O PS não pode transformar-se num atrelado


Deixar Mortágua bipolarizar a sociedade portuguesa é diminuir o PS e torná-lo num mero fornecedor de votos.


Nota prévia: Vladimir Putin foi reeleito Presidente da Federação Russa para alegria da extrema-direita europeia, americana e dos comunistas sobrantes. A farsa foi total e até meteu supostos adversários. Houve protestos pontuais por parte de democratas no país, mas fora dele muitos russos manifestaram-se contra o regime. É o quinto mandato do tirano. Terá seis anos e pode fazer outro. Ainda antes de abrirem as urnas o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, felicitou ironicamente Putin pela esmagadora vitória. Putin é um dileto seguidor e dinamizador de práticas soviéticas. Veja-se: em 1940, um agente matou Leon Trotsky, no México, onde estava exilado, usando uma picareta. Estaline foi o mandante. Há dias, Leonid Volkov, um dissidente ex-chefe de gabinete de Navalny, exilado na Lituânia, foi agredido com 15 golpes de martelo. Escapou por pouco. O mesmo método e apenas uma diferença de instrumento… 84 anos depois.

1. Desde a noite eleitoral, quando aceitou com inédita benevolência a derrota, que Pedro Nuno Santos submergiu. Deve emergir agora quando for a Belém. O líder socialista rendeu-se logo a 10 de março para renascer a partir da oposição, dando espaço a um Montenegro talvez na esperança de que tenha uma vitória de Pirro. Para PNS há várias vantagens. Uma delas é livrar-se de António Costa, que entra em pousio. Sendo um adepto entusiasta de uma geringonça, PNS está a ser superado na liderança da oposição por Mariana Mortágua. Ignorando o seu deplorável resultado eleitoral, a líder bloquista desenvolve a estratégia de fomentar uma frente de esquerda radicalizada. Quer um movimento que divida o país em dois blocos, incitando quase ao confronto de ódio. É uma tática sectária. Vai ao ponto de o Bloco se colar a uma moção de rejeição do PCP sem a ler. Até o cerebral Livre começa a dar sinais de já não distinguir a AD do Chega. O líder do PS tem também essa visão dicotómica. Arrisca-se a transformar o PS num mero atrelado de transporte de votos. Ora, o partido de Mário Soares foi sempre o condutor e o motor de soluções e até de compromissos (chegou a coligar-se com o CDS). O novo PS é mais Zenha que Soares. Mas o seu eleitorado tradicional não o é, como bem sabem muitos dos seus dirigentes, conhecedores da sua história e da sua prática. Não é de admirar que comece a desfazer-se a paz interna.

2. Mal ou bem, já se percebeu que a interpretação do Presidente Marcelo é que AD é um todo indivisível estabelecido para todo o sempre ao jeito de um casamento católico. Portanto, não há que ouvir separadamente os membros do binómio sobre a situação política. É preciso ter fé no enlace. Para Marcelo, Montenegro é o cabeça de casal. Como juntos devem ultrapassar o PS, não vale a pena ligar a pormenores como a formulação que indica que se deve indigitar o maior partido para formar governo, analisados os resultados eleitorais. Depois de três meses de molenga veio a pressa. Se o PS for maior que o PSD não tem importância nenhuma. Vai-se em frente que atrás vem gente. Contraria-se o formalismo que se usou (e bem) quando Costa tentou impingir Centeno para primeiro-ministro. Despreza-se o voto dos emigrantes que ainda está a ser apurado. Pelas contas é ainda possível que o maior partido seja o PS e não o PSD, já que a AD é uma inexistência jurídica. Também não seria estranho se o Chega fosse buscar um deputado ao PS no círculo Fora da Europa. Significaria que Santos Silva, o grande insuflador de Ventura, ficaria fora. Logo ele que em jovem era um portentoso trotskista. Agora daria jeito ao frentismo de Mariana.

3. Seguindo o raciocínio presidencial, há que desligar da minudência dos resultados eleitorais e aguardar que Montenegro mostre os seus trunfos governativos. Circulam nomes em abundância. Não vale a pena citá-los. São o que se espera da bolha político-mediática. Se dois terços estiverem certos, então teremos um governo partidário e tecnicamente fraco. É essencial que Montenegro saia do recrutamento na “jotalândia” e no aparelho, trazendo gente com vida feita e reconhecida. Quem, como ele, admira Cavaco tem por obrigação tentar seguir o caminho de 1985.

4. Muita da luta política vai-se travar no parlamento e nos apontamentos e reportagens que os jornais televisivos das 20 horas, os canais de informação, as rádios e as redes sociais vão explorar à exaustão. Há um trabalho de fundo e outro de combate mediático. Para o PSD, é crucial a escolha do nome do líder parlamentar que substituirá o mortiço Sarmento. Fala-se de Teresa Morais. É um potencial tiro no pé, tal como foi colocá-la em Setúbal como cabeça de lista. Deputados como Fernando Negrão (insuspeito de ser “rioísta” e um potencial presidente do parlamento) e Paulo Rios vão fazer muita falta. Há uma garra e um reconhecimento indispensável para exercer essa função fundamental de apoio de primeira linha ao governo que Teresa Morais não tem. Montenegro tinha e foi fundamental para Passos Coelho. Portanto, tem a obrigação de acertar.

5. Logo que a nova Assembleia se reunir, começam as votações para a presidência, as vice-presidências e os restantes membros da mesa do parlamento. Ali se começará a ver até que ponto haverá interação à direita. Na anterior sessão o Chega viu negada uma vice-presidência. Foi a primeira vez que sucedeu em democracia a um partido com os 12 deputados que tinha na altura. Os não menos radicais bloquistas foram contemplados em legislaturas anteriores. As votações são por voto secreto. Serão um sinal de confirmação ou de alívio de linhas vermelhas, pouco desejáveis num parlamento onde dominam três forças: PSD, PS e Chega. A elas se juntam partidos mais pequenos: Liberais, Bloco, Livre, PCP, CDS e PAN. A coisa promete! A realidade manda dizer que o Chega ganhou direito a presidir a comissões e a agendar mais ou menos o que entender. Além disso, haverá espaço para designar nomes propostos pelo Chega para múltiplas instituições, o que normaliza o partido.

6. O Bloco reuniu-se no fim de semana. Decidiu-se que Catarina Martins será cabeça de lista ao Parlamento europeu. A escolha é boa e mostra várias coisas. Uma delas é que as manas Mortágua, Marisa Matias e Catarina põem e dispõem do partido, construindo as suas vidinhas através de portas giratórias bem pagas. Quando saiu da liderança, Catarina falou de novos projetos. Afinal, tirando umas madeixas no cabelo e uma substituição remunerada de Mariana na SIC não se viu nada. O poder tem mel e regalias que a vida civil não traz. A ganância é igual à direita e à esquerda.

7. O relatório decorrente das denúncias de assédios, entre eles o sexual, no Centro de Estudos Sociais de Coimbra (CES), no qual pontifica Boaventura Sousa Santos, confirmou suavemente essas repugnantes práticas. De facto, não cita os molestadores pelos nomes, num estranho exercício de silenciamento. Há 14 denunciados e 32 denunciantes, quase todos mulheres. As vítimas referem beijos húmidos, toques nas coxas e olhares lascivos, entre outras coisas. Apesar disso, o mais que o relatório faz é admitir que houve padrões de conduta de abuso de poder e de assédio. Alegadamente envolvido nessas práticas, Boaventura Sousa Santos rejubilou logo com as conclusões, afirmando que nada foi provado contra ele. Talvez. Mas nunca uma situação foi tão desprestigiante para uma instituição onde se denunciavam, em nome de valores de esquerda, abusos e descriminações contra as mulheres, designadamente as de natureza sexual e racista. Resta ver se as vítimas se conformam ou passam à fase seguinte. O tempo que levou a ser feito e a natureza vaga do relatório favorecem quem queira tapar eventuais práticas vergonhosas. Em Espanha, por bem menos, o poderoso Rubiales foi apeado de presidente da federação de futebol. Há que esclarecer a fundo o caso CES.

8. Falando de instituições, assinale-se que Ana Jorge – a exercer há cerca de um ano o cargo de provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – não parece ter sido feliz no que toca a solidariedade quanto à escolha das administradoras da instituição. Se, por um lado, nem sempre pode contar com vitória, por outro, sofre de um arreliador passo a passo.

O PS não pode transformar-se num atrelado


Deixar Mortágua bipolarizar a sociedade portuguesa é diminuir o PS e torná-lo num mero fornecedor de votos.


Nota prévia: Vladimir Putin foi reeleito Presidente da Federação Russa para alegria da extrema-direita europeia, americana e dos comunistas sobrantes. A farsa foi total e até meteu supostos adversários. Houve protestos pontuais por parte de democratas no país, mas fora dele muitos russos manifestaram-se contra o regime. É o quinto mandato do tirano. Terá seis anos e pode fazer outro. Ainda antes de abrirem as urnas o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, felicitou ironicamente Putin pela esmagadora vitória. Putin é um dileto seguidor e dinamizador de práticas soviéticas. Veja-se: em 1940, um agente matou Leon Trotsky, no México, onde estava exilado, usando uma picareta. Estaline foi o mandante. Há dias, Leonid Volkov, um dissidente ex-chefe de gabinete de Navalny, exilado na Lituânia, foi agredido com 15 golpes de martelo. Escapou por pouco. O mesmo método e apenas uma diferença de instrumento… 84 anos depois.

1. Desde a noite eleitoral, quando aceitou com inédita benevolência a derrota, que Pedro Nuno Santos submergiu. Deve emergir agora quando for a Belém. O líder socialista rendeu-se logo a 10 de março para renascer a partir da oposição, dando espaço a um Montenegro talvez na esperança de que tenha uma vitória de Pirro. Para PNS há várias vantagens. Uma delas é livrar-se de António Costa, que entra em pousio. Sendo um adepto entusiasta de uma geringonça, PNS está a ser superado na liderança da oposição por Mariana Mortágua. Ignorando o seu deplorável resultado eleitoral, a líder bloquista desenvolve a estratégia de fomentar uma frente de esquerda radicalizada. Quer um movimento que divida o país em dois blocos, incitando quase ao confronto de ódio. É uma tática sectária. Vai ao ponto de o Bloco se colar a uma moção de rejeição do PCP sem a ler. Até o cerebral Livre começa a dar sinais de já não distinguir a AD do Chega. O líder do PS tem também essa visão dicotómica. Arrisca-se a transformar o PS num mero atrelado de transporte de votos. Ora, o partido de Mário Soares foi sempre o condutor e o motor de soluções e até de compromissos (chegou a coligar-se com o CDS). O novo PS é mais Zenha que Soares. Mas o seu eleitorado tradicional não o é, como bem sabem muitos dos seus dirigentes, conhecedores da sua história e da sua prática. Não é de admirar que comece a desfazer-se a paz interna.

2. Mal ou bem, já se percebeu que a interpretação do Presidente Marcelo é que AD é um todo indivisível estabelecido para todo o sempre ao jeito de um casamento católico. Portanto, não há que ouvir separadamente os membros do binómio sobre a situação política. É preciso ter fé no enlace. Para Marcelo, Montenegro é o cabeça de casal. Como juntos devem ultrapassar o PS, não vale a pena ligar a pormenores como a formulação que indica que se deve indigitar o maior partido para formar governo, analisados os resultados eleitorais. Depois de três meses de molenga veio a pressa. Se o PS for maior que o PSD não tem importância nenhuma. Vai-se em frente que atrás vem gente. Contraria-se o formalismo que se usou (e bem) quando Costa tentou impingir Centeno para primeiro-ministro. Despreza-se o voto dos emigrantes que ainda está a ser apurado. Pelas contas é ainda possível que o maior partido seja o PS e não o PSD, já que a AD é uma inexistência jurídica. Também não seria estranho se o Chega fosse buscar um deputado ao PS no círculo Fora da Europa. Significaria que Santos Silva, o grande insuflador de Ventura, ficaria fora. Logo ele que em jovem era um portentoso trotskista. Agora daria jeito ao frentismo de Mariana.

3. Seguindo o raciocínio presidencial, há que desligar da minudência dos resultados eleitorais e aguardar que Montenegro mostre os seus trunfos governativos. Circulam nomes em abundância. Não vale a pena citá-los. São o que se espera da bolha político-mediática. Se dois terços estiverem certos, então teremos um governo partidário e tecnicamente fraco. É essencial que Montenegro saia do recrutamento na “jotalândia” e no aparelho, trazendo gente com vida feita e reconhecida. Quem, como ele, admira Cavaco tem por obrigação tentar seguir o caminho de 1985.

4. Muita da luta política vai-se travar no parlamento e nos apontamentos e reportagens que os jornais televisivos das 20 horas, os canais de informação, as rádios e as redes sociais vão explorar à exaustão. Há um trabalho de fundo e outro de combate mediático. Para o PSD, é crucial a escolha do nome do líder parlamentar que substituirá o mortiço Sarmento. Fala-se de Teresa Morais. É um potencial tiro no pé, tal como foi colocá-la em Setúbal como cabeça de lista. Deputados como Fernando Negrão (insuspeito de ser “rioísta” e um potencial presidente do parlamento) e Paulo Rios vão fazer muita falta. Há uma garra e um reconhecimento indispensável para exercer essa função fundamental de apoio de primeira linha ao governo que Teresa Morais não tem. Montenegro tinha e foi fundamental para Passos Coelho. Portanto, tem a obrigação de acertar.

5. Logo que a nova Assembleia se reunir, começam as votações para a presidência, as vice-presidências e os restantes membros da mesa do parlamento. Ali se começará a ver até que ponto haverá interação à direita. Na anterior sessão o Chega viu negada uma vice-presidência. Foi a primeira vez que sucedeu em democracia a um partido com os 12 deputados que tinha na altura. Os não menos radicais bloquistas foram contemplados em legislaturas anteriores. As votações são por voto secreto. Serão um sinal de confirmação ou de alívio de linhas vermelhas, pouco desejáveis num parlamento onde dominam três forças: PSD, PS e Chega. A elas se juntam partidos mais pequenos: Liberais, Bloco, Livre, PCP, CDS e PAN. A coisa promete! A realidade manda dizer que o Chega ganhou direito a presidir a comissões e a agendar mais ou menos o que entender. Além disso, haverá espaço para designar nomes propostos pelo Chega para múltiplas instituições, o que normaliza o partido.

6. O Bloco reuniu-se no fim de semana. Decidiu-se que Catarina Martins será cabeça de lista ao Parlamento europeu. A escolha é boa e mostra várias coisas. Uma delas é que as manas Mortágua, Marisa Matias e Catarina põem e dispõem do partido, construindo as suas vidinhas através de portas giratórias bem pagas. Quando saiu da liderança, Catarina falou de novos projetos. Afinal, tirando umas madeixas no cabelo e uma substituição remunerada de Mariana na SIC não se viu nada. O poder tem mel e regalias que a vida civil não traz. A ganância é igual à direita e à esquerda.

7. O relatório decorrente das denúncias de assédios, entre eles o sexual, no Centro de Estudos Sociais de Coimbra (CES), no qual pontifica Boaventura Sousa Santos, confirmou suavemente essas repugnantes práticas. De facto, não cita os molestadores pelos nomes, num estranho exercício de silenciamento. Há 14 denunciados e 32 denunciantes, quase todos mulheres. As vítimas referem beijos húmidos, toques nas coxas e olhares lascivos, entre outras coisas. Apesar disso, o mais que o relatório faz é admitir que houve padrões de conduta de abuso de poder e de assédio. Alegadamente envolvido nessas práticas, Boaventura Sousa Santos rejubilou logo com as conclusões, afirmando que nada foi provado contra ele. Talvez. Mas nunca uma situação foi tão desprestigiante para uma instituição onde se denunciavam, em nome de valores de esquerda, abusos e descriminações contra as mulheres, designadamente as de natureza sexual e racista. Resta ver se as vítimas se conformam ou passam à fase seguinte. O tempo que levou a ser feito e a natureza vaga do relatório favorecem quem queira tapar eventuais práticas vergonhosas. Em Espanha, por bem menos, o poderoso Rubiales foi apeado de presidente da federação de futebol. Há que esclarecer a fundo o caso CES.

8. Falando de instituições, assinale-se que Ana Jorge – a exercer há cerca de um ano o cargo de provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – não parece ter sido feliz no que toca a solidariedade quanto à escolha das administradoras da instituição. Se, por um lado, nem sempre pode contar com vitória, por outro, sofre de um arreliador passo a passo.