Irmãos Menendez. O crime que chocou o mundo nos anos 90

Irmãos Menendez. O crime que chocou o mundo nos anos 90


Lyle e Erik Menendez mataram os seus pais milionários de uma forma “selvagem” num domingo de agosto de 1989. Alegaram ter sido vítimas de vários abusos. Não foi uma atenuante, e os irmãos foram condenados a prisão perpétua. Com o lançamento de duas produções na Netflix, o seu destino pode estar prestes a mudar.


Tirar a vida de alguém é sempre uma tragédia, mas quando falamos de um familiar, o cenário parece sempre mais negro. Familicídio é um tipo de homicídio em que pelo menos um cônjuge, um ou mais filhos, um pai, mãe, ou outros parentes como irmãos e avós são mortos.

Já se passaram mais de 34 anos desde que Lyle, atualmente com 56 anos, e Erik Menendez, de 53, foram acusados de matar brutalmente os seus pais ricos em Beverly Hills, um dos códigos postais mais elitistas e cobiçados do mundo. Este foi, também por isso, um dos assassinatos mais conhecidos e escrutinados do século passado. Muito se falou, especulou e aconteceu desde então. Até recentemente, a sentença dizia que estes passariam o resto da sua vida presos na Califórnia. No entanto, parece que ainda existem algumas pontas soltas e, ao que tudo indica, os irmãos podem sair em liberdade em breve.


“Estou a ficar velho. Não vou viver muito mais tempo. Há muito por contar. Acho que não falar agora, não ajuda ninguém. Aqueles acontecimentos terríveis fizeram-nos estabelecer laços que nunca serão quebrados”, ouvimos numa gravação de chamada com Erik no começo do documentário da Netflix, Os Irmãos Menendez do realizador argentino Alejandro Hartmann que reuniu e analisou diversos ficheiros recolhidos ao longo dos anos, incluindo gravações do julgamento. “Tendo estado décadas separados sentimo-nos como se… Não somos gémeos, mas é como se fossemos. A causa de tudo isto foram segredos de família e coisas do passado. Já cumprimos 34 anos de prisão. Pela primeira vez, sinto que é um tema que as pessoas poderão compreender e acreditar”, acrescenta Lyle. O documentário contou ainda com entrevistas a outros dos protagonistas deste caso, como jornalistas que escreveram sobre o crime na época, advogados, polícias, familiares dos protagonistas, etc.

Um crime ‘selvagem’

Na noite de domingo do dia 20 de Agosto de 1986, eram por volta das 23h47 quando o 911 recebeu uma chamada de possíveis vítimas de tiroteio, em Elm Drive. Os agentes chegaram ao local e confirmaram: o famoso executivo de cinema Jose Menendez e a sua mulher, Kitty, haviam sido mortos a tiro na sua mansão de milhões. A nuca do patriarca da família tinha sido arrancada e os miolos caiam, havia massa cinzenta e sangue a pingar no teto, a mãe estava desfigurada. Não havia dúvida. Apesar de não existirem cartuchos na sala, eram tiros de espingardas. Não havia nem pistas nem suspeitos. As autoridades nunca tinham visto um homicídio tão «selvagem».

Na altura, os irmãos, Lyle com 22 anos e Erik, com 18, disseram que encontraram os corpos dos pais ao voltarem para casa. A polícia encontrou-os «histéricos» e não foram logo tratados como suspeitos. Aliás, demoraria muito até se chegar à verdade. «Devia ter havido uma reação da Polícia. E teríamos sido detidos. Não tínhamos álibi. Tínhamos resíduos de pólvora nas mãos. Normalmente, teriam feito a análise aos resíduos. Havia cartuchos no meu carro que estava na zona de busca. Se me tivessem pressionado, não teria resistido ao interrogatório», admite Erik na continuação da gravação do documentário da plataforma de streaming. «Disse aos polícias, ao entrar na sala, que havia fumo, o que seria impossível, se não fosse culpado», explica.

Um pesadelo de família As pessoas nunca suspeitaram. Porque é que dois irmãos haveriam de matar os pais? Ainda para mais num dos lugares mais seguros do mundo? Todos os viam como uma família feliz, poderosa e influente. O pai era muito exigente e rígido. A mãe mais submissa, muito dependente do marido e com problemas com álcool. Tirando isso, nada parecia invulgar. Porém, segundo confissões dadas pelos irmãos mais tarde – nomeadamente no julgamento em 1996, que acabou com a condenação à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional -, dentro de casa vivia-se um pesadelo de abusos psicológicos, físicos e sexuais há anos. O pai obrigava os filhos às coisas mais hediondas, a mãe sabia e não agia para mudar o panorama. Aliás, ela própria submetia os filhos a momentos humilhantes e desagradáveis. Anos e anos de abusos que os irmãos aguentaram por desejarem conquistar “o amor do pai”. Com o passar dos anos, o cenário, alegadamente traumático, levou os filhos ao limite e estes alegaram que agiram em legítima defesa. Acreditavam que seriam os pais a matá-los depois de ameaçarem revelar os abusos ao público.

Mas tal como acima referido, Lyle e Erik ainda aproveitaram a liberdade durante vários meses, até se chegar à verdade. O mais velho começou a comportar-se como o pai, chegando a contratar um guarda costas porque o pai tinha “inimigos de negócios”. Apesar da família não se dar bem e de Jose até ter alterado o seu testamento não querendo deixar nada aos filhos pouco tempo antes de ser morto, os irmãos conseguiram evitar que o documento fosse visto. E começaram a gastar dinheiro como se fosse água. Um Porsche Carrera, um Jeep Wrangler, três Rolex, roupas de luxo, um restaurante em Nova Jérsia. Gastaram mais de um milhão de dólares em apenas meio ano.


Nessa altura, a polícia que desconfiava da máfia – pela posição influente do pai -, começou a virar as atenções para os irmãos e, em 1990, detiveram-nos. Julgavam que o assassinato ocorrera pela herança de 14 milhões de euros que seria dividido pelos dois. O caso tornou-se um fenómeno mediático nacional e internacional e o julgamento foi transmitido pela televisão. Foi aí que os contornos mudaram…

Reabertura do caso

Antes da estreia do documentário, a Netflix lançou uma série, intitulada Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez, criada por Ryan Murphy e Ian Brennan, que oferece uma dramatização em nove episódios e explora as complexas relações familiares dos Menendez.

Após a grande repercussão da série nas redes sociais – com milhares de pessoas a dar a sua opinião sobre a história e a terem empatia pelos irmãos -, o seu realizador veio a público admitir que já esperava uma reavaliação pública do caso. “Quando decidimos contar esta história, imaginávamos que o público poderia mudar de opinião sobre os irmãos Menendez. A série não é apenas sobre o crime, mas sobre a complexidade das suas histórias de vida e os traumas pelos quais passaram. Essas nuances são fundamentais para entender até que ponto um ambiente familiar disfuncional pode impactar decisões extremas”, afirmou Murphy que destacou que o seu objetivo ao explorar a história era “fazer o público refletir sobre o contexto em torno dos Menendez, algo muitas vezes ignorado nos anos 1990, quando o caso teve grande cobertura mediática”. “Quero trazer à tona essas questões que nem sempre foram abordadas nos tribunais e nos media da época, especialmente quando falamos de acusações de abusos que influenciam comportamentos. É sobre entender o impacto disso em quem eles se tornaram”, explicou.

O passo mais recente do caso é que agora há uma data para uma nova audiência: dia 11 de dezembro. E após a avaliação de provas, ambos poderão ser soltos imediatamente. Entre as alegações do advogado está o pedido de alteração da condenação de assassinato para “homicídio culposo”. Caso aconteça, ficarão em liberdade, já que cumpriram três vezes mais do tempo proposto para esse tipo de crime.

Uma outra testemunha veio dar força ao caso. Roy Rosselló, de 54 anos, ex-integrante da banda porto-riquenho Menudo, trouxe, pela primeira vez em 34 anos, um facto novo para a defesa dos irmãos. O cantor alegou ter sido drogado e violado por Jose Menendez na casa da família. Na altura, o patriarca era vice-presidente executivo da gravadora RCA, responsável por promover artistas latinos, como era o seu caso. O depoimento de Rosselló foi revelado no documentário Menendez + Menudo: Boys Betrayed, do ano passado. “Tenho a missão de colocar na mente e pensamento espiritual das autoridades competentes deste caso nos EUA que, pelo amor de Deus, sejam justos e libertem os Irmãos Menendez, pois eu sou testemunha de tudo o que passaram. É tudo verdade!”, disse o ex-Menudo em setembro deste ano no Instagram.

Em outubro, a família de Lyle e Erik realizou uma conferência de imprensa para pedir ao então procurador distrital de Los Angeles, George Gascón, que os libertasse, já que a equipa de defesa dos irmãos argumentou que novas evidências mostravam que estes haviam realmente sido vítimas de abuso sexual por parte do pai.

Anamaria Baralt, uma prima, defendeu que eles foram «vítimas de uma cultura que não estava pronta para ouvir certas coisas». Na série da Netflix é possível ver como o júri se dividiu no primeiro julgamento dos irmãos. As mulheres sempre foram mais sensíveis à sua história, ao contrário dos homens. «Lyle e Erik merecem uma oportunidade para se curar e a nossa família merece uma oportunidade para se curar com eles», afirmou a familiar.

No final de novembro, aconteceria uma audiência para decidir se os dois teriam um novo julgamento. O caso, porém, ganhou novos contornos uma semana depois quando George Gascón decidiu que haveria uma antecipação da decisão de analisar um habeas corpus que poderia libertar os dois. A forte repercussão da série e a pressão por parte dos fãs fizeram com que este alterasse a data de análise do recurso. “Tínhamos marcado uma data no final de novembro para discutir sobre o habeas corpus, mas dada a atenção pública a este caso, tentei chegar a uma decisão antes disso”, admitiu. Gascon, que procura uma reeleição, sublinhou ainda que mais de 300 pessoas receberam uma nova sentença durante o seu mandato e apenas quatro voltaram a cometer crimes.