É melhor para o Ambiente consumirmos alimentos produzidos localmente?


A excessiva importância dada a consumir localmente está muitas vezes associada a visões ideológicas anti-globalização simplistas, que tendem a considerar como errado que os alimentos sejam transportados de um lado do mundo para o outro.


É uma ideia muito difundida que o consumo de produtos alimentares deve ser “de proximidade”, isto é, que deveremos consumir produtos feitos o mais próximo de nós em termos geográficos. Isto é, aquilo que, em inglês, ficou popularizado como redução das “food miles”.  Será que esta ideia é correcta?

Como enquadramento, e focando-nos nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), comecemos por considerar que, globalmente, as emissões associadas ao sistema alimentar representam entre um quarto e um terço do total de emissões.

Vejamos quais são os principais factores que contribuem para estas emissões. Temos o que se designa como “uso do solo” (24%), principalmente associado à libertação de dióxido de carbono com a conversão de florestas e outros usos do solo (como o Cerrado no Brasil) para agricultura, com a consequente perda de carbono da biomassa das florestas e da matéria orgânica dos solos. Temos a produção de culturas agrícolas, para alimentação humana directa (21%) e para alimentos para animais (6%), onde temos principalmente emissões oriundas da emissão de óxido nitroso (N2O) oriundo da aplicação de adubo azotado. Temos as emissões da produção animal (31%), associadas às emissões de metano (CH4) do processo digestivo dos ruminantes e do estrume destes, das aves e dos suínos (neste caso incluindo também emissões de óxido nitroso). Finalmente, temos as emissões da cadeia de abastecimento, com 4% para o processamento dos alimentos, 6% para o transporte, 5% para o embalamento e 3% para o retalho.

Qual é a razão pela qual as emissões do transporte de alimentos são comparativamente tão baixas? É porque a maior parte dos alimentos é transportada por navio, com emissões por quilómetro 10 a 20 vezes inferiores às de camião e 50 vezes inferiores às de avião. Assim, mais de 80% das emissões do transporte de alimentos são oriundas do transporte doméstico (dentro de cada país) por camião (já as emissões do transporte aéreo são só 0,4%).

Podemos assim constatar que as emissões do transporte são uma fracção muito minoritária, sendo muito mais importante, em termos de escolhas alimentares, ter em conta factores que optimizem os outros 94%. Consideremos um exemplo, frequentemente referido neste debate a nível internacional. Comparando a produção de morangos em estufa no Reino Unido, com os correspondentes custos energéticos de aquecimento das estufas, com a produção ao ar livre em Espanha, acrescentando-lhes as emissões de transporte até ao Reino Unido, a conclusão é que o impacte ambiental é mais baixo se a produção for feita em Espanha.

Esta conclusão genérica não impede, no entanto, que haja situações específicas onde as emissões do transporte se revelem significativas, nomeadamente em situações associadas ao transporte aéreo de alimentos frescos.

Entretanto, em 2022, um estudo de uma equipa sino-australiana na revista Nature Food chegou à conclusão bombástica (e destacada em múltiplos meios de comunicação social internacionais) de que o transporte corresponderia a 20% das das emissões de GEE dos sistemas alimentares, assim colocando em causa todos os resultados anteriores e repondo a relevância de “consumir localmente”.

Vejamos então o que está aqui em causa. As emissões do transporte que temos vindo a considerar, e que são as que se associam ao conceito de food miles, são as emissões associadas ao transporte dos alimentos, entre o ponto de produção e o ponto de consumo. A razão pela qual a referida equipa sino-autraliana obteve emissões mais altas foi porque considerou também as (relevantes) emissões associadas ao transporte dos factores de produção agrícola (como fertilizantes ou pesticidas). Na verdade, relativamente às emissões para transporte de alimentos, esta equipa não obteve valores significativamente mais altos. Assim, na realidade, os resultados deste artigo não suportariam “consumir localmente”, só suportariam que se deveria produzir localmente os diferentes factores de produção agrícolas.

No entanto, em relação a este último aspecto, e de forma particularmente preocupante para um artigo publicado na revista com a reputação da Nature Food, constata-se que as emissões do transporte dos factores de produção foram drasticamente sobre-estimadas, pois os seus valores estão baseados numa estimativa de emissões do transporte de mercadorias que é o triplo da estimativa, muito mais credível, da Agência Internacional de Energia.

Em suma, este recente debate não trouxe novas informações, mantendo intacta a conclusão de que não há suporte para o critério de “consumir localmente”, quando consideramos emissões de gases com efeito de estufa.

Para finalizar, fica a observação de que a excessiva importância dada a consumir localmente está muitas vezes associada a visões ideológicas anti-globalização simplistas, que tendem a considerar como intrinsecamente errado que os alimentos sejam transportados de um lado do mundo para o outro, e que promovem, em alternativa, a auto-suficiência como um suposto ideal de sustentabilidade. São abordagens que, entre outras deficiências, esquecem os benefícios ambientais de fazer a produção agrícola nos locais agronomicamente óptimos.

É melhor para o Ambiente consumirmos alimentos produzidos localmente?


A excessiva importância dada a consumir localmente está muitas vezes associada a visões ideológicas anti-globalização simplistas, que tendem a considerar como errado que os alimentos sejam transportados de um lado do mundo para o outro.


É uma ideia muito difundida que o consumo de produtos alimentares deve ser “de proximidade”, isto é, que deveremos consumir produtos feitos o mais próximo de nós em termos geográficos. Isto é, aquilo que, em inglês, ficou popularizado como redução das “food miles”.  Será que esta ideia é correcta?

Como enquadramento, e focando-nos nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), comecemos por considerar que, globalmente, as emissões associadas ao sistema alimentar representam entre um quarto e um terço do total de emissões.

Vejamos quais são os principais factores que contribuem para estas emissões. Temos o que se designa como “uso do solo” (24%), principalmente associado à libertação de dióxido de carbono com a conversão de florestas e outros usos do solo (como o Cerrado no Brasil) para agricultura, com a consequente perda de carbono da biomassa das florestas e da matéria orgânica dos solos. Temos a produção de culturas agrícolas, para alimentação humana directa (21%) e para alimentos para animais (6%), onde temos principalmente emissões oriundas da emissão de óxido nitroso (N2O) oriundo da aplicação de adubo azotado. Temos as emissões da produção animal (31%), associadas às emissões de metano (CH4) do processo digestivo dos ruminantes e do estrume destes, das aves e dos suínos (neste caso incluindo também emissões de óxido nitroso). Finalmente, temos as emissões da cadeia de abastecimento, com 4% para o processamento dos alimentos, 6% para o transporte, 5% para o embalamento e 3% para o retalho.

Qual é a razão pela qual as emissões do transporte de alimentos são comparativamente tão baixas? É porque a maior parte dos alimentos é transportada por navio, com emissões por quilómetro 10 a 20 vezes inferiores às de camião e 50 vezes inferiores às de avião. Assim, mais de 80% das emissões do transporte de alimentos são oriundas do transporte doméstico (dentro de cada país) por camião (já as emissões do transporte aéreo são só 0,4%).

Podemos assim constatar que as emissões do transporte são uma fracção muito minoritária, sendo muito mais importante, em termos de escolhas alimentares, ter em conta factores que optimizem os outros 94%. Consideremos um exemplo, frequentemente referido neste debate a nível internacional. Comparando a produção de morangos em estufa no Reino Unido, com os correspondentes custos energéticos de aquecimento das estufas, com a produção ao ar livre em Espanha, acrescentando-lhes as emissões de transporte até ao Reino Unido, a conclusão é que o impacte ambiental é mais baixo se a produção for feita em Espanha.

Esta conclusão genérica não impede, no entanto, que haja situações específicas onde as emissões do transporte se revelem significativas, nomeadamente em situações associadas ao transporte aéreo de alimentos frescos.

Entretanto, em 2022, um estudo de uma equipa sino-australiana na revista Nature Food chegou à conclusão bombástica (e destacada em múltiplos meios de comunicação social internacionais) de que o transporte corresponderia a 20% das das emissões de GEE dos sistemas alimentares, assim colocando em causa todos os resultados anteriores e repondo a relevância de “consumir localmente”.

Vejamos então o que está aqui em causa. As emissões do transporte que temos vindo a considerar, e que são as que se associam ao conceito de food miles, são as emissões associadas ao transporte dos alimentos, entre o ponto de produção e o ponto de consumo. A razão pela qual a referida equipa sino-autraliana obteve emissões mais altas foi porque considerou também as (relevantes) emissões associadas ao transporte dos factores de produção agrícola (como fertilizantes ou pesticidas). Na verdade, relativamente às emissões para transporte de alimentos, esta equipa não obteve valores significativamente mais altos. Assim, na realidade, os resultados deste artigo não suportariam “consumir localmente”, só suportariam que se deveria produzir localmente os diferentes factores de produção agrícolas.

No entanto, em relação a este último aspecto, e de forma particularmente preocupante para um artigo publicado na revista com a reputação da Nature Food, constata-se que as emissões do transporte dos factores de produção foram drasticamente sobre-estimadas, pois os seus valores estão baseados numa estimativa de emissões do transporte de mercadorias que é o triplo da estimativa, muito mais credível, da Agência Internacional de Energia.

Em suma, este recente debate não trouxe novas informações, mantendo intacta a conclusão de que não há suporte para o critério de “consumir localmente”, quando consideramos emissões de gases com efeito de estufa.

Para finalizar, fica a observação de que a excessiva importância dada a consumir localmente está muitas vezes associada a visões ideológicas anti-globalização simplistas, que tendem a considerar como intrinsecamente errado que os alimentos sejam transportados de um lado do mundo para o outro, e que promovem, em alternativa, a auto-suficiência como um suposto ideal de sustentabilidade. São abordagens que, entre outras deficiências, esquecem os benefícios ambientais de fazer a produção agrícola nos locais agronomicamente óptimos.