PGR dá resposta automática a Montenegro


Lucília Gago informa que enviou a carta do PSD para o ‘respetivo processo’. Montenegro não gostou e vai insistir, mas não quer que o caso ofusque a ação política do partido.


São «sobre factos anteriores à eleição deste líder do partido e desta direção do partido» e, como a direção se pauta pela defesa do «combate à corrupção e compadrio», não colocou «qualquer obstáculo à busca da verdade» por parte das autoridades. Não, estas declarações não são de Hugo Soares, atual Secretário Geral do PSD. São de José Silvano, que ocupava o lugar da última vez que houve buscas da Polícia Judiciária à sede do PSD. Foi em 2018, quando as autoridades judiciais procediam a diligências no âmbito do processo Tutti Frutti.

As declarações foram esta semana recordadas ao Nascer do Sol por um elemento da direção do PSD, a propósito das críticas de um grupo de deputados social-democratas que acusaram Montenegro de ter tido uma «reação fofinha» à operação de buscas da judiciária à casa de Rui Rio, de outros militantes do partido e também a várias sedes do PSD, incluindo a sede nacional.

Na direção do PSD a estratégia é a de não desvalorizar a gravidade de uma ação judicial que consideram «completamente desproporcionada» face aos factos apresentados. Mas Montenegro não quer que este seja o argumento para distrair o país do essencial. E o essencial «é o balanço que o país deve fazer da situação política atual». Na São Caetano à Lapa há a convicção de que o PS e o Governo estão a aproveitar estas buscas para distrair os portugueses dos casos em que o Governo continua envolvido, numa semana, em que se discute o Estado da Nação e em que o Presidente vai ouvir os conselheiros de Estado sobre a situação social, política e económica. «De repente parece que já não há Capitão Ferreira, nem relatório da Comissão de Inquérito, nem Estado da Nação», queixa-se um dirigente do partido.

 

Não é preciso mudar a lei

É com o intuito de não dar margem aos socialistas para cavalgarem o caso das buscas ao PSD que o partido tem feito questão de afirmar que nada do que «aparentemente» está a ser investigado, infringe a lei do financiamento dos partidos, pelo que os social-democratas rejeitam a proposta feita pelo secretário-geral adjunto do PS, João Torres, que, logo nos dias seguintes às buscas, veio mostrar abertura dos socialistas para procederem a uma clarificação da lei. «A lei é clarinha para estúpidos», garantiu em entrevista ao Observador o deputado Duarte Pacheco.

«Não queremos fazer disto um caso que ofusque tudo à volta. Esta é uma questão para ser resolvida nas instâncias próprias», garante-nos um deputado. 

É esta também a razão invocada para o PSD se ter oposto a chamar a Procuradora-Geral da República a prestar esclarecimentos sobre este caso na Assembleia da República. O caso chegou a ser levado à Conferência de Líderes, os socialistas estavam disponíveis para viabilizar aquilo que parecia ser uma vontade dos sociais-democratas, mas a direção de Montenegro não deu luz verde à proposta sugerida por alguns deputados da bancada laranja. «Nem pensar em dar esse presente ao PS», decidiu a direção assim que a ideia surgiu.

Nos órgãos diretivos do partido, que se reuniram esta semana, houve consenso em não desvalorizar a ação «desproporcional» da justiça, mas também ficou claro que este não é o momento para o partido se desfocar da sua ação política e deixar-se envolver num caso judicial. Desta vez é a direção laranja que adota a máxima de António Costa: «À justiça o que é da justiça, à política o que é da política».

 

PGR respondeu a Montenegro com resposta automática

Lucília Gago respondeu à carta enviada pela direção do PSD a pedir esclarecimentos sobre a forma e a intensidade com que foram realizadas buscas a várias sedes do partido. Foi logo no início da semana, mas a resposta, pode dizer-se, foi uma resposta automática, semelhante às que são enviadas por várias instituições a cidadãos queixosos. Na missiva enviada ao PSD a PGR diz ter tomado boa nota da carta e dá conta «que a comunicou ao respetivo processo». Sem mais.

É esta a razão que leva Luís Montenegro a reenviar as suas preocupações ao Conselho Superior do Ministério Público e a dizer que a resposta recebida é «insuficiente».

Ao Nascer do SOL, o secretário-geral do PSD garante que «não quer desvalorizar o papel do Ministério Público» e que o partido respeita a total autonomia do poder judicial. Nesse sentido Hugo Soares clarifica que «o problema não é que o Ministério Público possa ter dúvidas e uma interpretação diferente da lei. O problema é a desproporcionalidade evidente com que agiu».

Hugo Soares refere que nas buscas foram apreendidos documentos que excedem em muito o objeto das buscas, que violam a privacidade e o próprio sigilo da atividade partidária. Na posse dos investigadores estão todos os ficheiros de militantes, com informação protegida ao abrigo do RGPD, o plano de atividades do partido e o registo de entradas e saídas da sede, bem como toda a informação contida no computador da secretária de Hugo Soares. Em declarações ao Nascer do SOL, o atual secretário-geral do partido estranha que a investigação não tenha adotado procedimentos habituais, «uma das coisas que procuravam era o estudo da Delloite. Eu recebo várias vezes pedidos do Ministério Público. Não percebo porque é que neste caso não adotaram o mesmo procedimento», lamenta.

Passada quase uma semana sobre o sucedido, o caso deixou marcas em muitos dos que foram alvos de buscas. A Polícia Judiciária foi também a casa de alguns funcionários do partido. «Chegaram às sete da manhã e nalguns casos perturbaram edifícios inteiros a tocar a todas as campainhas», foi-nos relatado. «Há funcionários que não estão bem», na sede da São Caetano à Lapa há quem ainda não tenha recuperado da violência com que viram invadidas as suas casas, sem consideração pelas famílias, tratando-os como criminosos e apreendendo computadores, tablets e telemóveis. Um dos casos mais chocantes foi a da apreensão de um telemóvel a um funcionário que por motivos de saúde tem no dispositivo os alarmes para não falhar a medicação.

 

Deputados criticam reação da direção

A reunião de terça-feira da bancada social-democrata, que decorreu à porta fechada e foi convocada com caráter de urgência por vários deputados do consulado de Rui Rio, foi atribulada. Segundo relatos que chegaram ao Nascer do SOL, a ala dos desalinhados da direção deixou fortes críticas à posição da direção de Luís Montenegro sobre as buscas à casa de Rui Rio e de diversas sedes do partido.

Uma das vozes que se fez ouvir foi a de Adão Silva, ex-líder parlamentar e atual vice-presidente do Parlamento, que acusou a direção do partido de desvalorizar a situação, considerando que Rui Rio ‘foi objeto de linchamento, numa espécie de auto de fé moderno’, exigindo ‘solidariedade’ do partido para com o ex-líder do partido.

No mesmo sentido, Paulo Mota Pinto defendeu que o PSD deve avançar com um pedido de audição à Procuradora Geral da República, Lucília Gago, caso o Ministério Público (MP) não dê explicações sobre a base e o modo em que decorreram as buscas. A mesma sugestão também foi feita pelo deputado Maló de Abreu.

J.M.C.