A podridão não é vida


O deslaço da liderança do projeto político, montado numa presunção de intocabilidade pela teia construída ao longo da vida política, na justiça, na economia, nos media e nos interesses parciais, foi longe de mais, quiçá a ponto de não retorno da confiança política e eleitoral de muitos. 


Com orgulho estive na concretização da estratégia que permitiu o regresso ao poder do Partido Socialista em 1995, depois de mais de uma tumultuosa década de oposição, que permitiu a alguns dos protagonistas políticos vigentes o contacto com o exercício do poder no plano nacional, além da dimensão autárquica, da barganha da coisa partidária ou dos mexericos mediáticos, com maior expressão nas publicações em papel e nos canais existentes, sem redes sociais. É coisa de velho, mas o tempo, o código de conduta e o sentido de serviço público era outro. 

A verdade é que o berço de poder de alguns, a experiência de outros e a emergência de novos paradigmas de pragmatismo no exercício de funções políticas – o que ganho com isso?- degenerou num quadro de miséria, por ação e por omissão da liderança política, do perfil de utilização do poder adotado e na mera gestão das circunstâncias, sem visão, rasgo ou ambição.

O quadro de miséria e podridão em vigor, assente na projeção nacional de um modus operandi ensaiado no poder municipal de Lisboa, fez convergir interesses antagónicos, oportunismos sem valores e gente sem músculo político para desempenhar funções governativas, num encantatório chamamento de sobrevivência política que funciona quando há mínimos de integração e desagrega-se quando as comadres começam a virar-se cada uma para a sua agenda pessoal ou a zangar-se.

O deslaço da liderança do projeto político, montado numa presunção de intocabilidade pela teia construída ao longo da vida política, na justiça, na economia, nos media e nos interesses parciais, foi longe de mais, quiçá a ponto de não retorno da confiança política e eleitoral de muitos. 

Permitiu demasiadas quintinhas e recreios de interesses políticos e partidários pessoais alheados do interesse geral, das pessoas e da totalidade do território nacional.

Permitiu demasiadas opacidades e opções mal explicadas nas suas órbitas pessoais e de poder, até que as comadres dos negócios se terão zangado umas com as outras, verberando impropérios e maculando o exercício da governação com o foco certo.

Permitiu a criação de perceções públicas erradas sobre a infinitude dos recursos públicos, reincidiu na utilização de narrativas sem nexo com a realidade e ziguezagueou na construção de condições para a manutenção do poder sem critério, ora à esquerda, ora à direita, quase sempre com a cobertura de um Presidente da República de direita, mas conveniente para o essencial da governação.

Bloqueou-se perante a circunstância conquistada e concedida de uma maioria absoluta, com recursos financeiros e todas s condições para concretizar, para fazer, com o foco no bem comum, além das negociações da anterior solução política e das habilidades da gestão do quotidiano político, com maior ou menor habilidade, escrúpulos ou sensatez.

O quadro de podridão moral, ética e política atingido coloca em causa o exercício político, mas sobretudo a democracia, minando os seus pilares de confiança já tanto abalado com as injustiças, as opções sem senso e gente sem pingo de noção do que significa o serviço público.

A podridão não é vida, não pode ser o registo permitido por democratas, mas é aquilo a que temos assistido. E, por maior que seja o esforço de recomposição, não vai ficar tudo bem. Há danos democrático irreparáveis e, sobretudo, há renovadas dinâmicas de vingança política e de afirmação de novas realidades partidárias que se vão relançar, sob o paradigma dos interesses pessoais e o quadro de referência de vale tudo da liderança política vigente.

Com as comadres dos negócios zangadas e as comadres políticas ao rubro, o quadro de miséria tem tudo para persistir no essencial, com renovados galifões do passado recente a porem as garras de fora na expetativa de oportunidades de sobrevivência política à esquerda como se boa parte da realidade concreta na saúde, na educação e no modelo de organização económica e social do país não tivesse o cunho das opções da anterior solução governativa. Perante a incapacidade atual para liderar, concretizar e aproveitar as circunstâncias singulares de uma maioria absoluta, o novo líder do PCP já emergiu com cantigas de amigo, quiçá de Peniche, para novos embalos à esquerda. Depois do PCP ter salvo António Costa da derrota eleitoral de 2015, agora seria o momento de o PS resgatar o PCP do patamar de indigência eleitoral em que foi colocado.

Mas, verdadeiramente há alguma coisa que a vontade de uma maioria absoluta não possa concretizar e que uma convergência à esquerda o possa fazer? Haverá mais paz social e sindical, porque o pé no pedal das greves e manifestações não está tão carregado, mas isso não tem significado maior compromisso dos sindicatos ou centrais afetas ao PCP. Portanto, o ponto é mesmo a vontade política ou a sua ausência, a competência para fazer ou o laxismo no exercício do poder, da escolha das pessoas às opções de governação.

Quem não o fez com uma convergência à esquerda, além da sobrevivência política, e não o consegue fazer com uma maioria absoluta, dificilmente o conseguirá fazer, mas, entretanto, importa:

. recompor o governo com gente séria, capaz, com sentido de serviço público e foco nas pessoas e no país como um todo, além das alcatifas do poder em Lisboa- há quase 1 semana que o governo tem o ministério da agricultura ainda mais frágil do que ele já é;

. reintroduzir mínimos de ética republicana, sensatez e compromisso com quem recruta para a governação, sem procurar desculpas para a falta de critério nas escolhas que faz e gerar mercado para os populistas e os detratores do sistema democrático;

. focar o governo para a concretização das ideias, projetos e iniciativas com recursos para serem materializadas em todo o país, sem a presunção de quem a partir de Lisboa conseguem apreender as vivências locais e regionais;

. disciplinar as agendas individuais e os interesses particulares que estão a lesar o interesse geral, o partidário e o do país.

Porventura, será pedir mais a uma liderança configurada numa vida a tudo isto, que mude, mas a podridão não é vida. 

NOTAS FINAIS

PROVISÓRIO DEFINITIVO. Houve um tempo em que convivemos nas escolas com pavilhões provisórios que se tornavam definitivos. Agora, há soluções provisórias ou de circunstância, que seguem essa sina. No atendimento dos serviços públicos e na saúde, em questões vitais, não é admissível e aceitável, com a carga fiscal que temos.

SELECIONA A DOR. Se somos um país de treinadores de bancada, também podemos ser de selecionadores nacionais, mas convenhamos que a escolha de Roberto Martinez é reveladora do vírus “poucochinho desnorteado” que atacou a Federação Portuguesa de Futebol. Naturalizados, Selecionar Estrangeiro, só falta mesmo o Infantino na linha de sucessão do atual presidente. Sim, na monarquia da Federação fala-se de sucessor(a), não eleito(a).

É À GANÂNCIA. O despudor da ida da ex-secretária de estado do turismo para uma empresa do setor, que beneficiou com a sua governação diz bem do calibre desta gentinha escolhida a dedo.

A podridão não é vida


O deslaço da liderança do projeto político, montado numa presunção de intocabilidade pela teia construída ao longo da vida política, na justiça, na economia, nos media e nos interesses parciais, foi longe de mais, quiçá a ponto de não retorno da confiança política e eleitoral de muitos. 


Com orgulho estive na concretização da estratégia que permitiu o regresso ao poder do Partido Socialista em 1995, depois de mais de uma tumultuosa década de oposição, que permitiu a alguns dos protagonistas políticos vigentes o contacto com o exercício do poder no plano nacional, além da dimensão autárquica, da barganha da coisa partidária ou dos mexericos mediáticos, com maior expressão nas publicações em papel e nos canais existentes, sem redes sociais. É coisa de velho, mas o tempo, o código de conduta e o sentido de serviço público era outro. 

A verdade é que o berço de poder de alguns, a experiência de outros e a emergência de novos paradigmas de pragmatismo no exercício de funções políticas – o que ganho com isso?- degenerou num quadro de miséria, por ação e por omissão da liderança política, do perfil de utilização do poder adotado e na mera gestão das circunstâncias, sem visão, rasgo ou ambição.

O quadro de miséria e podridão em vigor, assente na projeção nacional de um modus operandi ensaiado no poder municipal de Lisboa, fez convergir interesses antagónicos, oportunismos sem valores e gente sem músculo político para desempenhar funções governativas, num encantatório chamamento de sobrevivência política que funciona quando há mínimos de integração e desagrega-se quando as comadres começam a virar-se cada uma para a sua agenda pessoal ou a zangar-se.

O deslaço da liderança do projeto político, montado numa presunção de intocabilidade pela teia construída ao longo da vida política, na justiça, na economia, nos media e nos interesses parciais, foi longe de mais, quiçá a ponto de não retorno da confiança política e eleitoral de muitos. 

Permitiu demasiadas quintinhas e recreios de interesses políticos e partidários pessoais alheados do interesse geral, das pessoas e da totalidade do território nacional.

Permitiu demasiadas opacidades e opções mal explicadas nas suas órbitas pessoais e de poder, até que as comadres dos negócios se terão zangado umas com as outras, verberando impropérios e maculando o exercício da governação com o foco certo.

Permitiu a criação de perceções públicas erradas sobre a infinitude dos recursos públicos, reincidiu na utilização de narrativas sem nexo com a realidade e ziguezagueou na construção de condições para a manutenção do poder sem critério, ora à esquerda, ora à direita, quase sempre com a cobertura de um Presidente da República de direita, mas conveniente para o essencial da governação.

Bloqueou-se perante a circunstância conquistada e concedida de uma maioria absoluta, com recursos financeiros e todas s condições para concretizar, para fazer, com o foco no bem comum, além das negociações da anterior solução política e das habilidades da gestão do quotidiano político, com maior ou menor habilidade, escrúpulos ou sensatez.

O quadro de podridão moral, ética e política atingido coloca em causa o exercício político, mas sobretudo a democracia, minando os seus pilares de confiança já tanto abalado com as injustiças, as opções sem senso e gente sem pingo de noção do que significa o serviço público.

A podridão não é vida, não pode ser o registo permitido por democratas, mas é aquilo a que temos assistido. E, por maior que seja o esforço de recomposição, não vai ficar tudo bem. Há danos democrático irreparáveis e, sobretudo, há renovadas dinâmicas de vingança política e de afirmação de novas realidades partidárias que se vão relançar, sob o paradigma dos interesses pessoais e o quadro de referência de vale tudo da liderança política vigente.

Com as comadres dos negócios zangadas e as comadres políticas ao rubro, o quadro de miséria tem tudo para persistir no essencial, com renovados galifões do passado recente a porem as garras de fora na expetativa de oportunidades de sobrevivência política à esquerda como se boa parte da realidade concreta na saúde, na educação e no modelo de organização económica e social do país não tivesse o cunho das opções da anterior solução governativa. Perante a incapacidade atual para liderar, concretizar e aproveitar as circunstâncias singulares de uma maioria absoluta, o novo líder do PCP já emergiu com cantigas de amigo, quiçá de Peniche, para novos embalos à esquerda. Depois do PCP ter salvo António Costa da derrota eleitoral de 2015, agora seria o momento de o PS resgatar o PCP do patamar de indigência eleitoral em que foi colocado.

Mas, verdadeiramente há alguma coisa que a vontade de uma maioria absoluta não possa concretizar e que uma convergência à esquerda o possa fazer? Haverá mais paz social e sindical, porque o pé no pedal das greves e manifestações não está tão carregado, mas isso não tem significado maior compromisso dos sindicatos ou centrais afetas ao PCP. Portanto, o ponto é mesmo a vontade política ou a sua ausência, a competência para fazer ou o laxismo no exercício do poder, da escolha das pessoas às opções de governação.

Quem não o fez com uma convergência à esquerda, além da sobrevivência política, e não o consegue fazer com uma maioria absoluta, dificilmente o conseguirá fazer, mas, entretanto, importa:

. recompor o governo com gente séria, capaz, com sentido de serviço público e foco nas pessoas e no país como um todo, além das alcatifas do poder em Lisboa- há quase 1 semana que o governo tem o ministério da agricultura ainda mais frágil do que ele já é;

. reintroduzir mínimos de ética republicana, sensatez e compromisso com quem recruta para a governação, sem procurar desculpas para a falta de critério nas escolhas que faz e gerar mercado para os populistas e os detratores do sistema democrático;

. focar o governo para a concretização das ideias, projetos e iniciativas com recursos para serem materializadas em todo o país, sem a presunção de quem a partir de Lisboa conseguem apreender as vivências locais e regionais;

. disciplinar as agendas individuais e os interesses particulares que estão a lesar o interesse geral, o partidário e o do país.

Porventura, será pedir mais a uma liderança configurada numa vida a tudo isto, que mude, mas a podridão não é vida. 

NOTAS FINAIS

PROVISÓRIO DEFINITIVO. Houve um tempo em que convivemos nas escolas com pavilhões provisórios que se tornavam definitivos. Agora, há soluções provisórias ou de circunstância, que seguem essa sina. No atendimento dos serviços públicos e na saúde, em questões vitais, não é admissível e aceitável, com a carga fiscal que temos.

SELECIONA A DOR. Se somos um país de treinadores de bancada, também podemos ser de selecionadores nacionais, mas convenhamos que a escolha de Roberto Martinez é reveladora do vírus “poucochinho desnorteado” que atacou a Federação Portuguesa de Futebol. Naturalizados, Selecionar Estrangeiro, só falta mesmo o Infantino na linha de sucessão do atual presidente. Sim, na monarquia da Federação fala-se de sucessor(a), não eleito(a).

É À GANÂNCIA. O despudor da ida da ex-secretária de estado do turismo para uma empresa do setor, que beneficiou com a sua governação diz bem do calibre desta gentinha escolhida a dedo.