Orçamento. “Não se pode tomar este antibiótico duas vezes”


O cumprimento do acordo negociado por Portugal com a troika e o agravamento fiscal para além desse compromisso são o ponto positivo e negativo que o fiscalista, e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo de José Sócrates, Sérgio Vasques destaca na proposta de OE 2012. Para Sérgio Vasques, levar o agravamento fiscal…


O cumprimento do acordo negociado por Portugal com a troika e o agravamento fiscal para além desse compromisso são o ponto positivo e negativo que o fiscalista, e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo de José Sócrates, Sérgio Vasques destaca na proposta de OE 2012.
Para Sérgio Vasques, levar o agravamento fiscal além do que nesse compromisso se tinha assumido, e optar por fazê–lo de um modo que vai gerar efeitos gravosos sobre a economia, cria uma imensa pressão no sentido da evasão fiscal.
 O fiscalista diz que é “obrigação do governo reduzir o défice este ano e em 2012, e considera que isso é a “nossa única esperança”, mas sublinha que “um orçamento como este é um antibiótico que não se pode tomar duas vezes”.
“É verdade, de qualquer maneira, que o agravamento violento dos impostos e a redução súbita dos rendimentos disponíveis tornam muito arriscada a previsão da receita fiscal. E isto seja para 2012 seja para o ano seguinte, já que boa parte do impacto destas medidas só vai sentir-se lá adiante, com a entrega do IRS, do IRC ou do IMI em 2013”, afirma.
No entanto, realça que “há que ter alguma esperança, em qualquer caso, porque não é o pessimismo que nos vai tirar da situação em que estamos”.
Sérgio Vasques afirma que, quanto às empresas, uma das notas mais salientes deste Orçamento é a “falta de qualquer ideia quanto a uma política fiscal para a internacionalização”.
“As nossas empresas estão sufocadas no mercado interno e é urgente criar as condições para que encontrem novos mercados. O Estado não pode com certeza subsidiar a exportação, mas tem a obrigação de ir à frente das empresas”, aponta. “É incompreensível este abandono da nossa política fiscal internacional”, sublinha.
Por outro lado, entende que “só em limitada medida” há equidade social nas medidas de austeridade apresentadas.
“É verdade que há uma correcção de situações de injustiça, como seja o aproveitamento exagerado das deduções à colecta de IRS pelos contribuintes com maiores rendimentos. Mas os estudos de impacto já vindos a público mostram que as alterações têm um impacto proporcionalmente maior nos agregados com menores rendimentos, que são tendencialmente agregados formados também por trabalhadores dependentes”, afirma, destacando: “É também sobre os agregados com menores rendimentos que pesa sobretudo o agravamento do IVA no gás e na electricidade.”
 “Temos de encontrar forma de mitigar estes efeitos, pois entramos nesta crise como um dos países mais desiguais da OCDE e não podemos sair dela em piores condições”, declara.
Quanto à redução da taxa social única, o fiscalista considera que as alterações feitas à taxa intermédia do IVA são sobretudo problemáticas quanto ao sector da restauração.
Para Sérgio Vasques, seria talvez possível racionalizar o IVA fazendo convergir as taxas para uma taxa única de 16% ou 17%, sem perda de receita. “Querer racionalizar o IVA fazendo convergir tudo para os 23% não só produz efeitos gravíssimos sobre certos sectores como acabará por não gerar a receita esperada”, afirma.
O fiscalista vai mais longe e diz que estas medidas vão estimular a evasão fiscal porque, “ao contrário do que se afirma no relatório, este orçamento estreita as bases de incidência e estimula a fraude”. “O caso do IVA na restauração é paradigmático. Agravar a taxa de 13% para 23% constitui um poderosíssimo incentivo à fraude num sector que por natureza é de risco, onde temos operadores muito dispersos, por vezes com escassa organização e em contacto directo com os consumidores finais”, diz.
Em seu entender, sujeitar a restauração à taxa normal faz com certeza sentido, mas sendo ela de 16% ou 17%, e é pouco provável que isto se possa contrariar com um pequeno crédito de IRS pelas facturas que o contribuinte apresente.
No entanto, reconhece que era necessária uma racionalização dos benefícios fiscais. “Reconheço que houve alguma dose de coragem do governo nesta matéria”, declara.
“O abandono com que se criaram e multiplicaram regimes de benefício, da zona franca à propriedade intelectual, não se podia manter para sempre. Mas é verdade que a curto prazo será um desafio recuperar o crescimento económico depois de digerir todo este agravamento de impostos”, conclui.

“Ousadia da mudança” O ex-ministro das Finanças e da Economia Joaquim Pina Moura disse ao i que neste momento a “ousadia da mudança” é necessária “para relançar a esperança de uma vida melhor”.
“As dramáticas medidas e decisões que integram o OE 2012 só podem ser compreendidas e explicáveis pela gravidade da situação económica e social que o país atravessa, para mais inserida numa crise europeia e mundial que não tem parado de se agravar nos últimos meses.”
Para Pina Moura, neste quadro, “o mais fácil seria discordar das medidas, nomeadamente daquelas que dizem respeito à perda de rendimentos salariais dos funcionários públicos e dos reformados”.
O antigo governante socialista acrescenta: “Igualmente, o mais popular seria recuar, num caminho cheio de dificuldades e perigos para a própria estabilidade social e política do país.”
O ex-ministro de António Guterres relembra que “o mais difícil é construir em vez de desistir, até porque não temos para onde recuar”.
“Gostaria de sublinhar na comunicação feita ao país pelo primeiro ministro sobre o tema, para além do reconhecimento da gravidade da situação, a reafirmação de três objectivos fundamentais: iniciar reformas estruturais, prosseguir a consolidação orçamental e acudir aos dramas que a política de estabilização, necessariamente, está a produzir”, faz questão de destacar.