El Chapo. A estrela do tráfico que alinhou no filme errado

El Chapo. A estrela do tráfico que alinhou no filme errado


O líder do cartel de Sinaloa queria ver a sua vida retratada numa produção hollywoodesca, ao estilo Narcos. Mas as estrelas deixaram rasto e vai ter de regressar ao Prison Break – e desta vez tudo indica que será nos Estados Unidos.


Não é todos os dias que um traficante se vê apoiado por uma das figuras mais mediática do seu país. Aconteceu a Joaquín Archivaldo Guzmán Loera – ou ‘El Chapo’, o líder do cartel mexicano de Sinaloa – em janeiro de 2012. Kate del Castillo, a Rainha do Sul na novela mexicana, com o mesmo nome, que bateu recordes de audiência, escrevia no Twitter que entre o governo mexicano e os líderes dos carteis, a sua confiança iria para os segundos. E deixou o repto: “Senhor Chapo, não seria maravilhoso se começasse a traficar com amor?”.

Chapo,  ou ‘o baixote’, não resistiu. Enviou um advogado para entrar em contacto com a estrela de cinema, que aceitou revelar a sua morada para receber flores. Estas nunca chegaram mas a amizade ficou. Depois de ser detido em fevereiro de 2014, Katel del Castillo era uma das suas correspondentes. Foi aí que começou a ser sondado pelos estúdios de Hollywood, desejosos de pegar na sua história para repetir o sucesso que a Netflix alcançou ao retratar a vida de Pablo Escobar na série Narcos.

Guzmán adorou a ideia e impôs uma condição: só a Castillo podia ser confiada tal missão. Esta entrou em contacto com produtores conhecidos de Sean Penn, estrela do cinema desde sempre pronto para abraçar causas polémicas. Depois de breves aparições no jornalismo com entrevistas a Hugo Chávez e aos irmãos Castro, na primeira década deste século, Penn viu a oportunidade para voltar a chocar. Em Los Angeles conheceu Castillo e fez com que a proposta de entrevista chegasse ao homem que em julho de 2015 chocara tanto mexicanos como norte-americanos com nova fuga prisional, recheada de detalhes hollywoodescos.

Detalhes que acabaram revelados pelo próprio Sean Penn na revista “Rolling Stone”, que chegou às bancas com a “primeira entrevista a El Chapo fora de um interrogatório ”dois dias depois de este ter sido de novo detido numa grande operação do exército mexicano. Num artigo que assume ter sido “sujeito a aprovação” de El Chapo “antes da publicação”, Penn mostra consciência dos perigos que enfrentou ao viajar para o berço do cartel de Sinaloa, em plena selva mexicana: “Nunca houve dúvidas na minha cabeça de que a DEA [agência norte-americana de combate ao tráfico] e o governo mexicano estavam a seguir o nosso rasto”. Nem esta frase nem qualquer outra, garante Penn, foi sujeita ao lápis azul do traficante – uma cedência da revista que a está a deixar sob fogo dos catedráticos do jornalismo local -, o que leva a crer que El Chapo estava mais confiante do que o ator na sua capacidade de iludir as autoridades.

Penn começa o artigo no dia 28 de setembro de 2015, quatro dias antes de embarcar com Castillo e outros dois amigos de Hollywood – apresentados com nomes fictícios – para o México. Diz ter a cabeça a “nadar” devido à paranóia típica de quem passou as últimas semanas em contactos com a entourage do maior traficante do mundo – “rotular telefones pré-pagos, um por contacto, um por dia, destruir, queimar, comprar, gerir níveis de encriptação”, etc.

Penn aderiu de tal forma à fobia pela segurança que até com o director da “Rolling Stone” falou em código quando propôs o artigo. Depois de regressar do México, manteve-se em contacto com El Chapo através de blackphones – telemóveis que encriptam as chamadas -, e trocas de emails em contas anónimas. E recebeu respostas num vídeo que foi entregue pessoalmente por um homem de Chapo a Kate del Castillo.

Mas se “o filme [que Chapo queria fazer] e Sean Penn não faziam parte da investigação”, como disse um agente mexicano à AP, a verdade é que “o processo que essas pessoas iniciaram abriu oportunidades que foram exploradas”. “Pensaram que eram espertos mas não foram. Foram amadores a tentar vencer profissionais”, disse o mesmo agente.

A polícia mexicana já confirmou o desejo de questionar o vencedor de dois Óscares sobre o seu envolvimento com o chefe do cartel de Sinaloa. Mas o seu papel de jornalista deve livrá-lo de qualquer acusação de cumplicidade, ao contrário da companheira de filmagens.

Filha de um reputado ator mexicano, era apenas só mais uma atriz de novelas até se ter tornado na figura principal da novela mais vista de sempre no país. “A Rainha do Sul” era também uma implacável líder de cartel, tipo de personagem que Castillo já repetiu em filmes e até numa aparição na série norte-americana Weeds. E com a fama tornou-se também numa figura mediática com posições polémicas, bem ao estilo de Sean Penn, que no seu artigo a refere como “um daqueles espíritos independentes e corajosos que as democracias devem proteger por não conseguirem viver sem eles”.

Mas é ela, ou a sua produtora, que aparece como detentora dos direitos do vídeo divulgado pela Rolling Stone, onde El Chapo responde às perguntas enviadas por Sean Penn. Um facto que implica a obtenção de lucros com um negócio que envolve o maior traficante do mundo. No domingo, o jornal mexicano “El Universal” avançava que os investigadores acreditam haver uma ligação contratual entre Castillo e Guzmán. Antes de sabermos se será formalmente implicada, poderemos ver Castillo em Ingovernáveis, uma série onde a atriz fará de primeira-dama do México, mas não uma qualquer: será capaz de “criar um presidente, deixar um presidente e matar um presidente”, diz o anúncio da Netflix.

Confissão gravada

A confirmar-se a tese do “Guardian” terá sido mesmo a Netflix a tramar El Chapo. A operadora retratou a vida de Pablo Escobar – o colombiano que construiu um império de droga que Penn diz ter sido ultrapassado pela Sinaloa de Chapo – numa série de grande sucesso que mereceu duas nomeações para os Globos de Ouro. O mexicano quis ter um tributo semelhante, mas em vida e com capacidade de gerir o guião.

Uma das suas principais preocupações, conta Penn, era “não ser retratado como uma freira”. O estatuto de fugitivo não o enclausurou – “tenho frotas de submarinos, aviões barcos e camiões”. Mas para além de reconhecer a fortuna, também esclareceu sobre as suas origens: “vendo mais heroína, metanfetaminas, cocaína e marijuana que qualquer outra pessoa no mundo”.

Agora vai ter de dirigir o negócio a partir de uma prisão, pela terceira vez na vida. Mas, sem moral para rejeitar a extradição depois do embaraço provocado pelas duas fugas anteriores, as autoridades mexicanas já anunciaram que desta vez entregarão o barão da droga ao vizinho norte-americano. Depois de ter saído entre a roupa suja (em 2001) e de ter enviado engenheiros para Alemanha para aprenderem a fazer o túnel que o libertou em 2014, Guzmán terá de inovar para iludir a segurança dos estabelecimentos norte-americanos. Em Prison Break – Hollywood, claro – pode roubar algumas ideias.