Os fenómenos meteorológicos extremos que estão a ocorrer com uma maior frequência são um renovado motivo para a invocação do aconchego da manta do Estado face aos impactos individuais e comunitários, o que é suscetível de indesejado arbítrio dos poderes na concessão ou não de apoios, suscetíveis de gerarem situações de injustiça e desigualdade entre os cidadãos e os territórios.
O Estado intervém sem critério, com uma enorme margem de discricionariedade, a toque dos mediatismos, da verve presidencial no afã de tudo comentar ou do nível de influência nacional dos decisores locais.
A realidade tem de ir muito além da sua existência mediática, sob pena de não acorrermos a um agricultor no Interior que perder todas as suas culturas devido ao tempo, que não foi notícia ou cujos representantes políticos locais não têm expressão consequente, e de o fazermos em relação a um cidadão residente em meio urbano na rota de uma linha de água alegadamente domesticada pelos interesses imobiliários.
A pandemia sublinhou que em determinadas circunstâncias mesmos os detratores do papel do Estado e eufóricos apoiantes do funcionamento desregrado do funcionamento dos mercados não hesitam em convocar a manta do Estado para tudo, logo, o Estado tem de ter critérios transparentes, inteligíveis e eficazes na materialização das intervenções. Não pode ser a gritaria ou o mediatismo a determinar a resposta a circunstâncias que resultam de opções políticas locais de ocupação dos solos ou do estado de necessidade das pessoas, alheadas dos riscos existentes.
Quem amplia riscos nas dinâmicas individuais, nos ritmos comunitários e nos territórios tem de ser efetivamente sancionado, para que exista diferença entre o fazer bem e o arriscar fazer mal a troco de receitas municipais, de interesses imobiliários e de uma procura desesperada de um teto para viver.
Os riscos têm de ser incorporados nos nossos quotidianos como parte das dimensões presentes nas nossas vidas, em que sabemos como reagir em função da sua manifestação, se necessário com esforço de contratação de seguros.
O Estado tem de deixar bem claro em que circunstâncias intervém e para fazer o quê. É que o Estado tem um conjunto de funções essenciais, desde logo as funções de soberania e as de promoção do acesso a serviços essenciais, como o da saúde ou da educação, em que apresenta demasiadas insuficiências para querer acorrer a todas as ocorrências ou às que ganham relevância pelo peso dos atores locais e dos mediatismos. A manta do Estado não chega para tudo, mas tem de ser eficaz sem máculas no essencial das suas funções principais. Querer acorrer a tudo, sem critérios, fará com que se falhe no essencial, o que significa renovadas oportunidades de afirmação dos populistas, dos extremismos e dos detratores do funcionamento da Democracia.
O que temos atualmente é a invocação constante da manta do Estado, cujos recursos são limitados, apesar da enorme carga fiscal existente, num quadro de arbítrio em que a gritaria da relevância se sobrepõe a um sentido de justiça e de equidade que tem de estar presente nas situações humanitárias e de solidariedade.
Tem de haver critérios claros para que toda a gente saiba com o que pode contar, no quotidiano e em emergência, sendo que a existirem instrumentos de apoio a contextos individuais ou comunitários de catástrofe eles têm de ser agilizados para chegarem em tempo útil, com mínimos de capacidade de triagem para evitar os chico-espertos. Já tive de gerir um fenómeno meteorológico extremo ocorrido em 2009 na Região Oeste, no socorro é vital a articulação dos meios, o conhecimento do território e a capacidade de mobilização de recursos. As quintinhas de competências e instituições existentes em Lisboa são um dos seus problemas em emergência, dados que os poderes vão alternando as atenções e os meios entre os Sapadores e os Bombeiros Voluntários sobreviventes. Mas, voltando ao Oeste, mesmo havendo recursos dentro de critérios latos e arbitrários, pela intervenção dos burocratas e das finanças, os apoios tardam demasiado a chegar às pessoas, às empresas e às instituições. O tempo de decisão está totalmente desfasado do tempo das necessidades da reposição da normalidade possível. De 2009 a 2011 herdei processos de intempéries anteriores e não consegui resolver nenhum dos resultantes das ocorrências do Oeste.
Por muito que custe a alguns, a manta do Estado é curta para tanta necessidade e indigência. Ou o Estado se concentra nas suas funções essenciais e fá-las bem, com eficácia e fácil acessibilidade pelos cidadãos, ou quer ir a todas e estão a fazer o maior dos favores aos populistas e detratores da Democracia. Quase meio século depois, o Estado deve continuar a ser humanista e ter resiliência, mas tem de o fazer com critério e eficácia, não a toque dos mediatismos, da hiperação presidencial ou proximidade dos atores locais ao poder central ou aos media. A manta larga do Estado facilmente se transforma em manta rota, tantos são as insuficiências em áreas vitais da sua responsabilidade constitucional.
NOTAS FINAIS
QUEM OS ESPALHOU QUE OS AJUNTE. O deslaço organizacional e comunicacional em torno da seleção nacional de futebol só poderia acabar mal, com tantos fatores de desestabilização. O que sobra em energias negativas faltou em valorização do potencial existente, em intensidade e em sentido de compromisso em linha com as ambições. É um fim de ciclo numa Federação que parece desasada depois da saída de elementos-chave do registo dos últimos anos e num Selecionar sem condições para prosseguir um caminho de aproveitamento do talento existente. Mérito ao que foi conquistado, não voltemos às vitórias morais.
AS DUAS GARGANTAS DO PC. O PCP mantém uma enorme proximidade ao PC Chinês. A expressão dessa proximidade é incompatível com as afirmações do novo líder do PC de cá Paulo Raimundo, “Não podemos continuar confrontados com os lucros milionários das grandes empresas de energia enquanto milhões de pessoas passam frio em casa, adoecem e morrem porque simplesmente não têm dinheiro para pagar os cada vez mais escandalosos preços da energia”. A maior acionista da EDP é a China Three Gorges, uma empresa pública chinesa do PC de lá. O universo ideológico comunista é cada vez mais contraditório. Uma palavrinha ao PC de lá e a eletricidade da EDP baixa em Portugal. Assim se veria a força do PCP. Menos frio em casa, melhor conforto ideológico.
A EPIDEMIA DA DEGRADAÇÃO ÉTICA. Os populismos não surgem por acaso. A epidemia da degradação ética e moral da geometria variável, do vale tudo, dos ajustes às circunstâncias em detrimentos dos valores e princípios, mas também uma certa indiferença popular com as práticas vigentes, só poderia ter expressão no Parlamento Europeu. Se existe nos Estados membros, tinha de ter expressão comunitária. É de cima que tem de vir o exemplo e de baixo a exigência.
Escreve à quarta-feira