Cocaína e as formas mais originais de a esconder

Cocaína e as formas mais originais de a esconder


Todos os dias são detetados novos métodos usados pelas organizações criminosas para introduzir cocaína em Portugal. Produtos alimentares, cosméticos e outros objetos são alguns dos esconderijos da droga.


Em abril de 2016, um homem e uma mulher chegaram a Lisboa, num voo do Reino Unido. Traziam cocaína dissimulada num frasco de champô. Na mesma altura, um homem foi detido no Aeroporto Humberto Delgado com 4,4 quilos desta droga colados ao corpo, escondidos debaixo da roupa. Meses depois, dezenas de parafusos, recheados com cocaína pura, foram detetados no aeroporto Francisco Sá Carneiro, na Maia. Estes são alguns exemplos que ilustram como esta droga chega a Portugal – existem cada vez mais ‘processos criativos’ com os quais as autoridades têm de lidar, esquemas esses que podem dificultar as operações levadas a cabo.

Segundo dados provisórios fornecidos ao SOL, em 2016 foram apreendidas pouco mais de 1,007 tonelada de cocaína, num total de 1008 apreensões. Os números foram fornecidos pela Polícia Judiciária (PJ), mas refletem o trabalho não só desta força de segurança mas também da Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana, da Autoridade Tributária e Aduaneira, do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e de outras entidades e organismos do Estado, como a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Polícia Marítima.

No ano anterior, de acordo com os dados disponibilizados no relatório anual de combate ao tráfico de estupefacientes em Portugal, foram apreendidas 6,029 toneladas, 1078 apreensões.

Existe uma diferença de quase cinco mil toneladas de droga apreendida, mas quase o mesmo número de apreensões, facto que Artur Vaz, coordenador do departamento de Investigação Criminal da PJ, justifica com a realização de operações de maiores dimensões no ano anterior. 

«Em 2015 foram desenvolvidas e concretizadas várias operações de grande envergadura ao tráfico por via marítima, operações que no ano passado [2016] não se concretizaram. Embora haja uma diminuição do tráfico por via aérea, a grande justificação está no transporte por via marítima», explicou ao SOL este responsável.

No entanto, esta diminuição nas toneladas nada tem a ver com um decréscimo das atividades realizadas pelas autoridades, mas sim com outros fatores, como o próprio modus operandi: não só são criativos, como tentam desviar-se daquilo que pressentem ser o principal foco das autoridades a cada muito tempo. Ou seja, adaptam-se «muito facilmente» às atividades policiais, resume Artur Vaz. «Em alguns anos é possível apreender mais cocaína, se calhar existe também mais droga a circular. Noutros anos apreende-se menos, ou porque circula menos cocaína, ou porque as organizações definem outras rotas, existem várias condicionantes. Mas isto não quer dizer que haja uma menor atividades por parte das autoridades, que não houve», ressalvou o responsável.

Na maioria das vezes, a droga apreendida não tem como destino final Portugal. «Somos um país de trânsito, tal como a Espanha. Funcionamos como um muro que impede a entrada [da cocaína] na União Europeia».

De acordo com os dados referentes a 2015, parte das apreensões feitas nesse ano tinham como destino Espanha (39 apreensões e 159,04 kg de cocaína), Bélgica (24 apreensões e 44,38 kg), França (5 apreensões e 39,07 kg), Holanda (5 apreensões e 11,76 kg) e a Itália (4 apreensões e 5,61 kg).

Processos criativos

«A imaginação é o limite. Todos os dias são detetados novos métodos», afirma Artur Vaz. A verdade é que a cocaína entra em Portugal das mais variadas formas, o que obriga as autoridades a estarem atentas aos esconderijos mais insólitos.

«Se a cocaína for por correio [humano], na maior parte das vezes vem em malas, nas estruturas das mesmas. Também trazem muitas vezes junto ao corpo e, noutros casos, transportam-na in corpore», ou seja, engolem a droga e transportam-na no organismo.

No entanto, há quem prefira fazer o transporte desta droga através dos mais variados objetos: «Já tivemos casos em que a cocaína vinha no meio de uma importação de polvo congelado: a droga vinha dissolvida na água em que o polvo era transportado. Ultimamente têm sido detetados casos em que a cocaína vem dissolvida na cachaça [aguardente muito usada no Brasil]. Houve também casos em que a droga foi encontrada em frascos de cosméticos, como champôs e cremes», descreve o responsável ao SOL.

São muitos os casos semelhantes aos descritos acima, mas alguns traficantes e correios tentam arranjar esquemas ainda mais rebuscados. De acordo com o Correio da Manhã, a PJ apreendeu em julho do ano passado 60 quilos de cocaína vindos do Brasil escondidos em embalagens de preparado em pó para confecionar bolos – uma técnica que, segundo os investigadores, não é muito usada em Portugal. Um mês depois, o mesmo jornal noticiou a detenção de uma cidadã estrangeira que escondeu 2,340 quilogramas de cocaína, suficientes para mais de 23 mil doses, numa cadeira de rodas.

Madeira e Lisboa batem recorde

Segundo os dados provisórios dados pela PJ disponibilizados ao SOL, em 2016, o distrito onde ocorreu o maio número de apreensões foi Lisboa (433), seguido pelo Porto (308), Faro (69), Setúbal (58) e Braga (34).

No entanto, foi na Madeira que as autoridades apreenderam a maior quantidade de cocaína (mais de 643 kg). Lisboa surge em segundo lugar (mais de 268 kg), seguida pelo Porto (mais de 87 kg), Faro (mais de três kg) e Açores (mais de dois kg).

Da quantidade de cocaína recolhida, as autoridades revelam que a maioria vinha do Brasil (mais de 266 kg), seguindo-se Venezuela (mais de 56 kg) e Colômbia (mais de 11 kg).

Já em relação aos principais meios de transporte usados para transferir esta droga, domina o tráfico por via marítima (mais de 643 kg) e a movimentação aérea (mais de 334 kg).

Impacto na saúde

Segundo dados do Instituto de Medicina Legal, citados no relatório anual dos Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências relativo a 2014, «dos 220 óbitos com a presença de pelo menos uma substância ilícita ou seu metabolito e com informação sobre a causa de morte, 33 (15%) foram considerados overdoses».

A presença de cocaína foi detetada em 64% dos casos, uma percentagem que representa um aumento significativo da presença desta droga em face dos dados recolhidos no ano anterior (em 2013, a percentagem era de 36%).

O mesmo relatório revela também que nos condutores mortos na sequência de acidentes de viação, as drogas que prevaleceram em 2014 foram a canábis (4,2%) e a cocaína (1,4%).