo amadorismo do consulado, possivelmente não terão recursos, pela falta de qualidade do apoio”. Mas as criticas estendem-se à TAP: “Há pessoas a quererem regressar a Portugal para evitar situações piores. Quanto à TAP, não entendemos o comportamento da empresa para uma rota tão lucrativa e com tantos clientes desejosos de viajar”. A preocupação aumentará caso João Lourenço declare quarentena no país.

Apanhados em férias Nas Honduras, as férias de Bernardo Gavião e da sua namorada, Margarida Cunha, transformaram-se em pesadelo: de um dia para o outro, as fronteiras foram fechadas, foi imposta a lei marcial e os dois portugueses abandonados na pequena ilha de Utila, que não tem sequer hospital. “Não sabem se há infetados, porque não há capacidade de diagnóstico”, explica Bernardo, cuja empresa gere conteúdos educativos em Portugal e nos EUA. Agora, ele a namorada, designer, dependem de mantimentos enviados pelo Governo das Honduras, que vêm de barco e são atirados para terra. “Se pararem de os enviar ficamos em maus lençóis”, assegura Bernardo, mas a ajuda portuguesa tarda em chegar. Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, não há muito de bom a dizer: a informação que obtiveram por essa via “não é só nula, é tirada a ferros, são arrogantes e mal educados”, critica. Da linha especial, criada para a pandemia, só obtiveram resposta uma semana depois. “Disseram apenas: “em linha com as declarações do ministro Augusto Santos Silva, não somos uma agência de viagens”, conta Bernardo.

“Nunca lhes pedi que marcassem o voo”, acrescenta, revoltado. Ele e a namorada não têm feito outra coisa que não passar o dia a ver voos, correndo o risco de os comprar e estes serem cancelados, descobrirem que afinal o voo eram só para norte-americanos ou, pior, não conseguirem desembarcar.

“É normal que o Governo português não tenha capacidade para enviar um avião”, explica Bernardo – para lá da sua namorada, só tem conhecimento de um outro português na mesma situação. Mas nas dezenas de grupos de Whatsapp criados por turistas presos nas Ilhas da Baía, o arquipélago de Utila, se a maioria são norte-americanos, Bernardo já contou uns 150 europeus. “Justificava-se a União Europeia fazer um esforço coletivo”, considera. “Estamos às escuras”, lamenta Bernardo. Por agora, ainda não estão literalmente às escuras, mas a eletricidade nas Honduras é pré-paga e está a ser racionada. Felizmente, mal foi anunciado o fecho das fronteiras, o casal português foi logo comprar mais – por agora, dá para o frigorífico e carregar os telemóveis, para continuar a ligar a operadoras aéreas.

Ficar preso numa ilha paradisíaca, onde se foi fazer um curso de mergulho, pode parecer agradável à primeira vista, mas a pandemia confinou Bernardo e Margarida ao seu pequeno apartamento, com as despesas que isso acarreta, a milhares de quilómetros dos amigos e da família. “Ok, da janela vêm-se árvores, mas entre isto e o jardim da Estrela é igual”, desabafa Bernardo. “A rotina é sempre a mesma. Acordamos cedo, às seis da manhã, vemos voos, fazemos chamadas para companhias aéreas, jantamos cedo, deitamo-nos, e no dia seguinte recomeça tudo de novo”, conta.

Nunca esperaram estar nesta situação: quando chegaram às Honduras, a 22 de fevereiro, a sua perceção era que o novo coronavírus “era algo muito distante, lá na Ásia”, assegura Bernardo. Nunca pensaram que ganhasse tais proporções ou chegasse tão depressa, ainda para mais às Honduras. “Não sabíamos o que era facto ou exagero da comunicação social”, explica. Muito menos que num dia “não se falasse de nada”, nas palavras do português, e no outro o Governo hondurenho fechasse tudo, sem qualquer aviso.

Outro “apanhado” Ireneu Teixeira tinha já uma viagem programada para a Austrália com a mulher – ucraniana mas com residência portuguesa. Como a viagem era via China e o país já enfrentava o surto de coronavírus, decidiu ir de férias para o Panamá, “quando apenas se falava do vírus em Itália”, conta ao i.

 “Considerei que aqui, no lado oposto aos problemas, nada iria acontecer”, disse.

Mas a vida trocou-lhe as voltas. Quando já estava no Panamá, a pandemia começou a alastrar-se por toda a Europa. Pouco depois, percebeu que ele a mulher poderiam ter problemas com o regresso. “Certo dia estávamos na vizinha Costa Rica e soube que iriam fechar as fronteiras de imediato, dado o pânico e o receio de o vírus aqui chegar”, algo que veio a confirmar-se.

O pior veio depois. “Sem muita informação, demos por nós trancados na Costa Rica, sendo que o voo de regresso a Portugal era pelo Panamá, onde não nos deixam entrar”, deitando por terra as esperanças de regressar. Num país com um custo de vida muito superior ao português, Ireneu e a mulher começaram a tentar resolver a sua situação. “Fomos ao consulado português em San José (Costa Rica) que me ajudou nalguns contactos, mas avisou que teria de ser a embaixada no Panamá a tratar da minha situação”. O problema mantém-se: não podem entrar no Panamá. E por isso tentaram outra via: “Resolvemos ir para o país que ainda tinha as fronteiras abertas, a Nicarágua. Porquê? Por ser muito mais barato, por não ter casos à data e por sentir que podíamos ficar aqui mais tempo sem ficar com os bolsos vazios”.

Mas nem aqui conseguiram resolver a situação. “Sucede que este país pertence à jurisdição da embaixada portuguesa do México e passaram-nos para lá. Fizeram apenas um contacto para saber onde estou e o meu email. Nada mais. Vou tentar entrar em contacto com eles”, explica ao i.

Enquanto o casal não consegue resolver a situação, tenta aproveitar como pode. Estão neste momento hospedados numa casa-quinta na ilha de Ometepe, “com muitos animais”. “Não temos limitações de movimentos, a vida aqui corre devagar, sem preocupações e um clima e natureza tropical”. No entanto, naquele local, existe muita preocupação com o vírus, só que a informação é pouca, garante. “De qualquer forma, deixaram de aceitar turistas e puseram práticas de higiene e convívio social”. No entanto, garante estar num país sem democracia, informação válida ou serviços de saúde que lhes deem alguma garantia. “Li que têm 160 ventiladores, 80% ocupados, ou seja, sobram 32. Assusta caso haja aqui uma pandemia…”, diz-nos.

Para já, a resposta à pergunta sobre se tem alguma ideia de quando verá a sua situação resolvida é clara: “Não temos a mínima ideia, zero”. No entanto, para já, a incerteza não lhes afeta a vida em Portugal: Ireneu é jornalista free-lancer e, em conjunto com a mulher, têm um alojamento turístico que fecharam antes de viajar.

O maior problema são os filhos que estão em Portugal: “Tenho filhos aí e fico com o coração apertado”, desabafa.

Ontem Ireneu tentou entrar em contacto com a embaixada portuguesa no México onde está inscrito para ser repatriado.

Mais tranquilo Do lado de Bissau, a situação não é tão alarmante. “Estamos em contacto com as entidades do estado e não há voos comerciais”, avança uma fonte que preferiu não ser identificada. No entanto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros prometeu um voo comercial para hoje. Falta agora saber se todas as pessoas que estão em Bissau e querem voltar a Portugal terão espaço nesse voo. Ao i, este testemunho de Bissau explica ainda que foi para Bissau em trabalho e que já devia ter voltado há uma semana.