A importância do filtro


A espiral de inconsistência que se regista no funcionamento do Estado de Direito e da sociedade portuguesa parece ser pasto que baste para a alimentação dos interesses em presença, entre o individual que se conforma com o que lhe calha e o comunitário que parece entregue a uma espécie de destino.


Nunca como agora, foi tão importante os cidadãos terem capacidade própria de filtragem, de depuração e de elaboração de análises próprias em relação ao que veem, ouvem ou lêem. A relativização de tudo, dos valores às realidades concretas, das ideias aos resultados obtidos, determina a consagração da geometria variável pelos protagonistas da atualidade. Vale tudo para prosseguir determinados efeitos, perceções ou resultados, incluindo dizer uma coisa e o seu contrário, num curto período de tempo.

A contradição é que, sendo o filtro vital para a configuração de escolhas informadas, persistimos em prosseguir processos educativos e de acesso aos conhecimentos em que o exercício da crítica, do pensamento e da triagem dos factos e das informações ora é colocado no plano da replicação (decorar para debitar), ora é entregue cada vez mais a terceiros, as realidades simplificadas construídas por alguém, os polígrafos e a inteligência artificial.
Não houve nem há nenhum esforço integrado e sustentado para ajustar o exercício de construção da cidadania às exigências dos nossos tempos, pela emergência de maiores incoerências, pelo recurso de todos os meios para atingir os fins, pela epidemia de desinformação e pela desmultiplicação de fontes de conhecimento com níveis de fiabilidade muito diferenciados.

Quando é cada vez mais importante a capacidade de exercício da crítica, do escrutínio e da exigência, parece haver um comodismo instalado na persistência do quadro existente, sendo manifesta a degradação das literacias, da capacidade de realização de juízos críticos e das vivências democráticas. A espiral de inconsistência que se regista no funcionamento do Estado de Direito e da sociedade portuguesa parece ser pasto que baste para a alimentação dos interesses em presença, entre o individual que se conforma com o que lhe calha e o comunitário que parece entregue a uma espécie de destino, mais ou menos fatalista em função dos pressupostos que coloca na avaliação das realidades e das propostas para o futuro
.
Será talvez por esta razão, que os debates políticos se colocam sobretudo num plano de arremesso dos passados, mais ou menos distantes, sempre a partir das leituras subjetivas de cada um e a contar com a memória escassa dos portugueses, e no brandir de medos, riscos e dúvidas que não foram superadas pelos exercícios políticos anteriores. As pessoas, as instituições e as empresas estão cada vez mais soterradas nas sobrevivências dos quotidianos para terem uma presença de espírito não promovida e exercitada para a aplicação de filtros eficazes ao que é dito. Os protagonistas sabem que é o presente e o futuro que são relevantes, mas insistem em projetar-se para o passado das leituras à medida para tentar mobilizar os eleitores, com mensagens cada vez mais simplificadas sobre realidades que são cada vez mais complexas. O exercício político e a falta de filtro só podem conduzir a um quadro em que, depois das eleições, no essencial, nada será como o que foi dito em algum momento do processo, também porque alguns estão determinados em prometer tudo a todos, outros em defender o que podiam ter feito e não fizeram, havendo quem modele as narrativas em função das sondagens e das circunstâncias. A falta de coerência, de rigor e de senso conta com a deficiente existência de filtros cívicos em cada um de nós ou com a existência de pretensos filtros comunitários que são seletivos nas realidades analisadas, dentro do arbítrio existente na sociedade, nos diversos setores.
Sem memória e sem filtros ativos na avaliação das realidades e das propostas, o quadro de degradação das vivências democráticas e da coesão social prosseguirá na medida em que a configuração cívica dos cidadãos ao que lhe é conferido seja o suficiente para sobreviver e ter uma apreciação tolerável com as circunstâncias. Todos estão a contar com essa insuficiência de exigência, que foi e é alimentada em diversas fases das nossas vidas e no funcionamento da sociedade. Quebrar esse ciclo, por vontade dos decisores ou por impulso dos cidadãos, é um desafio decisivo para fazer o que ainda não foi feito cinquenta anos depois da revolução e melhorar os caminhos percorridos, que transformaram para melhor o país.
Até lá, haja filtro, já que senso e tento na língua não há.

NOTAS FINAIS

ALFAIATARIA GLOBAL. Excetuando as velhas carcaças do preconceito ideológico, é inacreditável a modelação de posicionamentos e narrativas a que tem existido no debate político. Da demarcação em relação ao passado à colagem total a esse exercício anterior, do extremismo à configuração de um alegado sentido de Estado e de muitas narrativas seletivas em relação ao que se fez para sustentar o suposto encantamento das soluções atuais. A rebaldaria é tal que até a gelatina parece ter mais consistência do que os fatos vestidos pelos protagonistas. 

INCONSISTÊNCIA GLOBAL DA PROPOSTA. A ânsia de travestir o sentido de Estado e o afago a todos os nichos de eleitorado relevantes, revela a inconsistência da proposta do CHEGA, configurado e encorpado no protesto populista. Ele é a isenção do IVA onde não se aplica e a aplicação de fundos comunitários onde não são possíveis, no aumento das pensões. A verborreia tem destas coisas.

AMEAÇA GLOBAL. Mesmo descontando o ser em comício para americano ouvir e ser a título de história, não dá para mitigar a gravidade da verbalização de Donald Trump sobre a NATO. Admitir deixar cair um Aliado e incentivar a Rússia a prosseguir as invasões, coloca-o ao nível do PCP, sendo uma implosão do espírito e sentido da Aliança Atlântica. A insanidade é um risco sério para um mundo já deslaçado pelos interesses particulares e pelos “geonegócios”.

A importância do filtro


A espiral de inconsistência que se regista no funcionamento do Estado de Direito e da sociedade portuguesa parece ser pasto que baste para a alimentação dos interesses em presença, entre o individual que se conforma com o que lhe calha e o comunitário que parece entregue a uma espécie de destino.


Nunca como agora, foi tão importante os cidadãos terem capacidade própria de filtragem, de depuração e de elaboração de análises próprias em relação ao que veem, ouvem ou lêem. A relativização de tudo, dos valores às realidades concretas, das ideias aos resultados obtidos, determina a consagração da geometria variável pelos protagonistas da atualidade. Vale tudo para prosseguir determinados efeitos, perceções ou resultados, incluindo dizer uma coisa e o seu contrário, num curto período de tempo.

A contradição é que, sendo o filtro vital para a configuração de escolhas informadas, persistimos em prosseguir processos educativos e de acesso aos conhecimentos em que o exercício da crítica, do pensamento e da triagem dos factos e das informações ora é colocado no plano da replicação (decorar para debitar), ora é entregue cada vez mais a terceiros, as realidades simplificadas construídas por alguém, os polígrafos e a inteligência artificial.
Não houve nem há nenhum esforço integrado e sustentado para ajustar o exercício de construção da cidadania às exigências dos nossos tempos, pela emergência de maiores incoerências, pelo recurso de todos os meios para atingir os fins, pela epidemia de desinformação e pela desmultiplicação de fontes de conhecimento com níveis de fiabilidade muito diferenciados.

Quando é cada vez mais importante a capacidade de exercício da crítica, do escrutínio e da exigência, parece haver um comodismo instalado na persistência do quadro existente, sendo manifesta a degradação das literacias, da capacidade de realização de juízos críticos e das vivências democráticas. A espiral de inconsistência que se regista no funcionamento do Estado de Direito e da sociedade portuguesa parece ser pasto que baste para a alimentação dos interesses em presença, entre o individual que se conforma com o que lhe calha e o comunitário que parece entregue a uma espécie de destino, mais ou menos fatalista em função dos pressupostos que coloca na avaliação das realidades e das propostas para o futuro
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Será talvez por esta razão, que os debates políticos se colocam sobretudo num plano de arremesso dos passados, mais ou menos distantes, sempre a partir das leituras subjetivas de cada um e a contar com a memória escassa dos portugueses, e no brandir de medos, riscos e dúvidas que não foram superadas pelos exercícios políticos anteriores. As pessoas, as instituições e as empresas estão cada vez mais soterradas nas sobrevivências dos quotidianos para terem uma presença de espírito não promovida e exercitada para a aplicação de filtros eficazes ao que é dito. Os protagonistas sabem que é o presente e o futuro que são relevantes, mas insistem em projetar-se para o passado das leituras à medida para tentar mobilizar os eleitores, com mensagens cada vez mais simplificadas sobre realidades que são cada vez mais complexas. O exercício político e a falta de filtro só podem conduzir a um quadro em que, depois das eleições, no essencial, nada será como o que foi dito em algum momento do processo, também porque alguns estão determinados em prometer tudo a todos, outros em defender o que podiam ter feito e não fizeram, havendo quem modele as narrativas em função das sondagens e das circunstâncias. A falta de coerência, de rigor e de senso conta com a deficiente existência de filtros cívicos em cada um de nós ou com a existência de pretensos filtros comunitários que são seletivos nas realidades analisadas, dentro do arbítrio existente na sociedade, nos diversos setores.
Sem memória e sem filtros ativos na avaliação das realidades e das propostas, o quadro de degradação das vivências democráticas e da coesão social prosseguirá na medida em que a configuração cívica dos cidadãos ao que lhe é conferido seja o suficiente para sobreviver e ter uma apreciação tolerável com as circunstâncias. Todos estão a contar com essa insuficiência de exigência, que foi e é alimentada em diversas fases das nossas vidas e no funcionamento da sociedade. Quebrar esse ciclo, por vontade dos decisores ou por impulso dos cidadãos, é um desafio decisivo para fazer o que ainda não foi feito cinquenta anos depois da revolução e melhorar os caminhos percorridos, que transformaram para melhor o país.
Até lá, haja filtro, já que senso e tento na língua não há.

NOTAS FINAIS

ALFAIATARIA GLOBAL. Excetuando as velhas carcaças do preconceito ideológico, é inacreditável a modelação de posicionamentos e narrativas a que tem existido no debate político. Da demarcação em relação ao passado à colagem total a esse exercício anterior, do extremismo à configuração de um alegado sentido de Estado e de muitas narrativas seletivas em relação ao que se fez para sustentar o suposto encantamento das soluções atuais. A rebaldaria é tal que até a gelatina parece ter mais consistência do que os fatos vestidos pelos protagonistas. 

INCONSISTÊNCIA GLOBAL DA PROPOSTA. A ânsia de travestir o sentido de Estado e o afago a todos os nichos de eleitorado relevantes, revela a inconsistência da proposta do CHEGA, configurado e encorpado no protesto populista. Ele é a isenção do IVA onde não se aplica e a aplicação de fundos comunitários onde não são possíveis, no aumento das pensões. A verborreia tem destas coisas.

AMEAÇA GLOBAL. Mesmo descontando o ser em comício para americano ouvir e ser a título de história, não dá para mitigar a gravidade da verbalização de Donald Trump sobre a NATO. Admitir deixar cair um Aliado e incentivar a Rússia a prosseguir as invasões, coloca-o ao nível do PCP, sendo uma implosão do espírito e sentido da Aliança Atlântica. A insanidade é um risco sério para um mundo já deslaçado pelos interesses particulares e pelos “geonegócios”.