Fim dos Vistos Gold vai levar estado a tribunal

Fim dos Vistos Gold vai levar estado a tribunal


Especialistas acusam Governo de ‘mudar as regras a meio do jogo’, o que vai levar à suspensão de milhares de projetos de milhões de euros. E lembram que desde 2022 já eram proibidos investimentos em Lisboa, Porto e todo o litoral devido à pressão imobiliária.


Já há uma série de investidores a suspender os seus projetos devido à proposta do Governo em acabar com os Vistos Gold, «o que irá representar uma perda colossal para o país», revela ao Nascer do SOL, Sara Rebolo, advogada e sócia da Prime Legal e presidente da Associação Portuguesa de Imigração, Investimento e Realocação (PAIIR). Esta foi uma das medidas apresentadas pelo Governo no programa Mais Habitação que tem como finalidade responder aos desafios da habitação. 

A juntar às perdas há que contar ainda, de acordo com a responsável, com os processos que irão parar às barras da justiça. À PAIIR têm chegado inúmeras reclamações, provenientes de investidores de várias nacionalidades, pela quebra de confiança no Estado português. «E antes de chegarmos às partes das indemnizações já temos, neste momento, um bloqueamento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Certamente vamos ter o caos instalado do lado dos tribunais administrativos, porque estamos a falar de mais de 12 mil investidores que vão ser prejudicados diretamente». 

Sara Rebolo dá, como exemplo, um grupo imobiliário turístico, que tem feito um grande desenvolvimento no interior e cuja suspensão dos projetos representa uma perda de 425 mil euros de investimento.

Também Pedro Fontainhas, diretor executivo da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts, afirmou ao nosso jornal que «na semana seguinte ao anúncio de 16 de fevereiro, constituímos um grupo de trabalho para responder à consulta pública e chegámos à conclusão que, naquele momento, estavam suspensos investimentos de mais de 600 milhões, pondo em risco a criação de mil postos de trabalho. Esta semana, um outro associado disse-me que tinha acabado de receber um telefonema a dar conta de um investimento de 100 milhões que foi suspenso».

O nosso jornal sabe ainda que o grupo Vanguard, de Claude Berdá, que já investiu centenas de milhões de euros no nosso país, está a aguardar a conclusão deste processo para decidir se irá manter ou interromper os seus projetos de construção, o mesmo acontece com o grupo canadiano Mercan que conta com 27 projetos hoteleiros em Portugal. O fim do programa poderá resultar na perda de 565 empregos diretos, pedidos de indemnizações em tribunal, pondo em causa 425 milhões de investimento envolvidos em oito projetos do grupo. 

Os dois responsáveis lamentam a decisão do Governo e recordam que, em 2022, já tinha havido uma alteração legislativa que impedia o investimento imobiliário em Lisboa, Porto e em toda a faixa litoral. «Houve uma mudança das regras a meio do jogo e a partir do momento em que foram feitas alterações à lei começaram a aparecer outro tipo de projetos. A maioria deles turístico, comercial e de serviços, que teve muita adesão por parte dos investidores», refere Sara Rebolo.

A advogada e também presidente da PAIIR admite que face a essas restrições, o tipo de investimento também passou a estar mais direcionado, por exemplo, para fundos de investimentos, «até porque, durante a pandemia era muito mais acessível para os investidores escolherem um fundo de investimento do que investir propriamente num imóvel devido às dificuldades de mobilidade», o que a leva a considerar que este programa está a ser usado «como bode expiatório para os problemas da habitação, uma vez que o tema residencial há quase um ano e meio que não se coloca no âmbito dos Vistos Gold, porque nem sequer eram elegíveis na zona costeira»

E aponta o dedo ao Governo, no que diz respeito aos números avançados que, apesar de reportarem dados entre outubro de 2022 a março deste ano, apenas falam em autorizações de residências concedidas e não falam em investimentos, cujos processos estão pendentes de análise. «Há processos pendentes de análise há quase dois anos, ou seja, o grande bolo desta alteração legislativa não está refletida nestas estatísticas», salienta. 

De acordo com os dados do SEF, desde a sua criação até março de 2023, o programa permitiu a captação de um investimento total no valor de 6,9 mil milhões de euros, dos quais 6,1 mil milhões de euros correspondem ao investimento realizado via aquisição de bens imóveis e 755 milhões de euros, à transferência de capitais para Portugal.

‘Jogada política’

Para Sara Rebolo, mesmo que não tivesse existido essa alteração à lei, se formos comparar as transações imobiliárias que existiram e as que existiram para efeitos de Vistos Gold, o impacto não ultrapassa os 3% das transações a nível nacional. «O impacto a nível de preços diria que é quase inexistente», diz, acrescentando que vê esta decisão «como uma jogada política para terminar com este programa». 

E vais mais longe: «É claro que é mais fácil terminar, principalmente porque este programa, desde o início, nunca teve uma abordagem positiva e agora foi usado o argumento de que vai resolver o problema habitacional, o que não vai acontecer. Não há qualquer estudo técnico ou de outra natureza qualquer que permita associar os Vistos Gold aos aumento dos preços, nem permite associar a eliminação do programa a uma redução dos preços ou a uma maior disponibilização de residências». 

Um argumento também usado por Pedro Fontainhas, acusando António Costa de fazer várias omissões quando recorreu aos números estatísticos para justificar a medida. «O primeiro-ministro disse que 89% dos vistos atribuídos destinaram-se ao imobiliário e que foram apenas criados 22 empregos em 10 ou 12 anos, em que está a vigor, mas os números não estão corretos. É verdade que 89% dos vistos foram atribuídos ao imobiliário, no entanto, é preciso não esquecer que deste total, 30% foram atribuídos a investimentos imobiliários para exploração turística e tendo um alvará de exploração turística não tem licença de habitação. Esse tipo de investimento criou milhares de postos de trabalho e continua a criar. E é um investimento produtivo, é um investimento na atividade económica do país, não é um investimento em alvenaria», salienta. 

O presidente da Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts lamenta ainda que não seja conhecido o impacto das alterações de 2022, estimando que com as novas restrições, essa percentagem de 30% tenha passado para os 44%. «Estávamos a prever uma subida em flecha para as unidades turísticas no total de Vistos Gold atribuídos. Fizemos um estudo sobre o impacto do turismo residencial na economia portuguesa e concluímos que, a cinco anos, o impacto é de de seis vezes o investimento inicial. Isso quer dizer que, durante 2022, ano que foram captados 534 milhões de investimentos irão render ao país três mil milhões, o que equivale a 1,3% do PIB nacional e a 18% do PRR» 

Ajustar o programa

Os dois responsáveis admitem que em vez de pôr fim ao programa, o Governo deveria ter optado por fazer reajustamentos. «Nada disto faz sentido quando se está também a eliminar a possibilidade de atrair capital estrangeiro para efeitos de desenvolvimento de projetos imobiliários no âmbito do turismo, da cultura, da capitalização de empresas e de serviços», acrescentando que «a eliminação do programa em si não vai responder às necessidades habitacionais que existem, quando está provado que é uma ferramenta útil de atração de capital estrangeiro e de atração de financiamento. Mas é notório junto dos investidores e dos promotores que a forma como a iniciativa está a ser feita está a descredibilizar o Governo e a confiança no país», afirma Sara Rebolo, acenando «com uma oportunidade única para reformular uma ferramenta que pode ser altamente útil na resolução de problemas que o país tem». 

A Associação Portuguesa do Turismo Residencial e Resorts perante este cenário apresentou uma série de propostas ao Governo, mas ao Nascer do SOL, Pedro Fontainhas lamenta que não tenham tido qualquer recetividade.

A primeira proposta pedia ao Executivo para «parar para pensar», sugerindo que fossem feitos «todos os estudos para cada um poder tomar as suas decisões baseadas em factos e não em ideologia». E a partir do momento em que fossem tomadas as decisões, «deixar no mínimo mais seis meses ou um ano para os investidores se adaptarem», referindo que «não é razoável, nem sensato e até é desumano que um investidor com determinadas expectativas depois seja confrontado com uma nova lei e lhe diga: ‘Tudo o que fizeste até agora não serve para nada e vai para o lixo’. Isto vai gerar litigância que nunca mais acaba e vai levar a reputação do país para a rua da amargura». 

Outra proposta pedia que fosse revisto o montante mínimo exigido para a atribuição dos Vistos Gold. De acordo com o responsável, a proibição de investimentos em Lisboa, Porto e em todo o litoral fez com que os níveis de entrada padrão ficassem mais baratos. «Não precisamos que o país seja barato, não queremos ser miserabilistas, queremos atrair investimento de qualidade e não nos importamos que as nossas regras de acesso a esse investimento estejam ao nível dos outros».

Também a hipótese dos investidores pagarem «algum tipo de contribuição», tal como já acontece com o pagamento da taxa turística por quem passa uma noite no nosso país, é vista pelo presidente da associação como uma solução para resolver os problemas de habitação, «desde que a receita dessa contribuição fosse canalizada para o financiamento de programas de habitação acessível e de habitação social». 

Uma sugestão que iria ao encontro de uma outra de tornar aplicáveis para efeitos de atribuição de vistos, o investimento em unidades de participação em fundos que tenham como objeto o investimento em habitação acessível ou em imóveis exclusivamente afetos ao arrendamento habitacional, que não seja necessariamente acessível. «Certamente viria ampliar a oferta de casas».