“Tags”, pichagens e “bombing”. A Ineficácia da Lei n.º 61/2013.


Na passada semana veio a público que na última década a CP gastou em limpeza e remoção de grafitis, “tags” e pichagens do seu material circulante cerca de 3,4 milhões de euros. Por sua vez o Município de Lisboa no seu último procedimento de contratação de serviço de limpeza de “tags” e grafitis em toda…


Se a isto somarmos todos os valores despendidos pelos municípios, freguesias, entidades públicas e gestores de monumentos no país, facilmente identificamos dezenas de milhões de euros literalmente gastos para garantir a integralidade do património móvel e imóvel existente no país. Este dinheiro não tem qualquer efeito multiplicador, uma vez que não se trata de investimento público, mas apenas despesa. Mesmo que considerássemos o IVA do consumo das latas de spray por parte daqueles que se dedicam à prática da pichagem e grafitagem (“writers”) verificaríamos que essa receita é ínfima. O preço médio de uma lata de spray é de 3 € e o custo da limpeza dos rabiscos e gatafunhos (“tags”) é frequentemente 100 vezes superior em função do tipo de superfície e a extensão do dano.

Ao analisarmos os trabalhos preparatórios da proposta de lei que resultou na Lei n.º 61/2013, de 23 de agosto depreende-se, pelo menos duas visões do problema (se é que se pode chamar assim). Por um lado, a visão daqueles que encontraram um problema de aplicação do regime penal previsto e punido pelos artigos 212.º e 213.º no Código Penal – uma vez que o crime depende de queixa e muitas das vezes ela não ocorria e, porque a jurisprudência, até então, sempre adotou uma interpretação restritiva do conceito de danificar, desfigurar ou tornar não utilizável – e pretenderam criar um regime de ilícito de mera ordenação social, com a aplicação de contraordenações a factos em tudo similares àqueles que se encontravam já previstos na legislação penal. Atribuindo, especialmente, às autarquias municipais a faculdade de atribuir licenças para a criação de grafitis e na sua inexistência aplicar um regime contraordenacional. Por outro lado, a visão daqueles que enquadravam o diploma como a criação de limites aos direitos constitucionalmente consagrados de livre-expressão e demonstraram as suas preocupações relativamente a isso inclusive com a eventual limitação de direitos políticos e da lei que regula a propaganda política.

(Aqui chegados, entendo conveniente fazer um parêntesis, para assinalar aquilo que já aqui escrevi acerca da necessidade de alteração do regime legal da propaganda política.)

Com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2013, de 23 de agosto e após o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 18/02/2015 referente ao processo n.º 1593/11.2S6LSB.L1-3, o entendimento generalizado foi pela descriminalização da conduta p. e p. nos artigos 212.º e 2013.º quando efetuado por grafitis, “tags”, etc. que viria a ser contrariado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/2017 referente ao processo n.º 319/16.9GBPNF.P1-B.

Ao longo de todo esse período e até ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.4/2018 grassou a confusão entre entidades administrativas e as forças de segurança pública o que se constatará pelos reduzidíssimos processos contraordenacionais nos termos da referida Lei e pelos ainda menores processos judiciais relativos ao crime de dano por grafitis, “tags” e outros.

Após o aludido Acórdão do STJ o entendimento jurisprudencial é que a Lei n.º 61/2013 não descriminalizou qualquer conduta, passando agora a coabitar o regime penal e o regime administrativo de mero ilícito de ordenamento social, sem, contudo, haver qualquer aumento de processos contraordenacionais ou queixas-crime por dano.

O problema, contudo, continua a manifestar-se, pelo menos, de igual forma e o dinheiro que custa aos contribuintes a limpeza dos atos de vandalismo através da “rabiscagem sem gosto e sem critério”.

É talvez chegado o momento (empurrado por eventos recentes) para pôr em prática aquilo que se prevê no artigo 14.º da Lei n.º 61/2013, de 23 de agosto – a avaliação pelo Governo da implementação do regime jurídico criado pela própria lei que deveria ter sido 2 anos após a entrada em vigor do diploma.

Esta avaliação deveria começar por um trabalho antropológico e sociológico consistente (existe em Portugal já alguns trabalhos de grande interesse sobre o tema realizado por académicos e pela própria PSP, bem como noutros países como é caso dos documentos produzidos pela autoridade metropolitana de transportes de Nova Iorque). De seguida deveria ser uniformizada a definição de conceitos nos diferentes regimes. O grafiti em conceito amplo envolve não só aquilo que vandaliza, mas também formas de arte que devem ser acarinhadas e valorizadas. Conceitos como “tag”, pichagem “bombing”, descaracterização, alteração, manchar, etc. Por fim, perceber em definitivo qual o melhor regime que previne e impede a proliferação abusiva e danificadora do espaço que é de todos e que resultam invariavelmente em progressiva sensação de abandono, insegurança e até de sujidade.

Sou um forte defensor da arte urbana, mas há situações que é mesmo de dano e nesses casos não se trata de liberdade de expressão, mas apenas de abuso de direitos.


“Tags”, pichagens e “bombing”. A Ineficácia da Lei n.º 61/2013.


Na passada semana veio a público que na última década a CP gastou em limpeza e remoção de grafitis, “tags” e pichagens do seu material circulante cerca de 3,4 milhões de euros. Por sua vez o Município de Lisboa no seu último procedimento de contratação de serviço de limpeza de “tags” e grafitis em toda…


Se a isto somarmos todos os valores despendidos pelos municípios, freguesias, entidades públicas e gestores de monumentos no país, facilmente identificamos dezenas de milhões de euros literalmente gastos para garantir a integralidade do património móvel e imóvel existente no país. Este dinheiro não tem qualquer efeito multiplicador, uma vez que não se trata de investimento público, mas apenas despesa. Mesmo que considerássemos o IVA do consumo das latas de spray por parte daqueles que se dedicam à prática da pichagem e grafitagem (“writers”) verificaríamos que essa receita é ínfima. O preço médio de uma lata de spray é de 3 € e o custo da limpeza dos rabiscos e gatafunhos (“tags”) é frequentemente 100 vezes superior em função do tipo de superfície e a extensão do dano.

Ao analisarmos os trabalhos preparatórios da proposta de lei que resultou na Lei n.º 61/2013, de 23 de agosto depreende-se, pelo menos duas visões do problema (se é que se pode chamar assim). Por um lado, a visão daqueles que encontraram um problema de aplicação do regime penal previsto e punido pelos artigos 212.º e 213.º no Código Penal – uma vez que o crime depende de queixa e muitas das vezes ela não ocorria e, porque a jurisprudência, até então, sempre adotou uma interpretação restritiva do conceito de danificar, desfigurar ou tornar não utilizável – e pretenderam criar um regime de ilícito de mera ordenação social, com a aplicação de contraordenações a factos em tudo similares àqueles que se encontravam já previstos na legislação penal. Atribuindo, especialmente, às autarquias municipais a faculdade de atribuir licenças para a criação de grafitis e na sua inexistência aplicar um regime contraordenacional. Por outro lado, a visão daqueles que enquadravam o diploma como a criação de limites aos direitos constitucionalmente consagrados de livre-expressão e demonstraram as suas preocupações relativamente a isso inclusive com a eventual limitação de direitos políticos e da lei que regula a propaganda política.

(Aqui chegados, entendo conveniente fazer um parêntesis, para assinalar aquilo que já aqui escrevi acerca da necessidade de alteração do regime legal da propaganda política.)

Com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2013, de 23 de agosto e após o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 18/02/2015 referente ao processo n.º 1593/11.2S6LSB.L1-3, o entendimento generalizado foi pela descriminalização da conduta p. e p. nos artigos 212.º e 2013.º quando efetuado por grafitis, “tags”, etc. que viria a ser contrariado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/2017 referente ao processo n.º 319/16.9GBPNF.P1-B.

Ao longo de todo esse período e até ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.4/2018 grassou a confusão entre entidades administrativas e as forças de segurança pública o que se constatará pelos reduzidíssimos processos contraordenacionais nos termos da referida Lei e pelos ainda menores processos judiciais relativos ao crime de dano por grafitis, “tags” e outros.

Após o aludido Acórdão do STJ o entendimento jurisprudencial é que a Lei n.º 61/2013 não descriminalizou qualquer conduta, passando agora a coabitar o regime penal e o regime administrativo de mero ilícito de ordenamento social, sem, contudo, haver qualquer aumento de processos contraordenacionais ou queixas-crime por dano.

O problema, contudo, continua a manifestar-se, pelo menos, de igual forma e o dinheiro que custa aos contribuintes a limpeza dos atos de vandalismo através da “rabiscagem sem gosto e sem critério”.

É talvez chegado o momento (empurrado por eventos recentes) para pôr em prática aquilo que se prevê no artigo 14.º da Lei n.º 61/2013, de 23 de agosto – a avaliação pelo Governo da implementação do regime jurídico criado pela própria lei que deveria ter sido 2 anos após a entrada em vigor do diploma.

Esta avaliação deveria começar por um trabalho antropológico e sociológico consistente (existe em Portugal já alguns trabalhos de grande interesse sobre o tema realizado por académicos e pela própria PSP, bem como noutros países como é caso dos documentos produzidos pela autoridade metropolitana de transportes de Nova Iorque). De seguida deveria ser uniformizada a definição de conceitos nos diferentes regimes. O grafiti em conceito amplo envolve não só aquilo que vandaliza, mas também formas de arte que devem ser acarinhadas e valorizadas. Conceitos como “tag”, pichagem “bombing”, descaracterização, alteração, manchar, etc. Por fim, perceber em definitivo qual o melhor regime que previne e impede a proliferação abusiva e danificadora do espaço que é de todos e que resultam invariavelmente em progressiva sensação de abandono, insegurança e até de sujidade.

Sou um forte defensor da arte urbana, mas há situações que é mesmo de dano e nesses casos não se trata de liberdade de expressão, mas apenas de abuso de direitos.