Coliseu. As salas, espaços e bastidores escondidos há 125 anos

Coliseu. As salas, espaços e bastidores escondidos há 125 anos


A viagem é tendencialmente ao passado desde a abertura do Coliseu, em 1890. 


Desde a opereta “Boccaccio”, de Franz von Suppé, interpretada pela companhia Caracciolo, em 1890, que o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, nunca mais fechou as portas para a Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa. E vão 125 anos.

O pequeno apartamento privado no edifício, do seu proprietário mais conhecido, o republicano Ricardo Covões, era palco de tertúlias onde se reuniam os amigos do empresário, muitas vezes durante toda a noite – alturas em que o Coliseu funcionou na I República como uma alternativa ao Teatro São Carlos. 

No Coliseu há mais salas, zonas técnicas, espaços que ninguém vê. O local onde tudo se passa, a engrenagem que faz os espectáculos funcionarem. No Beco de São Luís da Pena, a “entrada dos artistas” é a fronteira para um labirinto. A primeira surpresa é o bar dos artistas, com mesas de café e restaurante cobertas por toalhas. O balcão corrido, o mobiliário, a bola de espelhos é uma viagem ao passado actualizado pelas assinaturas que enchem quase completamente as paredes. Na sala daquele after show vêem-se os escritos de Frei Hermano da Câmara, Guano Apes, Rui Reininho, Marilyn Manson, Teresa Salgueiro, Adriana Calcanhoto, Pedro Abrunhosa, Enya, os Corvos, o Imperial Russian Ballet ou ainda a frase do artista Fernando Pereira: “Adoro estar no palco, mas não resisto aos bastidores.” O chão axadrezado branco e preto deixa a imaginação deambular. 

Os candeeiros em ferro, no centro do bar, semelhantes aos da rua, fazem lembrar o dia 11 de Novembro de 1889, quando vieram engenheiros e operários de Berlim para colocar a grande cúpula de ferro, o tecto do palco, antes da inauguração, um ano mais tarde, a 14 de Agosto. A estrutura foi construída fora do edifício, pesava 100 toneladas e media quase 50 metros de diâmetro. Foi içada com a ajuda de guindastes à vertiginosa velocidade de dois metros por hora. 

Os cinco pisos do edifício são perceptíveis apenas nos bastidores da sala de espectáculos. Por exemplo, no palco percebem-se os andares com uma espécie de mezaninos técnicos que ajudam a baixar ou levantar os cenários. São pelo menos 48 “varas” – como se chamam os diferentes cenários –, accionadas electricamente ou à mão. Nos pesos em ferro colocados perto das varas, nos cabos de aço, nas cordas e nos passadiços que provocam vertigens, entende-se a azáfama dos técnicos conforme o palco recebe música, teatro, dança ou outro espectáculo, com as suas especificidades.

Quem se senta descansadamente na plateia ou no próprio palco está longe de perceber que, por baixo, há galerias com secções elevatórias accionadas por elevadores gigantes. Junto ao palco há uma porta que normalmente é utilizada para sair directamente para as galerias do público. À saída, uma sala que hoje serve de arrecadação. Mas as argolas presas à parede e as divisórias que criavam pequenos ou grandes espaços individuais recordam os tempos em que ali permaneciam os animais que vinham com o circo. 

O palco do circo, redondo, centenário, sempre colocado no centro da plateia, está desmontado no piso 3. O cheiro à entrada não deixa dúvidas: na carpintaria restauram-se as cadeiras, concertam–se os palcos, atenta-se às madeiras. No fundo da sala, uma abertura para o palco e um pequeno guindaste facilitam o acesso entre os dois espaços.

As escadas para o piso inferior dão para os camarins, austeros, simples, de estilo retro, em tudo semelhantes a quartos de hotel, mas sem as camas. No mesmo 2.o piso, uma pequena arrecadação guarda algumas memórias e o odor a papel antigo. Um exemplar do cinquentenário do Coliseu assinado por Ricardo Covões, partituras, recortes de jornais quase sem tinta e, pousado numa prateleira, um pequeno livro da programação do Coliseu para 1926.

Na sala do som, o cheiro também é característico. As mesas de mistura, colunas, walkie-talkies, grandes cabos eléctricos, ecrãs e, a meio, uma abertura directamente para o palco, tal como a carpintaria, mas sem o guindaste.

Pelos corredores, algumas fotos amareladas de espectáculos, visitas, cerimónias e uma homenagem “ao benemérito amigo senhor Ricardo Covões” da Associação dos Inválidos do Comércio. Outra surpresa é uma enorme sala com barras nas paredes, inevitavelmente para bailarinos, espaldares e colchões verdes: a sala dos ensaios. Uma pequena porta, mais uma arrecadação: desta vez, espingardas, espadas, um piano, o presépio e uma máquina de costura das antigas. Talvez com tantos anos quantos o Coliseu comemora hoje.

A família Covões está há quatro gerações no Coliseu, apesar de não terem sido os primeiros proprietários. A ideia foi do solicitador José Frederico Ciríaco, do professor de Filosofia Pedro Monteiro, do dono de armazéns António Caetano Macieira e do comerciante de carnes João Baptista Ahneida.