O Governo vai apresentar novas medidas aos portugueses para ajudar a combater a inflação – que apesar de ter desacelerado face a julho ainda atingiu os 9% em agosto (ver página 8) – no valor de dois mil milhões de euros, apurou o i. Trata-se do maior pacote de ajuda alguma vez apresentado e que passa, entre várias opções, por uma redução da carga fiscal.
Uma medida que há muito tem vindo a ser defendida, tanto por economistas como pelas associações empresariais.
É certo que até julho, de acordo com os dados divulgados pela execução orçamental, os cofres do Estado arrecadaram mais de 16 mil milhões de euros em impostos indiretos, um aumento de 18,3% face a igual período do ano passado, enquanto os impostos diretos rondaram quase 10 mil milhões de euros. Só o IRS permitiu encaixar quase 12 mil milhões de euros, já o IRC superou os sete mil milhões de euros. Em termos de impostos indiretos, o IVA é o campeão em termos de receitas ao rondar os 11,5 mil milhões de euros, enquanto o ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos) permitiu encaixar cerca de 1,8 mil milhões de euros.
Daí, ainda ontem, o Governo ter revelado que iria manter os descontos no ISP dos combustíveis em setembro. “O desconto no ISP equivalente a uma descida da taxa do IVA dos 23% para 13% vai manter-se em setembro. Quanto à compensação por via de redução do ISP da receita adicional de IVA, decorrente de variações de preços dos combustíveis, o desconto vai manter-se também inalterado no próximo mês”, disse o Ministério das Finanças.
Também a atualização da taxa de carbono vai continuar suspensa por mais um mês. “Considerando todas as medidas em vigor, a diminuição da carga fiscal é de 28,2 cêntimos por litro de gasóleo e 32,1 cêntimos por litro de gasolina”, revela o gabinete de Fernando Medina.
Carga fiscal será a grande surpresa Ao que i apurou, a grande surpresa das medidas que irão ser apresentadas pelo Governo na próxima segunda-feira passam por uma redução da carga fiscal, nomeadamente pelos escalões de IRS.
Recorde-se que no Orçamento do Estado deste ano já foi levado a cabo a introdução de mais dois escalões de rendimento coletável (e respetivas taxas), em resultado dos desdobramentos dos 3.º e 6.º escalões, passando assim a existir nove escalões, em vez dos atuais sete. Além disso, já tinham sido contemplados ligeiros ajustes nos valores dos limites dos escalões.
Ainda na semana passada, em entrevista ao i, Álvaro Beleza, presidente da SEDES propôs uma diminuição significativa da carga fiscal. “É preciso reduzir os impostos de uma forma corajosa, a receita fiscal aumentaria e teríamos um maior crescimento económico, lembrando que “não há nenhum caso de nenhum país que com menos impostos não tenha crescido economicamente. Isso acontece a todos os países europeus: República Checa, Letónia, Lituânia, todos. Holanda e todos eles têm a nossa dimensão”.
E aponta como desafio termos todos os impostos mais baixos do que a Espanha, em pelo menos 1%: IRC, IVA e IRS. “Porquê? Porque é o nosso competidor direto. Se competimos com Espanha, se queremos atrair investimento para Portugal então temos de ser mais competitivos. Os quadros são IRS, as pessoas são IRS. O investimento é IRC. Claro que temos investimentos que vieram para Portugal e que negoceiam com a AICEP isenções fiscais, mas o quero é transparência. Isso é o que também faz falta a Portugal: transparência e igualdade para todos. É preferível baixar o IRC e ser para todos: portugueses, estrangeiros, mas que tudo seja feito de forma clarinha, em vez de darem benefícios fiscais que são sempre feitos pela porta do cavalo. E reduzir a carga fiscal para todos”.
O que esperar? Sem comentar montantes que irão ser apresentados em termos de medidas, Luís Aguiar-Conraria diz apenas que espera que hajam algumas para limitar a subida dos preços de energia. Fora isso, o economista defende que “todas as medidas devem ser pensadas para apoiar as pessoas, em vez de estarem a apoiar as empresas”. E nesse campo, admite que deverão “ser apoiadas as pessoas mais pobres por estarem a passar por estes tempos difíceis”, diz ao i. Já em relação à classe média acredita que deverá “ficar de fora”.
Uma solução que responde às críticas recentes de João César das Neves que tem vindo a garantir que o que tem falhado é “a falta de apoios às classes mais desfavorecidas que, até agora, não têm tido apoio suficiente”.
Também Luís Mira Amaral acredita que parte das medidas irão responder aos aumentos da energia e já em relação às medidas a avançar, o economista garante que o Governo tem margem orçamental para tomar as mais variadas medidas. O problema coloca-se no próximo ano. “Em 2023 é que poderá ter maiores dificuldades financeiras porque terá de encaixar todos os apoios sociais que precisa de atribuir, já que este ano com o encaixe fiscal que tem tido não não terá dificuldades nenhumas. Mas para o próximo ano vai ter de aumentar muito a sua despesa”, diz ao i.
É certo que um dos impactos mais fortes, a par da alimentação – de acordo com as contas da DECO, abastecer a despensa ficou mais caro desde que começou a guerra na Ucrânia e, atualmente, as famílias portuguesas podem ter de pagar 209,81 euros por um cabaz de bens alimentares essenciais, um aumento de 14,26% – os preços da energia é que têm vindo a soar mais alarmes, ao ponto da presidente da Comissão Europeia ter defendido uma “intervenção de emergência e uma reforma estrutural” no mercado da eletricidade da União Europeia, admitindo “as limitações” da configuração atual, exacerbadas pela crise. A Comissão Europeia está a trabalhar em duas questões diferentes: uma intervenção de emergência a fim de aliviar algumas das questões que surgiram no setor da energia tendo em conta a agressão da Rússia contra a Ucrânia e as perturbações nos fornecimentos à Europa e o efeito que isso teve nos preços na Europa, em particular no gás e, portanto, também nos preços da eletricidade e, em segundo lugar, uma reforma mais estrutural do modelo de mercado da eletricidade”, explicou Eric Mamer.
Um cenário que tem levado vários países a apresentarem medidas a conta gotas. Ainda este fim de semana, a França garantiu que o Governo irá amortecer o aumento do preço da energia para os consumidores. A primeira-ministra francesa, Elisabeth Borne, disse que não vão deixar que os preços da energia subam rapidamente para os consumidores e que serão tomadas medidas “para acompanhar os mais desfavorecidos”. O Executivo de Macron limitou os aumentos de gás e eletricidade para os consumidores privados, num esforço equivalente a 20 mil milhões de euros para os cofres do Estado. Além disso, não descarta a hipótese de avançar com um imposto especial para as empresas com maior margem de lucro.
Também o ministro britânico da Economia, Nadhim Zahawi já veio admitir que as famílias do Reino Unido que auferem rendimentos baixos e médios – abrangendo rendimentos anuais de 45 mil libras (cerca de 53 mil euros) vão necessitar de apoios governamentais para fazer face ao aumento da fatura energética deste inverno. Esta garantia surge depois de o regulador do setor energético britânico ter anunciado que o preço máximo que as empresas de energia poderão cobrar aos clientes domésticos por ano, a partir de 1 de outubro, foi fixado em 3549 libras (4202 euros), um valor que compara com o atual de 1971 libras (2325 euros).