Percebo que começo a ficar com uma certa idade quando as minhas recordações futebolísticas conseguem ir até à final da Taça dos Clubes Campeões Europeus em que o Benfica defrontou um PSV Eindhoven carregado de estrelas. Como sempre, nós éramos os outsiders, aqueles em quem ninguém acreditava contra Ronald Koeman, Vanenburg, Gerets ou o monstro das balizas, Hans van Breukelen. Eu estava a caminho do meu sexto aniversário e chorei copiosamente, colado à televisão com a camisola do Mats Magnusson vestida. Nesse dia em que o Silvino, com um aziago equipamento verde, abanava a cabeça em sinal de pouco acreditar, a cada penálti convertido pelo adversário, vi o Veloso agarrar a bola com pouca segurança, notória no repetido coçar do bigode com os dentes, que resultou num denunciado remate que nos valeu a derrota. Desde então vi o Benfica ir a mais 3 finais europeias, a erguer-se da lama com uma grande equipa e a ir golear o Sporting em Alvalade por 3-6. Vi um fantástico rolo compressor na primeira época de JJ com Aimar, Di Maria, Ramires ou David Luiz, ou uma recuperação fantástica (quando tudo parecia perdido) com Bruno Lage, João Félix e companhia.
De todos esses tempos, desde o princípio em que me apaixonei pelo futebol, que me ajudou a aprender a ler, quando ao almoço, na primeira classe, me esperavam sempre com o lençol d’A Bola para ver “as gordas”, nunca me recordo de ver um Benfica tão compacto, tão pujante e completo. Nunca fez tanto sentido aliar as palavras raça, crer e ambição, à arte e à magia. Tudo na mesma frase. Várias vezes ao longo destes anos tive o azar de ver pouca arte e quase sempre faltou raça e ambição. Desta vez não, está lá tudo e embora a época ainda só vá no princípio já existem indícios claros de que este é o caminho. Às vezes tenho receio de falar sob pena de esta mesma equipa vir a sucumbir numa segunda parte da época atípica, com um Mundial pelo meio. A verdade é que independentemente do que venha a acontecer ou mais do que os feitos que possam vir ou não a ser alcançados e dos quais não posso ainda falar, o que me orgulha e me deixa satisfeito tem a ver com a forma como chegámos até aqui, depois de anos verdadeiramente tortuosos.
Como todas as construções bem feitas, o sucesso foi assente na sua estrutura inicial. Além de muitos outros predicados e méritos que podemos atribuir ao treinador Roger Schmidt, talvez o principal, como dizia o meu amigo Lemos, tenha a ver com a coragem para tomar certo tipo de decisões. Despachar nomes consagrados, habituais titulares das suas seleções como Yaremchuk, Seferovic ou Vertonghen, neste último caso com a coragem suplementar de perceber que se queria uma defesa subida precisava de jogadores rápidos e não teve pejo em dar primazia a um miúdo de 18 anos (António Silva) que ainda não tinha sequer jogado na primeira equipa. Percebeu que além de nada acrescentar ainda bloqueariam o aparecimento de outros. Também despachou o meio campo de plástico com Weigl e Taraabt, percebendo claramente do que a equipa precisava para ser mais incisiva e combativa. Apostou nos jovens, recuperou o Florentino Luís após sucessivos empréstimos e reabilitou um João Mário encostado e sem confiança (aqui dou a mão à palmatória porque nunca achei que o conseguisse).
A juntar a todas estas decisões, as contratações acertadas de Neres ou Enzo, o olho clínico em relação a Bah ou Aursnes ou a colocação de Rafa onde este mais desequilibra. De permeio ainda recebemos um preparador físico que nos ensina todas as semanas que se calhar o que os jogadores precisam, mais do que de descanso é de método e motivação. Semana após semana ouvem-se os treinadores de bancada a pedir rotação ou descanso para os meninos, mas vão sempre os mesmos lá para dentro e a verdade é que rendem! Neste momento vemos a equipa a jogar um futebol atrativo, cheio de garra mas acima de tudo com uma confiança pouco vista por estes lados. Vamos para cima deles, não os deixamos respirar, não temos medo das outras camisolas e nota-se que acreditamos muito no que estamos a produzir. Isso vê-se em campo e é reflexo de um trabalho consistente que em pouco tempo já mudou o Benfica, sobretudo em termos de mentalidade. Que o melhor ainda esteja para vir!
P.S. Um passarinho sussurrou-me ao ouvido que o nosso presidente falou com CR7 para a segunda parte da época. Espero que não passe de um boato: além de ser um símbolo do nosso rival, acho que nesta altura não faria qualquer sentido mexer na estabilidade emocional da equipa.