Desgoverno moral da República


A complacência com que se aplica o critério jornalístico para dar expressão a factos e rotular outros de não assuntos ou notas de rodapé é assustador, gerando conforto no sistema, na modalidade de “os cães ladram e a caravana passa”.


Costuma-se dizer que a ética e a moral da República são configuradas pela lei. Em boa parte, é assim, mas resumir a questão a essa dimensão é não entender ou fingir não querer compreender o tempo que vivemos e os desafios colocados por novas realidades, entre o digital e o populismo adversário dos valores democráticos.

Os servidores da República configuraram um sistema de conquista e manutenção do poder assente no cumprimento formal das obrigações legais, mas que na substância conduz a fenómenos de aproveitamento e instrumentalização do seu funcionamento para fins particulares, bem longe dos interesses gerais. Foi assim no Município de Lisboa, está a ser assim na liderança da governação do país. Os servidores do Estado converteram-se em servidores de lideranças que, por sua vez, se servem das margens de arbítrio do funcionamento do Estado.

O sistema passa por gerar uma rede de convergências de interesses, estruturais ou de circunstância, legal na forma, para assegurar o exercício do poder, a sua sustentação e a replicação de modo a assegurar a renovação dos protagonistas e do alcance.

O sistema conta com a complacência que baste do povo e dos media para não afetar as dinâmicas e os equilíbrios, mantendo a preocupação de ir alimentando quem pode contestar com apaziguamentos, sob a forma de aparentes boas notícias, comparticipações nos esforços da vida diária ou outras mezinhas de conformismo.

Há na vida política diversos exemplos de eleitos com obra feita que por desmando da gestão, de ultrapassagem de linhas vermelhas aos olhos de quem não tinha o básico no bolso para aceder ao essencial, se viram apeados do poder, sem apelo nem agrado. Portanto, o cerne do sistema é a manutenção dos pontos de equilíbrio, mesmo com casos e disfunções, sempre alheadas na aparência da responsabilidade do maior ativo político e partidário.

A política dos casos só existe porque existem casos, mas é, ela própria um fenómeno. Por exemplo, na TAP, por que razão é tema o gasto de uns milhares de euros na compra de uns BMW’s e não é escândalo nacional gastar milhões com aviões que estão em terra, enquanto contratam empresas e aviões para suprir necessidades de serviço? A complacência com que se aplica o critério jornalístico para dar expressão a factos e rotular outros de não assuntos ou notas de rodapé é assustador, gerando conforto no sistema, na modalidade de “os cães ladram e a caravana passa”. É claro que são muitos os filtros que podemos sempre aplicar na avaliação das situações e na ponderação dos interesses em presença nas opções que temos de fazer individual ou coletivamente, mas há mínimos obrigatórios quando se trata de gerir recursos públicos e decidir em função do interesse geral.

Esses mínimos não são cumpridos na TAP, são do conhecimento das tutelas, que estão prisioneiras de um caminho, uma estratégia e protagonistas que foram escolhidos, sem a competência e a sensibilidade necessárias para o desafio que tinham pela frente. Por isso, vemos na TAP o mesmo desbaratar a que assistimos no Novo Banco e em outras expressões opacas de opções políticas em que os contribuintes são convocados a suprir as insuficiências.

O funcionamento do sistema está a transformar o país numa enorme conversa de táxi e a ampliar o mercado de oportunidades dos populistas e dos adversários dos valores democráticos. Não querer compreender que a exigência tem de ser maior, que o chip do exercício do poder mudou e que a liderança política tem de ser uma conjugação de valores, visão e consistência na ação em torno do bem comum, é persistir numa espiral que pode assegurar a sobrevivência num quadro de estabilidade com maioria absoluta e recursos financeiros, mas mina o futuro.

O caso da obscena indemnização de meio milhão da secretária de Estado do Tesouro na saída da TAP antes da ida para a NAV e da aterragem no Governo em funções com relevâncias éticas e morais para a República é só mais uma das muitas misérias que nos povoam e das que vão existindo sem se saber. Olhar para cima e ver estes exemplos, é um desastre cívico e social preocupante, que em nada contribui para reverter dinâmicas negativas existentes. É continuar a minar a consciência cívica de quem tendo direitos constitucionais procura corresponder com cumprimento aos deveres, nos impostos, na prestação da casa, no acesso a bens e serviços essenciais e na procura de respostas para os desafios do quotidiano.

Em certo sentido, mesmo com o amortecimento do despejo de uns trocos nos bolsos dos alguns mais necessitados, é o desgoverno moral da República gerador do popular “são todos iguais” e da descrença nas instituições e na Democracia. Os portugueses estão habituados a pouco, não é preciso ser tão “poucochinho”. A ética e a moral da República exigem mais, mas isso é pedir demais para quem acha que tudo isto chega para o sistema e para o país que temos. E não se trata de uma questão de Esquerda ou da Direita, veja-se o sentido de decisões governativas no passado e por andam alguns ex-governantes. É mesmo um problema dos protagonistas e da perceção do contexto instalado. É defeito e feitio.

NOTAS FINAIS
PORTAGENS E AS BRISAS DE AUMENTOS SEM VERGONHA. A Troika e depois a pandemia foram pretextos para aligeirar as obrigações das concessionárias rodoviárias, havendo à semelhança de estradas nacionais e municipais, uma enorme degradação das condições de circulação em segurança. O Estado que é fraco com os fortes, ao clamor de aumentos das portagens aos valores da inflação deveria ter acionado as fiscalizações para que em troços da Brisa como o da A2 (entre Palmela e Aljustrel nos dois sentidos) e de outras concessões fossem repostas as condições de segurança de pisos que mais parecem troços de ralis nas faixas da esquerda. Depois de retificados os pisos e as condições de segurança rodoviária, falavam-se das atualizações, mas não. Cobra já, para continuar a prestar serviço com insuficiências, perante a inação do Estado.

MENSAGENS E RESOLUÇÕES. Esta é uma época de mensagens, entre o otimismo, o realismo e o pessimismo, mas o que precisávamos todos era mesmo de gerar uma visão de futuro para todos e para todo o território nacional, um compromisso sustentado e afirmar a capacidade de concretizar com o que está disponível e ao nosso alcance. Até lá ficamos pelas intenções, a alimentar os infernos. 

2023. Há muitas incertezas, não será bom, que seja melhor que 2022. Bom Ano Novo, sobretudo com saúde e boas experiências.

Escreve à quarta-feira

Desgoverno moral da República


A complacência com que se aplica o critério jornalístico para dar expressão a factos e rotular outros de não assuntos ou notas de rodapé é assustador, gerando conforto no sistema, na modalidade de “os cães ladram e a caravana passa”.


Costuma-se dizer que a ética e a moral da República são configuradas pela lei. Em boa parte, é assim, mas resumir a questão a essa dimensão é não entender ou fingir não querer compreender o tempo que vivemos e os desafios colocados por novas realidades, entre o digital e o populismo adversário dos valores democráticos.

Os servidores da República configuraram um sistema de conquista e manutenção do poder assente no cumprimento formal das obrigações legais, mas que na substância conduz a fenómenos de aproveitamento e instrumentalização do seu funcionamento para fins particulares, bem longe dos interesses gerais. Foi assim no Município de Lisboa, está a ser assim na liderança da governação do país. Os servidores do Estado converteram-se em servidores de lideranças que, por sua vez, se servem das margens de arbítrio do funcionamento do Estado.

O sistema passa por gerar uma rede de convergências de interesses, estruturais ou de circunstância, legal na forma, para assegurar o exercício do poder, a sua sustentação e a replicação de modo a assegurar a renovação dos protagonistas e do alcance.

O sistema conta com a complacência que baste do povo e dos media para não afetar as dinâmicas e os equilíbrios, mantendo a preocupação de ir alimentando quem pode contestar com apaziguamentos, sob a forma de aparentes boas notícias, comparticipações nos esforços da vida diária ou outras mezinhas de conformismo.

Há na vida política diversos exemplos de eleitos com obra feita que por desmando da gestão, de ultrapassagem de linhas vermelhas aos olhos de quem não tinha o básico no bolso para aceder ao essencial, se viram apeados do poder, sem apelo nem agrado. Portanto, o cerne do sistema é a manutenção dos pontos de equilíbrio, mesmo com casos e disfunções, sempre alheadas na aparência da responsabilidade do maior ativo político e partidário.

A política dos casos só existe porque existem casos, mas é, ela própria um fenómeno. Por exemplo, na TAP, por que razão é tema o gasto de uns milhares de euros na compra de uns BMW’s e não é escândalo nacional gastar milhões com aviões que estão em terra, enquanto contratam empresas e aviões para suprir necessidades de serviço? A complacência com que se aplica o critério jornalístico para dar expressão a factos e rotular outros de não assuntos ou notas de rodapé é assustador, gerando conforto no sistema, na modalidade de “os cães ladram e a caravana passa”. É claro que são muitos os filtros que podemos sempre aplicar na avaliação das situações e na ponderação dos interesses em presença nas opções que temos de fazer individual ou coletivamente, mas há mínimos obrigatórios quando se trata de gerir recursos públicos e decidir em função do interesse geral.

Esses mínimos não são cumpridos na TAP, são do conhecimento das tutelas, que estão prisioneiras de um caminho, uma estratégia e protagonistas que foram escolhidos, sem a competência e a sensibilidade necessárias para o desafio que tinham pela frente. Por isso, vemos na TAP o mesmo desbaratar a que assistimos no Novo Banco e em outras expressões opacas de opções políticas em que os contribuintes são convocados a suprir as insuficiências.

O funcionamento do sistema está a transformar o país numa enorme conversa de táxi e a ampliar o mercado de oportunidades dos populistas e dos adversários dos valores democráticos. Não querer compreender que a exigência tem de ser maior, que o chip do exercício do poder mudou e que a liderança política tem de ser uma conjugação de valores, visão e consistência na ação em torno do bem comum, é persistir numa espiral que pode assegurar a sobrevivência num quadro de estabilidade com maioria absoluta e recursos financeiros, mas mina o futuro.

O caso da obscena indemnização de meio milhão da secretária de Estado do Tesouro na saída da TAP antes da ida para a NAV e da aterragem no Governo em funções com relevâncias éticas e morais para a República é só mais uma das muitas misérias que nos povoam e das que vão existindo sem se saber. Olhar para cima e ver estes exemplos, é um desastre cívico e social preocupante, que em nada contribui para reverter dinâmicas negativas existentes. É continuar a minar a consciência cívica de quem tendo direitos constitucionais procura corresponder com cumprimento aos deveres, nos impostos, na prestação da casa, no acesso a bens e serviços essenciais e na procura de respostas para os desafios do quotidiano.

Em certo sentido, mesmo com o amortecimento do despejo de uns trocos nos bolsos dos alguns mais necessitados, é o desgoverno moral da República gerador do popular “são todos iguais” e da descrença nas instituições e na Democracia. Os portugueses estão habituados a pouco, não é preciso ser tão “poucochinho”. A ética e a moral da República exigem mais, mas isso é pedir demais para quem acha que tudo isto chega para o sistema e para o país que temos. E não se trata de uma questão de Esquerda ou da Direita, veja-se o sentido de decisões governativas no passado e por andam alguns ex-governantes. É mesmo um problema dos protagonistas e da perceção do contexto instalado. É defeito e feitio.

NOTAS FINAIS
PORTAGENS E AS BRISAS DE AUMENTOS SEM VERGONHA. A Troika e depois a pandemia foram pretextos para aligeirar as obrigações das concessionárias rodoviárias, havendo à semelhança de estradas nacionais e municipais, uma enorme degradação das condições de circulação em segurança. O Estado que é fraco com os fortes, ao clamor de aumentos das portagens aos valores da inflação deveria ter acionado as fiscalizações para que em troços da Brisa como o da A2 (entre Palmela e Aljustrel nos dois sentidos) e de outras concessões fossem repostas as condições de segurança de pisos que mais parecem troços de ralis nas faixas da esquerda. Depois de retificados os pisos e as condições de segurança rodoviária, falavam-se das atualizações, mas não. Cobra já, para continuar a prestar serviço com insuficiências, perante a inação do Estado.

MENSAGENS E RESOLUÇÕES. Esta é uma época de mensagens, entre o otimismo, o realismo e o pessimismo, mas o que precisávamos todos era mesmo de gerar uma visão de futuro para todos e para todo o território nacional, um compromisso sustentado e afirmar a capacidade de concretizar com o que está disponível e ao nosso alcance. Até lá ficamos pelas intenções, a alimentar os infernos. 

2023. Há muitas incertezas, não será bom, que seja melhor que 2022. Bom Ano Novo, sobretudo com saúde e boas experiências.

Escreve à quarta-feira