Sardinha. A interdição terminou, mas a guerra é para continuar

Sardinha. A interdição terminou, mas a guerra é para continuar


Há quem defenda que a pesca deveria ser suspensa em 2019 em Portugal por causa da diminuição do stock. No entanto, também há quem fale em falta de rigor na avaliação


A interdição à pesca de sardinha em três zonas do país terminou na semana passada. Mas a guerra continua. Ainda que o período de interdição à captura, manutenção a bordo, descarga e venda da sardinha capturada entre os zero e os 20 metros de profundidade nas zonas da Torreira-Furadouro, sul da Figueira da Foz e Altar-Piedade tenha chegado ao fim, a polémica está para durar.

Neste caso em concreto, tendo em conta “a informação existente sobre áreas históricas de distribuição dos juvenis de sardinha nas zonas até aos 20 metros de profundidade”, a Secretaria de Estado das Pescas queria “garantir a proteção dessa fração do recurso”. No entanto, do lado dos pescadores nem todos parecem concordar. Muitos defendem que se deve proteger o stock, mas “com rigor” e “não com base em palpites”. 

Ao i, Frederico Pereira, da comissão executiva da Federação dos Sindicatos do Setor da Pesca, explica que “não havia certezas. O que se podia dizer era que provavelmente era uma zona de juvenis”. Além disso, para os trabalhadores deste setor, a eficácia da gestão dos recursos passa pelo controlo da “qualidade e não da zona”. “Assim, acaba por haver muita falta de rigor. E nós exigimos rigor e não palpites”.

Afinal o que se passa com a pesca da sardinha? Nos últimos tempos, muito se tem discutido a pesca desta espécie tão apreciada em Portugal. Foram feitos avisos, interdições e também se registaram paralisações em resposta. Mas o que se passa?

De acordo com a ministra do Mar, “o Conselho Internacional para a Exploração do Mar dá um parecer científico com base na informação que tem, mas o que é facto é que muitas vezes peca por excesso”. E é por isso que, segundo Ana Paula Vitorino, o governo tem estado “a fazer um trabalho aprofundado sobre a matéria”. “A sardinha tem vindo a diminuir paulatinamente na nossa costa e para se conseguir cumprir o primeiro objetivo temos de garantir que as capturas são de modo a que continuemos a ter sardinha no futuro”, sublinhou a responsável pela pasta do Mar, acrescentando que a solução deve ser encontrada no equilíbrio entre a captura e a sustentabilidade. E relembra: “A sardinha faz parte da cultura dos portugueses e da economia”.

Ao i, Álvaro Garrido, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, defende que é fácil explicar o que se tem passado nos últimos tempos em Portugal: “O que temos aqui é uma contradição clássica e nada surpreendente. Temos os pescadores e as empresas armadoras com o seu conhecimento empírico e os argumentos científicos”. 

Com a procura e o preço da sardinha a subir, principalmente no verão, “os pescadores querem períodos de defeso mais curtos ou até inexistentes. Por outro lado, há um exagero nos alertas de escassez. O certo é não absolutizar os argumentos. Nem de um lado, nem do outro”.

Álvaro Garrido, que tem estudado o tema das pescas, recorda até que o problema da escassez começou nos anos 30. “Os precedentes são muito antigos, até pela importância que a espécie sempre teve para o país”.

Polémica sem fim No final do ano passado, um parecer científico aconselhava o fim da pesca da espécie já este ano. O governo resistiu e começou, desde cedo, a dizer que se tratava de um recurso de interesse estratégico. Para os pescadores, era um insulto.

O alerta chegava da parte do Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), que considerava importante travar a captura da espécie de forma a fazer face à redução acentuada do stock na última década.

De acordo com a entidade científica consultada pela Comissão Europeia, o caminho a fazer não podia ser mais claro: “Deve haver zero capturas”. Na base da avaliação do ICES está o facto de o stock ter vindo a decrescer a um ritmo muito acelerado: de acordo com o organismo, passou de 106 mil toneladas em 2006 para 22 mil em 2016. Até porque, para o ICES, mesmo que não existisse pesca, seriam necessários cerca de 15 anos para que o stock chegasse a um nível considerado “acima do limite de biomassa desovante adequado”.

Mas o alerta não foi bem recebido pelo setor e obrigou a Comissão Europeia a esclarecer que não foi tomada qualquer decisão. No entanto, bastou para criar polémica e obrigou o Ministério do Mar a reagir de forma a assegurar a continuação do “empenho em manter a pesca de sardinha em níveis que permitam a recuperação”. Até porque “a sardinha é um recurso estratégico para a pesca nacional, cuja sustentabilidade ambiental, económica e social importa garantir, atendendo ao impacto deste recurso nas comunidades piscatórias, na indústria conserveira e comércio de pescado, nas exportações do setor, na gastronomia e no turismo”.

Para os pescadores, as conclusões estão “em total contradição com a perceção de que a abundância de sardinha nas nossas águas é muito mais significativa que a que observaram nos últimos anos”.