Um pacote contra o Estado de Direito


Os lesados por este tipo de medidas são naturalmente os proprietários de casas de habitação, transformados em inimigos ou bodes expiatórios das políticas absolutamente desastrosas deste Governo.


O pacote “Mais Habitação”, apresentado pelo Governo no passado dia 16 de Fevereiro, constitui um exemplo típico da absoluta cegueira ideológica que determina as medidas que o mesmo apresenta sobre habitação. Efectivamente essas medidas passam sistematicamente por atacar os proprietários e o mercado de arrendamento, com consequências desastrosas na oferta de habitação. Na verdade, este já é o quarto pacote sobre habitação desde 2015 e a situação agravou-se profundamente nos últimos oito anos. Era por isso mais que tempo de se arrepiar caminho e mudar de política, mas o Governo não só não muda, como também não quer ouvir ninguém sobre o assunto.

Uma boa demonstração disto é a forma como esta consulta pública foi realizada. No dia 16 de Fevereiro, o Governo disse que as pessoas teriam um mês para se pronunciarem numa consulta pública sobre as medidas. No entanto apenas disponibilizou publicamente um rascunho das medidas, que colocou em consulta pública até 13 de Março. Na sexta-feira, dia 3 de Março à noite, disponibilizou finalmente uma primeira versão do diploma, mas a consulta pública manteve-se com o prazo de 13 de Março. É assim manifesta a falta de vontade do Governo em ouvir os que irão ser lesados por este tipo de medidas.

Ora, os lesados por este tipo de medidas são naturalmente os proprietários de casas de habitação, transformados em inimigos ou bodes expiatórios das políticas absolutamente desastrosas deste Governo. Depois de terem visto ser-lhes lançado sem qualquer justificação um novo imposto sobre prédios de habitação e os contratos de arrendamento que celebraram serem prorrogados de forma ilegítima, os proprietários assistem agora a um retorno ao congelamento de rendas nos contratos antigos, à fixação por lei das rendas nos novos contratos, pretendendo ainda o Estado obrigá-los à força a celebrar contratos de arrendamento com desconhecidos, que ocuparão as suas casas sem qualquer garantia de que as mesmas alguma vez lhes serão restituídas.

Ao contrário do que tem sido afirmado publicamente, o arrendamento coercivo não tem qualquer paralelo nos países europeus, apenas tendo ocorrido entre nós no Governo de Vasco Gonçalves em 1975, em que as câmaras municipais colocaram pessoas em casas alheias, a troco de rendas miseráveis, as quais ocuparam essas casas por décadas, sendo que algumas ainda hoje lá estão.

O primeiro-ministro disse publicamente que o Estado não iria entrar pelas casas adentro e que só ao fim de vários anos com o imóvel desocupado o Estado interviria. Do regime apresentado publicamente resulta, porém, exactamente o contrário. Não só o arrendamento compulsivo ocorrerá em prazo curtíssimo, como também o Estado irá mesmo entrar pelas casas adentro.

Efectivamente, em primeiro lugar, numa clara violação do Regulamento Europeu de Protecção de Dados, os dados de consumo dos imóveis para habitação passam a ser disponibilizados pelas operadoras aos municípios. Depois, estes poderão apresentar uma proposta de arrendamento aos proprietários, que eles não poderão recusar. Efectivamente, se, no prazo de dez dias, os proprietários não responderem ou rejeitarem o arrendamento proposto, a casa pode ser-lhes arrendada à força a um estranho, passados apenas três meses. Apesar de o diploma propor exclusões, a verdade é que, com prazos tão curtos, relativamente a casas de que o proprietário está ausente, todos os proprietários de casas de habitação em Portugal estão em risco de que a Câmara lhes coloque outra pessoa a viver nas suas casas. E é seguro e certo que, uma vez isso ocorrendo, será praticamente impossível tirá-los de lá.

Uma vez que o PS tem maioria absoluta no Parlamento, é evidente que estas medidas, apesar da sua violência brutal, irão ser aprovadas em São Bento. Apenas uma fiscalização da sua constitucionalidade poderá proteger os direitos fundamentais dos proprietários portugueses. Caso, no entanto, a mesma não tenha sucesso, deverão os proprietários portugueses estar preparados para impugnar nos Tribunais qualquer “proposta” que recebam neste âmbito. Um Estado que faz propostas que não se podem recusar já não é um Estado de Direito. Como fizeram durante a pandemia, caberá por isso aos nossos Tribunais a defesa do Estado de Direito em Portugal.

 

Advogado e Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa

Um pacote contra o Estado de Direito


Os lesados por este tipo de medidas são naturalmente os proprietários de casas de habitação, transformados em inimigos ou bodes expiatórios das políticas absolutamente desastrosas deste Governo.


O pacote “Mais Habitação”, apresentado pelo Governo no passado dia 16 de Fevereiro, constitui um exemplo típico da absoluta cegueira ideológica que determina as medidas que o mesmo apresenta sobre habitação. Efectivamente essas medidas passam sistematicamente por atacar os proprietários e o mercado de arrendamento, com consequências desastrosas na oferta de habitação. Na verdade, este já é o quarto pacote sobre habitação desde 2015 e a situação agravou-se profundamente nos últimos oito anos. Era por isso mais que tempo de se arrepiar caminho e mudar de política, mas o Governo não só não muda, como também não quer ouvir ninguém sobre o assunto.

Uma boa demonstração disto é a forma como esta consulta pública foi realizada. No dia 16 de Fevereiro, o Governo disse que as pessoas teriam um mês para se pronunciarem numa consulta pública sobre as medidas. No entanto apenas disponibilizou publicamente um rascunho das medidas, que colocou em consulta pública até 13 de Março. Na sexta-feira, dia 3 de Março à noite, disponibilizou finalmente uma primeira versão do diploma, mas a consulta pública manteve-se com o prazo de 13 de Março. É assim manifesta a falta de vontade do Governo em ouvir os que irão ser lesados por este tipo de medidas.

Ora, os lesados por este tipo de medidas são naturalmente os proprietários de casas de habitação, transformados em inimigos ou bodes expiatórios das políticas absolutamente desastrosas deste Governo. Depois de terem visto ser-lhes lançado sem qualquer justificação um novo imposto sobre prédios de habitação e os contratos de arrendamento que celebraram serem prorrogados de forma ilegítima, os proprietários assistem agora a um retorno ao congelamento de rendas nos contratos antigos, à fixação por lei das rendas nos novos contratos, pretendendo ainda o Estado obrigá-los à força a celebrar contratos de arrendamento com desconhecidos, que ocuparão as suas casas sem qualquer garantia de que as mesmas alguma vez lhes serão restituídas.

Ao contrário do que tem sido afirmado publicamente, o arrendamento coercivo não tem qualquer paralelo nos países europeus, apenas tendo ocorrido entre nós no Governo de Vasco Gonçalves em 1975, em que as câmaras municipais colocaram pessoas em casas alheias, a troco de rendas miseráveis, as quais ocuparam essas casas por décadas, sendo que algumas ainda hoje lá estão.

O primeiro-ministro disse publicamente que o Estado não iria entrar pelas casas adentro e que só ao fim de vários anos com o imóvel desocupado o Estado interviria. Do regime apresentado publicamente resulta, porém, exactamente o contrário. Não só o arrendamento compulsivo ocorrerá em prazo curtíssimo, como também o Estado irá mesmo entrar pelas casas adentro.

Efectivamente, em primeiro lugar, numa clara violação do Regulamento Europeu de Protecção de Dados, os dados de consumo dos imóveis para habitação passam a ser disponibilizados pelas operadoras aos municípios. Depois, estes poderão apresentar uma proposta de arrendamento aos proprietários, que eles não poderão recusar. Efectivamente, se, no prazo de dez dias, os proprietários não responderem ou rejeitarem o arrendamento proposto, a casa pode ser-lhes arrendada à força a um estranho, passados apenas três meses. Apesar de o diploma propor exclusões, a verdade é que, com prazos tão curtos, relativamente a casas de que o proprietário está ausente, todos os proprietários de casas de habitação em Portugal estão em risco de que a Câmara lhes coloque outra pessoa a viver nas suas casas. E é seguro e certo que, uma vez isso ocorrendo, será praticamente impossível tirá-los de lá.

Uma vez que o PS tem maioria absoluta no Parlamento, é evidente que estas medidas, apesar da sua violência brutal, irão ser aprovadas em São Bento. Apenas uma fiscalização da sua constitucionalidade poderá proteger os direitos fundamentais dos proprietários portugueses. Caso, no entanto, a mesma não tenha sucesso, deverão os proprietários portugueses estar preparados para impugnar nos Tribunais qualquer “proposta” que recebam neste âmbito. Um Estado que faz propostas que não se podem recusar já não é um Estado de Direito. Como fizeram durante a pandemia, caberá por isso aos nossos Tribunais a defesa do Estado de Direito em Portugal.

 

Advogado e Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa