Costa: remodelar ou a morte lenta


A situação política degradou-se até chegar ao nível do romance de faca e alguidar. 


1. António Costa está encostado às cordas. Diariamente, o governo perde credibilidade com uma continuidade de casos cada vez mais graves, desde que Medina insinuou a existência de um parecer relativo ao despedimento da CEO e do Chairman da TAP. Sucederam-se mentiras de políticos sobre o tal documento que pura e simplesmente não existe. Dali partiu-se para episódios sucessivos que culminaram com uma peixeirada em que nem faltou pancada. Perdeu-se o sentido de Estado, o que não admira quando se conhece o tipo de ascensão que se pratica nas máquinas partidárias todas. Chafurdamos em casos ao nível do romance de faca e alguidar, envolvendo um ministro reconhecido como truculento, parecendo um clone do seu Mestre Sócrates. No enredo entra um adjunto, jornalista requisitado à RTP (onde já se terá apresentado), oriundo do Bloco de Esquerda, igualmente com antecedentes de mau feitio, colaboradoras e funcionárias fechadas em casas de banho do Ministério depois de supostas agressões. A isso junta-se o alegado roubo de um computador que estava entregue legalmente ao adjunto. A pugna para a sua recuperação meteu a PSP, os Serviços Secretos, a Judiciária (que não explicam o caso), telefonemas para o primeiro-ministro, um seu secretário de Estado e mesmo para a ministra da Justiça, que finalmente fez alguma coisa, mas, logo por azar, muito mal. Contado ninguém acredita! Os pormenores da intriga dão um capítulo saboroso na grande Ópera-bufa em que se transformou o inquérito à gestão da TAP, a principal empresa de Portugal. A degradação do ambiente político está num patamar tão lamentável que medidas como os aumentos da função pública e das pensões (afinal mais um embuste, visto que deixam de fora o subsídio de férias), bem como o falso IVA zero já não terão um efeito atenuante junto do eleitorado. A voragem mediático-política atinge o clímax. Acompanham-se as peripécias do caso com a mesma intensidade do que as últimas jornadas do campeonato de futebol, a telenovela Gabriela ou o romance Tide em anos passados. Gloriosa Pátria! Torna-se evidente que António Costa já não controla o Governo. No mínimo, tem de o remodelar quase de ponta a ponta. Mesmo assim, e ainda que encontrasse quem aceitasse pastas como a da Presidência do Conselho, Infraestruturas, Educação, Justiça, Agricultura, Segurança Social, Coesão, Economia, Negócios Estrangeiros e Defesa talvez não evitasse a morte lenta que está em marcha. O Presidente Marcelo está tão manifestamente preocupado e estupefacto que, para já, não vestiu a habitual farda de bombeiro de Costa, recusando-se a comentar os últimos desenvolvimentos. Em rigor, o PR adensou o clima, afirmando que antes de mais vai falar com o primeiro-ministro (entretanto em parte incerta) e averiguar o que se passou. É urgente que o faça e depois ambos expliquem o que decidiram de forma clara. O mais lúcido e corajoso dos dirigentes do PS foi Carlos César, o seu presidente e ex-governante dos Açores. Fosse por autarrecriação ou já combinado com Costa, recomendou a ponderação de uma remodelação, certamente para evitar uma demissão ou uma dissolução do parlamento face ao cenário “Nave dos Loucos” que vivemos. As próximas prometem!

 

2. A sucessão de imbróglios graves não desmente que António Costa possa ser muito inteligente, muito hábil e muito sabidão. Mas, quanto a escolher pessoas é verdadeiramente uma nulidade. Não acerta uma à primeira e quando remodela consegue descer o nível, o que é difícil. Selecionador não seria carreira para ele. Veja-se, por exemplo, a diferença que faria ter como Presidente da Assembleia da República um Carlos César em vez de uma criatura quezilenta, de maus fígados, trotskista recauchutado, potencial censor e cão de fila da política de choque socrática que dá pelo nome de Augusto Santos Silva. Que erro clamoroso! César pode não ser perfeito por abusar na colocação de familiares, mas tem a capacidade inata dos açorianos de gerirem crises, quase sem ninguém dar por eles. 

 

3. Na hora de enviar a crónica, nada se sabe de muito concreto sobre o que vai sair da confusão. Marcelo tem o comando da bomba atómica e pouco mais. É duvidoso que volte a usá-la novamente um ano depois da rejeição do Orçamento pela geringonça. Acautelando o futuro, Costa deixou dito no Expresso que voltaria a candidatar-se. Para além disso, dispõe de um arsenal de soluções, que vão da remodelação até ao desplante de seguir em frente como se nada fosse (tem lata para isso). Desta vez, é consensual que o Presidente Marcelo tem de dar sinais de que não pactua com isto tudo e que exige mudanças, ainda que não substanciais. O seu próprio prestígio assim o impõe. Já não dá para esperar placidamente por 2024. Como no 

xadrez, há várias variantes. O jogo, porém, continua perdido para Portugal, apesar de continuarmos a ser atrativos para lazer. Quem quer investir a sério num país destes? Comprar uma supercasa junto ao mar na Quinta do Lago, na Quinta da Marinha, na magnifica Lisboa ou na Comporta é uma coisa. Montar uma grande indústria ou um megaprojeto neste manicómio é uma temeridade. Já ninguém consegue repetir a proeza de convencer grupos tipo Ford/VW a instalarem-se em Palmela e a representarem cerca de 1,5% do PIB. Somos a Lapónia do calor. Isolados. Sem aeroporto definido, sem TGV, sem portos de jeito, sem projetos lusófonos, sem uma CPLP eficaz, sem água para a agricultura ou até para o golfe. E sem aproveitarmos o nosso imenso mar, nem que seja para promover grandes regatas. Os franceses têm o verbo “saborder”. Significa afundar o seu próprio navio. Devíamos inscrevê-lo nos nossos dicionários como “sabordar” porque cada povo tem o governo que merece em cada momento. Fica a sugestão para essencial Ciberdúvidas cocriado pelo jornalista José Mário Costa, com o devido respeito e amizade.

4. Os episódios à volta da ida do Presidente Lula ao parlamento suscitam várias perguntas. Uma é se alguém acha que aquela galhofa captada pela ARTV entre as três principais figuras do Estado teria sido possível no tempo em que as funções eram desempenhadas, por exemplo, por Jorge Sampaio, Mota Amaral e Durão Barroso. Outra é saber se a decisão de Santos Silva de censurar a cena e a retirar da ARTV não deveria ser analisada pela ERC. Será que o tiranete tem mesmo esse poder? E será legitima a acusação aos profissionais da ARTV que cumpriram o habitual e que dependem hierarquicamente da criatura Santos Silva? Também é útil perguntar se o chavascal arruaceiro do Chega é mais grave do que a saída dos deputados do PCP da sala quando Zelensky falou ao Parlamento em nome de um país invadido por um Estado terrorista. Isto para não falar de manifestações feitas em tempos pelo Bloco, envergando t-shirts com slogans em vez de cartazes ou nas quais viraram costas ao rei de Espanha. Finalmente, será que o Chega teria tido o comportamento tipo hooligans se tivesse ocupado o lugar de vice-presidente do Parlamento a que tem direito? Quem melhor se comportou naquele dia sombrio e deplorável da nossa democracia foi mesmo Lula da Silva. Chapeau!

5. Logo que um tribunal o condenou, apenas em primeira instância, por um crime de prevaricação, o eurodeputado Álvaro Amaro renunciou ao seu mandato e às inerentes regalias, que não são poucas. A atitude de Amaro, um político com uma longa experiência e sempre sem mácula, ilustra exemplarmente a diferença que existe quando há ética e a falta dela, como se vê diariamente nesta República em dissolução. Os ataques ao eurodeputado, ex-governante e ex-presidente eleito das Câmaras de Gouveia e da Guarda, começaram, aliás, no momento em que ele iniciou o seu mandato europeu, numa tentativa de pressionar, desde logo, uma não tomada de posse. A sentença condenatória é considerada esdrúxula, o que naturalmente levará a um recurso. A demissão de Álvaro Amaro, numa semana cheia de trapalhadas governamentais sem consequências, fica como uma prova de que na política não é tudo farinha do mesmo saco.

Costa: remodelar ou a morte lenta


A situação política degradou-se até chegar ao nível do romance de faca e alguidar. 


1. António Costa está encostado às cordas. Diariamente, o governo perde credibilidade com uma continuidade de casos cada vez mais graves, desde que Medina insinuou a existência de um parecer relativo ao despedimento da CEO e do Chairman da TAP. Sucederam-se mentiras de políticos sobre o tal documento que pura e simplesmente não existe. Dali partiu-se para episódios sucessivos que culminaram com uma peixeirada em que nem faltou pancada. Perdeu-se o sentido de Estado, o que não admira quando se conhece o tipo de ascensão que se pratica nas máquinas partidárias todas. Chafurdamos em casos ao nível do romance de faca e alguidar, envolvendo um ministro reconhecido como truculento, parecendo um clone do seu Mestre Sócrates. No enredo entra um adjunto, jornalista requisitado à RTP (onde já se terá apresentado), oriundo do Bloco de Esquerda, igualmente com antecedentes de mau feitio, colaboradoras e funcionárias fechadas em casas de banho do Ministério depois de supostas agressões. A isso junta-se o alegado roubo de um computador que estava entregue legalmente ao adjunto. A pugna para a sua recuperação meteu a PSP, os Serviços Secretos, a Judiciária (que não explicam o caso), telefonemas para o primeiro-ministro, um seu secretário de Estado e mesmo para a ministra da Justiça, que finalmente fez alguma coisa, mas, logo por azar, muito mal. Contado ninguém acredita! Os pormenores da intriga dão um capítulo saboroso na grande Ópera-bufa em que se transformou o inquérito à gestão da TAP, a principal empresa de Portugal. A degradação do ambiente político está num patamar tão lamentável que medidas como os aumentos da função pública e das pensões (afinal mais um embuste, visto que deixam de fora o subsídio de férias), bem como o falso IVA zero já não terão um efeito atenuante junto do eleitorado. A voragem mediático-política atinge o clímax. Acompanham-se as peripécias do caso com a mesma intensidade do que as últimas jornadas do campeonato de futebol, a telenovela Gabriela ou o romance Tide em anos passados. Gloriosa Pátria! Torna-se evidente que António Costa já não controla o Governo. No mínimo, tem de o remodelar quase de ponta a ponta. Mesmo assim, e ainda que encontrasse quem aceitasse pastas como a da Presidência do Conselho, Infraestruturas, Educação, Justiça, Agricultura, Segurança Social, Coesão, Economia, Negócios Estrangeiros e Defesa talvez não evitasse a morte lenta que está em marcha. O Presidente Marcelo está tão manifestamente preocupado e estupefacto que, para já, não vestiu a habitual farda de bombeiro de Costa, recusando-se a comentar os últimos desenvolvimentos. Em rigor, o PR adensou o clima, afirmando que antes de mais vai falar com o primeiro-ministro (entretanto em parte incerta) e averiguar o que se passou. É urgente que o faça e depois ambos expliquem o que decidiram de forma clara. O mais lúcido e corajoso dos dirigentes do PS foi Carlos César, o seu presidente e ex-governante dos Açores. Fosse por autarrecriação ou já combinado com Costa, recomendou a ponderação de uma remodelação, certamente para evitar uma demissão ou uma dissolução do parlamento face ao cenário “Nave dos Loucos” que vivemos. As próximas prometem!

 

2. A sucessão de imbróglios graves não desmente que António Costa possa ser muito inteligente, muito hábil e muito sabidão. Mas, quanto a escolher pessoas é verdadeiramente uma nulidade. Não acerta uma à primeira e quando remodela consegue descer o nível, o que é difícil. Selecionador não seria carreira para ele. Veja-se, por exemplo, a diferença que faria ter como Presidente da Assembleia da República um Carlos César em vez de uma criatura quezilenta, de maus fígados, trotskista recauchutado, potencial censor e cão de fila da política de choque socrática que dá pelo nome de Augusto Santos Silva. Que erro clamoroso! César pode não ser perfeito por abusar na colocação de familiares, mas tem a capacidade inata dos açorianos de gerirem crises, quase sem ninguém dar por eles. 

 

3. Na hora de enviar a crónica, nada se sabe de muito concreto sobre o que vai sair da confusão. Marcelo tem o comando da bomba atómica e pouco mais. É duvidoso que volte a usá-la novamente um ano depois da rejeição do Orçamento pela geringonça. Acautelando o futuro, Costa deixou dito no Expresso que voltaria a candidatar-se. Para além disso, dispõe de um arsenal de soluções, que vão da remodelação até ao desplante de seguir em frente como se nada fosse (tem lata para isso). Desta vez, é consensual que o Presidente Marcelo tem de dar sinais de que não pactua com isto tudo e que exige mudanças, ainda que não substanciais. O seu próprio prestígio assim o impõe. Já não dá para esperar placidamente por 2024. Como no 

xadrez, há várias variantes. O jogo, porém, continua perdido para Portugal, apesar de continuarmos a ser atrativos para lazer. Quem quer investir a sério num país destes? Comprar uma supercasa junto ao mar na Quinta do Lago, na Quinta da Marinha, na magnifica Lisboa ou na Comporta é uma coisa. Montar uma grande indústria ou um megaprojeto neste manicómio é uma temeridade. Já ninguém consegue repetir a proeza de convencer grupos tipo Ford/VW a instalarem-se em Palmela e a representarem cerca de 1,5% do PIB. Somos a Lapónia do calor. Isolados. Sem aeroporto definido, sem TGV, sem portos de jeito, sem projetos lusófonos, sem uma CPLP eficaz, sem água para a agricultura ou até para o golfe. E sem aproveitarmos o nosso imenso mar, nem que seja para promover grandes regatas. Os franceses têm o verbo “saborder”. Significa afundar o seu próprio navio. Devíamos inscrevê-lo nos nossos dicionários como “sabordar” porque cada povo tem o governo que merece em cada momento. Fica a sugestão para essencial Ciberdúvidas cocriado pelo jornalista José Mário Costa, com o devido respeito e amizade.

4. Os episódios à volta da ida do Presidente Lula ao parlamento suscitam várias perguntas. Uma é se alguém acha que aquela galhofa captada pela ARTV entre as três principais figuras do Estado teria sido possível no tempo em que as funções eram desempenhadas, por exemplo, por Jorge Sampaio, Mota Amaral e Durão Barroso. Outra é saber se a decisão de Santos Silva de censurar a cena e a retirar da ARTV não deveria ser analisada pela ERC. Será que o tiranete tem mesmo esse poder? E será legitima a acusação aos profissionais da ARTV que cumpriram o habitual e que dependem hierarquicamente da criatura Santos Silva? Também é útil perguntar se o chavascal arruaceiro do Chega é mais grave do que a saída dos deputados do PCP da sala quando Zelensky falou ao Parlamento em nome de um país invadido por um Estado terrorista. Isto para não falar de manifestações feitas em tempos pelo Bloco, envergando t-shirts com slogans em vez de cartazes ou nas quais viraram costas ao rei de Espanha. Finalmente, será que o Chega teria tido o comportamento tipo hooligans se tivesse ocupado o lugar de vice-presidente do Parlamento a que tem direito? Quem melhor se comportou naquele dia sombrio e deplorável da nossa democracia foi mesmo Lula da Silva. Chapeau!

5. Logo que um tribunal o condenou, apenas em primeira instância, por um crime de prevaricação, o eurodeputado Álvaro Amaro renunciou ao seu mandato e às inerentes regalias, que não são poucas. A atitude de Amaro, um político com uma longa experiência e sempre sem mácula, ilustra exemplarmente a diferença que existe quando há ética e a falta dela, como se vê diariamente nesta República em dissolução. Os ataques ao eurodeputado, ex-governante e ex-presidente eleito das Câmaras de Gouveia e da Guarda, começaram, aliás, no momento em que ele iniciou o seu mandato europeu, numa tentativa de pressionar, desde logo, uma não tomada de posse. A sentença condenatória é considerada esdrúxula, o que naturalmente levará a um recurso. A demissão de Álvaro Amaro, numa semana cheia de trapalhadas governamentais sem consequências, fica como uma prova de que na política não é tudo farinha do mesmo saco.