Carlos Cruz confessa-se ao i na prisão


É o preso 706 da prisão da Carregueira e completou metade da pena em Dezembro. Pediu para sair em liberdade condicional, mas o tribunal recusou. Se não admitir que cometeu os dois crimes de abuso sexual de crianças a que foi condenado no Processo Casa Pia, dificilmente irá para casa antes de Dezembro de 2017.…


É o preso 706 da prisão da Carregueira e completou metade da pena em Dezembro. Pediu para sair em liberdade condicional, mas o tribunal recusou. Se não admitir que cometeu os dois crimes de abuso sexual de crianças a que foi condenado no Processo Casa Pia, dificilmente irá para casa antes de Dezembro de 2017. Carlos Cruz partilha a cela com outros quatro presos, condenados por burla e homicídio. Passa a maior parte do tempo a ler e a escrever – acabou de escrever uma autobiografia – e tem de negociar a única televisão da cela. É por isso que vê, contrariado, a “Casa dos Segredos”: “Queria muito seguir a série “Borgen”, é fabulosa, já pedi para me arranjarem em DVD.” A um mês de fazer 73 anos, Carlos Cruz continua a sentir fascínio pela televisão e confessa que ao final da noite acompanha as novelas da SIC, “produções absolutamente espantosas”. O ex-apresentador insiste que é inocente, compara o seu percurso judicial com o de Sócrates, fala das teorias da conspiração em torno da origem do Processo Casa Pia e confessa que pensou em suicidar-se duas vezes.

Foi-lhe negada a liberdade condicional. Esperava esta decisão?

Na verdade, ainda não fui informado da decisão. Fui notificado pelos canais de televisão. Tem sido uma prática invocar–se a não assunção do crime e o não arrependimento para negar a liberdade condicional e as saídas precárias. É uma argumentação com que não concordo. Tenho, aliás, pareceres privados de sete juristas que são unânimes em considerar que é inconstitucional.

Que juristas são esses?

Não vou revelar os nomes porque são pareceres privados. Mas todos concordam que negar estes direitos a um recluso por se recusar a confessar o crime viola a Constituição e o Código Penal. Até porque um dos direitos do arguido é o silêncio, e isso não pode ser usado contra ele. Por isso, mesmo que isto fosse um segundo julgamento – que não é, é apenas a análise das condições do recluso para aceder à liberdade condicional -, eu teria sempre o direito de me manter calado, e portanto não exteriorizar nem arrependimento nem a assunção do crime. E isso nunca poderia ser usado contra mim. Vamos recorrer para a Relação.

Não seria mais fácil confessar e sair em liberdade?

Isso repugna-me. Admitir isso é comprar a minha liberdade com uma mentira. Nem percebo como é que o sistema português se predispõe a aceitar uma mentira para conceder uma benesse. E digo-lhe mais: quanto mais se prolonga a minha estada na prisão, recusando vender a minha liberdade a troco de uma mentira, mais superior moralmente me sinto.

Antes do Processo Casa Pia já se interessava por direito?

Não, nada. Achava que a aplicação da justiça era a defesa da justiça. Nós sabemos que a justiça existe, mas não conseguimos definir o que ela é: é um conceito abstracto de coesão do tecido social. Como cidadão aceitava os tribunais como templos da justiça. Hoje não sou só crítico, sou desiludido. Não acredito na aplicação da justiça em Portugal. Ponho sempre em dúvida qualquer decisão, porque atravessei todos os patamares da aplicação da justiça. Sou frontalmente contra – e isto é uma questão pessoal – as condenações por convicção pessoal.

Há outro caso, recente e mediático, de um detido que também se diz inocente. O engenheiro Sócrates queixa-se de que em Portugal se prende para investigar. Olha com desconfiança a detenção do ex-primeiro-ministro?

Não sei se ele cometeu ou não algum crime e não julgo as pessoas. O que eu noto, sem querer comparar o meu processo com o dele, é que o percurso que o caso dele está a seguir é muito semelhante ao meu. Estive detido preventivamente oito meses sem saber do que era acusado. Também escrevi uma carta ao DN. Também fui proibido de dar uma entrevista ao “Expresso”. Também se disse que eu ia fugir – eu era por Quarteira, ele pela Portela de Sacavém. Eu fui condenado pela ressonância da verdade e, a continuar este filme, ele será condenado pela ressonância da mala de viagem.

Acredita então que ele está inocente?

Não tenho qualquer juízo de valor sobre se ele cometeu ou não algum crime. O que estou a dizer é que o percurso judicial está a ser muito semelhante ao meu – o que me leva a imaginar que haverá mais casos assim. Estou convencido de que há uma margem significativa da população prisional portuguesa composta por gente inocente. Estou perfeitamente convencido disso pelas conversas que vou tendo aqui na cadeia, por acórdãos que vou lendo e que levantam dúvidas sobre se as pessoas são de facto culpadas.

Muitas pessoas, quando ouvem o Carlos afirmar que é inocente, interrogam- -se sobre a razão por que foi envolvido no processo. Tem uma explicação?

Se tivesse encontrado o culpado naturalmente que o denunciaria. A única explicação do foro meramente especulativo que eu tenho é que este processo nasceu muito torto, com uma ânsia de descobrir culpados. A investigação partiu do princípio que o crime existia e motivaram-se os jovens para mentir.

Com dinheiro?

À custa de dinheiro, de fama. A própria Catalina Pestana, logo no início, esteve na Assembleia da República a dizer que os rapazes eram assediados, nomeadamente por jornalistas, que lhes ofereciam dinheiro para eles dizerem nomes. Gerou-se um tal pânico moral em função do ritmo das notícias que iam saindo na imprensa que os próprios investigadores se convenceram de que era tudo verdade e que tinham de se encontrar culpados. Outra razão é que, para credibilizar o processo – à semelhança do que aconteceu noutros processos em Itália, Espanha, França, Estados Unidos, Canadá -, era preciso ir buscar alguém com alguma notoriedade.

Para criar impacto mediático e pressionar as instâncias judiciais?

Sim, é uma estratégia recorrente neste tipo de processos de abusos sexuais.

Mas isso não responde à questão: porquê o Carlos Cruz? E porquê construir um processo em torno da Casa Pia?

Há várias teorias da conspiração. Não posso subscrever a veracidade de nenhuma, embora haja uma que poderá ter alguma solidez: a de que havia um projecto de tentativa de destruição da Casa Pia para alguém tomar conta do colégio como fundação de direito privado, devido ao seu grande património. Tudo o que fosse aumentar o escândalo da incapacidade da Casa Pia de funcionar decentemente e proteger as suas crianças ajudaria. Mas isto é só uma teoria.

Que fundação privada é essa?

Não lhe vou dizer.

Também há a teoria política. O processo decapitou uma parte do PS.

Também há essa outra teoria de que se tratou de um processo político. Mas a pergunta é: o processo nasce como político ou foi a reboque dos acontecimentos? Eu nunca fui militante de nenhum partido, mas estive ligado à candidatura do João Soares, o Euro 2004 foi do governo socialista… admito que tudo isto seja possível e que nada disto seja possível. Não tenho razões objectivas que me permitam acusar alguém, seja uma instituição seja uma pessoa. Mas acredito plenamente que era importante acusar, para que o processo não fosse um fiasco para a justiça, uma pessoa com a notoriedade que eu tinha.

Ao longo destes anos alguém lhe deve ter contado a origem do processo.

Várias pessoas o fizeram. Por isso é que não posso escolher uma teoria, porque há várias e não tenho prova de nada. Há até quem aponte uma só pessoa como responsável por eu ter sido envolvido.

Quem é essa pessoa?

Não posso dizer. Seria levantar um falso testemunho terrível.

A ser verdade que é inocente, teria de ter havido uma acção coordenada de várias instâncias, da investigação aos tribunais. Alguém ou alguma instituição, sozinha, tem poder suficiente para mobilizar tantos sectores?

Tem dúvidas?

Quem? A maçonaria?

A maçonaria é uma hipótese, o Opus Dei é outra. Interesses privados outra hipótese, vingança pessoal, evitar concorrência profissional.

Isso seria no mínimo assustador.

Não tenha a menor dúvida de que vivemos num país assustador.

As pessoas deixam-se corromper?

A corrupção não é só material, há a corrupção moral, a corrupção para a conquista do poder. Não tenho a menor dúvida de que a nossa sociedade está cheia de tensões e de conflitos por sermos um país pequeno, pobre, subdesenvolvido. Isso gera uma série de fenómenos sociais incontroláveis. Se não houver um sistema de justiça que consiga controlar e dirimir estas questões… Acho que a nossa justiça, e lamento dizê-lo, muito em promiscuidade com alguma comunicação social, tem o poder de fazer o que quiser, mas falta-lhe uma coisa muito importante: autoridade ética e moral.

Porque os agentes da justiça não têm esses valores?

Não têm essa autoridade, não a conquistaram. Em Portugal usa-se o poder sem autoridade. O poder transformou-se num campo de luta de poderes, que domina a nossa sociedade transversalmente.

Como é que as vítimas souberam que o Carlos Cruz tem um sinal no corpo?

Eu não tenho nenhum sinal no corpo! Isso foi visto na medicina legal: eu não tenho nenhum sinal no corpo! O rapaz diz que eu tenho uma mancha do tamanho de uma moeda de um cêntimo no pénis. Não tenho, é mentira! Nunca tive. Este processo está cheio de mentiras.

Pelo meio, várias pessoas abandonaram o caso. Um dos advogados das vítimas, o José António Barreiros, chegou a dizer uma frase enigmática antes de sair: “Se eu abrisse a boca, provocaria turbulência.”

Mas ele não abre. Como há dias também vi uma afirmação de uma senhora inspectora da PJ, de grande prestígio, dizer que não fala do Processo Casa Pia porque foi a pior fase da vida dela. Porquê?

Se for como diz, porque é que ninguém fala? Alguém teria de ter problemas de consciência, ou não?

A consciência em Portugal é muito usada como provocadora de represálias.

As pessoas têm medo, é isso?

Têm medo. Vivemos numa sociedade de medo. Isto foi, e continua a ser, um processo muito perverso.

Sei que tem estado a trabalhar numa autobiografia. Já está adiantada?

Está pronta, acabei ontem a terceira revisão. Escrevi 1300 páginas à mão e depois tive de ir mandando para ser passada a computador. Depois vinham as folhas e tinha de fazer emendas. Quero ver se sai antes do Verão.

O livro é sobre o processo?

Não, termina com a minha prisão. Porque considero que, desde esse dia, deixei de existir. Passei a ser uma pessoa inventada pelo Estado. O meu verdadeiro eu está suspenso desde o dia em que fui preso. A pessoa que está aqui, agora, é um outro eu. O Estado é dono do meu físico, mas não é dono do meu espírito. Nada mata o meu espírito, tendo a consciência tão tranquila como eu tenho. Não pode imaginar o que é uma pessoa estar presa e ter a consciência tranquila. Dá uma serenidade tão grande para enfrentar a prisão que eu nunca admitia que fosse possível quando estava lá fora.

Sendo inocente, o natural não seria sentir revolta em vez de serenidade?

Não. Sinto a serenidade de quem está inocente, não tem nada a pagar à sociedade e está apenas amarrado pelo Estado fisicamente. E este período há-de acabar e eu hei-de exercer a minha cidadania de forma plena.

Diz-se que o Carlos é uma pessoa solitária na cadeia.

Na prisão não se fazem amizades, mas há pessoas que têm manifestações de amizade e com quem há empatia. E há aqui duas ou três pessoas que hoje poderei dizer que considero minhas amigas. Mas passo, de facto, muito tempo a escrever e a ler. Nesse aspecto sou recatado, mas nas horas de abertura comum convivo com toda a gente e tenho muitas manifestações de solidariedade, quer de presos quer de guardas.

Por norma, os condenados por crimes sexuais têm vidas difíceis na cadeia.

Nunca houve nenhuma manifestação de alguém no sentido de eu ser culpado. E tenho diariamente muitas manifestações de apoio… até agora, quando me tiraram a condecoração, muitos reclusos vieram ter comigo e disseram: “Ó senhor Carlos Cruz, não ligue, é só um pedaço de lata.”

Ficou perturbado por lhe terem tirado a condecoração?

Não. Até porque o objecto em si não tem valor. Nem sei, aliás, onde o tenho. E há uma coisa que eles não conseguem apagar da história, a razão pela qual eu a recebi: pelo desenvolvimento, inovação e progresso do audiovisual português.

Porque é que só lhe retiraram a medalha agora? Já está preso há três anos.

É para manter a chama viva.

Como? Isto também faz parte do plano dos que o condenaram?

Não. Mas de vez em quando há um bicada que tem de ser dada. Até porque se aproximava a data de cumprir metade da pena e ser ouvido para a liberdade condicional. Eu não acredito em bruxas, mas…

Esses dois ou três amigos que tem cá dentro e de que falava são famosos?

São anónimos que só conheci cá dentro.

Esta cadeia é conhecida por ser VIP. É um hotel de cinco estrelas?

Não posso pronunciar-me, por uma questão ética, sobre a cadeia. Por ser recente em termos de construção, é capaz de ser das melhores no que diz respeito à higiene pessoal, e por aqui me fico. Mas posso acrescentar que sou muito crítico em relação ao regulamento geral das prisões e quero tentar contribuir, logo que seja possível, para que muita coisa seja emendada. Há o discurso oficial de que o sistema está orientado para a ressocialização, a reinserção e o estreitamento dos laços familiares… mas isso não acontece. Como é que se compreende que o recluso só tenha direito a uma chamada de cinco minutos por dia para a família e que se a chamada cair ou for para o voice mail não se possa repetir o telefonema? Isto é reforçar os laços familiares? Impedir, por exemplo, que a minha filha me traga um teste da escola para eu ver? Os familiares não podem trazer um papel, eu não posso levar uma caneta para a visita para a minha filha me fazer um desenho… E a lista de coisas que as pessoas podem ter… não posso ter pantufas, só chinelos de quarto…

Uma cadeia em princípio não é para ser confortável.

Porquê?

Porque é um lugar onde as pessoas estão a pagar um crime, um castigo.

Esse é que é o erro: a prisão não é um castigo. Essa é a mentalidade portuguesa. Enquanto lá fora a filosofia do cumprimento pena é reconstrutiva, cá é punitiva. Por isso é que lá fora a média de reincidência dos crimes é de 20% e em Portugal ultrapassa os 50%. Há presos aqui dentro que me dizem: “Estão a transformar-me num animal, não sei o que vou fazer quando sair.” Os presos são criminosos, os que cometeram crimes, mas são seres humanos. O objectivo é recuperar para a sociedade.

Tem muitas visitas?

Tenho cento e tal pessoas na lista de visitantes, mas só podem vir três por visita. Tenho duas visitas por semana. O domingo é para a família e à terça vêm amigos.

Custou-lhe a adaptação à prisão?

Não foi agradável, tive de fazer um grande esforço. Refugiei-me na leitura e transformei os livros em aprendizagem e actos de viagem para o exterior. Como me envolvi muito na autobiografia, estive sempre muito ocupado, era como um trabalho e ajudou-me imenso a passar o tempo. Às vezes chegava ao fim do dia, abriam a cela e eu pensava “já?”, e ainda estava a meio de uma ideia. A escrita ajudou-me muito e quero continuar. Quero ver se publico uma espécie de manual de entrevistas: como se faz uma entrevista em rádio e em televisão. Tenho também um projecto para um primeiro romance, uma história um bocado surrealista, mas que me está a divertir. E quero fazer um estudo comparativo dos regimes prisionais da Europa.

O processo destruiu-o por dentro?

Amargou-me. Hoje não sou uma pessoa tão divertida. Fiquei mais amargo, deixei de acreditar em valores em que acreditava antes e estou um bocadinho cínico em relação aos comportamentos de algumas pessoas. No início foi uma violência psicológica grande. Mas considero-me uma pessoa com alguma força interior e quando essa força é baseada na minha inocência e na minha consciência tranquila, é ampliada. Não tenho telhados de vidro. Há quem os tenha e se esforce à brava para os esconder. Muitas das pessoas que me acusam têm telhados de vidro.

Nunca lhe apeteceu desaparecer?

Não, porque faço falta às minhas filhas e às minhas netas. Desaparecer nunca. Além de que seria uma confissão de culpa.

Teve de fazer medicação em algum momento?

Estou com dois problemas de saúde complicados no coração e na espinal medula. Não sei se não terei de ser operado, ainda estou numa fase de diagnóstico. Já fui fazer exames e não são agradáveis. Suspeita-se que os meus bypass entupiram, tenho uma isquémia silenciosa, não tenho sintomas, se me der uma coisa é definitivo. É algo que me preocupa neste momento e não é por mim, é pela família. Não tenho medo nenhum da morte, acho que é só uma passagem para outro sitio qualquer.

É espiritual?

Bastante. E isso também ajuda.

Sempre foi?

Não, começou muito com o processo. Tive de procurar explicações. Se a passagem pela vida é um karma, se existem vidas anteriores e posteriores.

E acredita que há?

Acho que sim. Não exactamente o karma no sentido determinista, mas acho que somos o somatório de coisas que nos aconteceram ou de actos que praticámos no passado. A síntese disso tudo vai fazer uma transformação na vida a seguir. Agora há uma coisa de que tenho medo na vida… é a falta que posso fazer, sobretudo à Mariana [a filha mais nova]… é a minha grande preocupação, uma obsessão. Até porque é uma miúda muito sensível, carente do meu carinho e do da mãe. Estávamos a construir uma relação muito forte e bonita. Como tenho com a Marta [a filha mais velha], embora tenha sido um pai muito ausente, e lamento isso.

Trabalhava de mais?

Sim, casei com o trabalho.

Valeu a pena viver assim?

Não.

Mas construiu uma carreira.

[Silêncio.] Perdi outras coisas, talvez mais significativas.

Como é que se passa de ter tudo para não ter nada?

Pode parecer auto-elogioso, mas não é: já vivi sem nada, já passei fome por um curto período antes de trabalhar em televisão, já tive muito dinheiro, já perdi tudo, já voltei a ter e agora não tenho quase nada. Mas tenho-me a mim, à família e aos amigos. A grande riqueza do ser humano são os afectos, não é o dinheiro. Sou e sempre fui muito desprendido das coisas materiais. Gostava de ter dinheiro, mas não por ter. Nunca tive um depósito a prazo, por exemplo. Gosto de ter dinheiro para poder ter uma coisa de que goste. Mas se não me apetecer nada não preciso de dinheiro. Tanto como numa tasca como no melhor restaurante do mundo, sempre fui assim. Nunca tive hábitos caros.

Foi-lhe diagnosticada alguma depressão?

Tive duas e muito à beira do suicídio, uma mais forte que a outra.

Chegou a pensar em suicídio?

Sim, aliás… tive a pistola à minha frente e não disparei porque o meu médico percebeu ao telefone que eu não estava bem e apareceu. Depois fiz psicoterapia e a coisa normalizou, mas deixou sequelas. Dois ou três anos depois a doença voltou, mais atenuada. Mesmo assim, estive outra vez ali… e mais uma vez foi o meu médico que apareceu no momento certo. Isto foi nos anos 90, depois de uma viagem a África, onde cresci. Senti-me minúsculo, foi a descida a um buraco negro muito profundo.

E a seguir ao processo?

O processo não me causou depressão nenhuma. Pelo contrário, fez nascer em mim toda a minha energia.

Mas também se foi abaixo em alguns momentos?

Não.

Nem com a condenação?

Não.

Que planos tem para quando sair?

A minha grande prioridade é contribuir para a estabilidade emocional da Mariana e depois escrever os livros. Entretanto tenho um convite para fazer um programa de televisão e para uma produtora de espectáculos e aceitei.

Não tem vergonha de voltar à televisão?

Nenhuma.

Não receia ficar marcado como abusador para o resto da vida?

Isso é problema de quem pensa assim. Não me incomoda nada. A minha liberdade é total porque estou inocente e de consciência tranquila.

O Carlos Cruz é homem infeliz?

Não. Mas também não sou feliz. A felicidade é uma coisa que não existe, é uma coisa que queremos. E que não existe por a querermos. Mas não sou infeliz. Há momentos em que gostava de estar noutras condições… mas frustrações… isso não tenho. Nenhuma.