O círculo virtuoso das mulheres na engenharia


A falta de mulheres na engenharia é preocupante. Uma maior representação das mulheres na engenharia traz também benefícios na inovação, segurança e acessibilidade das novas invenções.


Por Alexandre Bernardo e Maria Beatriz Silva, Professores do Instituto Superior Técnico e Coordenadores do Grupo Gender Balance

O Dia Internacional da Mulher na Engenharia celebra-se desde 2017 a 23 de Junho. A data tem origem no aniversário da criação da Sociedade das Mulheres na Engenharia (WES) em 1919, no Reino Unido, após a primeira guerra mundial, com o objetivo de treinar informalmente mulheres na engenharia. É um dia reconhecido pela UNESCO em honra das mulheres que seguem carreiras em engenharia apesar das dificuldades extraordinárias que têm no acesso à educação e profissões nesta área. No mundo ocidental, a maioria das universidades só começou a admitir mulheres no início do século XIX e, mesmo assim, só para cursos em áreas tradicionalmente ‘femininas’. A primeira mulher a obter um grau de engenharia no mundo foi Elizabeth Bragg, em 1876 (Engenharia Civil, Universidade de Berkeley). A primeira mulher a obter um grau em Engenharia na Europa foi Rita de Morais Sarmento, portuguesa, em 1894, no curso de Engenharia Civil na Academia Politécnica do Porto.

A falta de mulheres na engenharia é preocupante. Empregos nas áreas da engenharia irão dominar os avanços económicos nas próximas décadas. Se estes empregos não são atrativos para os melhores profissionais (independente do género) estaremos a desperdiçar talento. De acordo com o McKinsey Global Institute, a economia global beneficiaria, em 2025, de cerca de 28 milhões de milhões de dólares de produto interno bruto caso a representação das mulheres no mercado de trabalho se tornasse paritária. Uma maior representação das mulheres na engenharia traz também benefícios na inovação, segurança e acessibilidade das novas invenções. Em acidentes automobilísticos as mulheres têm um risco de ferimentos superior em 47% aos homens, e um risco de morte maior em cerca de 17%, porque os testes de colisão automóvel são feitos com modelos à medida do homem médio. No seu início, o Google Voice e o Apple Siri respondiam menos frequentemente às perguntas das mulheres que dos homens devido às bases de dados estarem polarizadas com dados masculinos. No domínio bancário, uma polarização semelhante resultou na concessão de linhas de crédito inferiores às mulheres apesar de mostrarem indicadores de solvência iguais ou superiores aos dos homens (Guenaga et al., 2022).

Para atrair mais mulheres para a engenharia é muito importante a existência de role models femininos, como a Ada Lovelace que criou o primeiro algoritmo de computador, ou a Maria Telkes criou a primeira casa aquecida com energia solar, ou a Bertha Benz que inventou o travão de pastilhas.  Os role models são pessoas reconhecidas pela sociedade pela sua competência numa determinada área (Lockwood & Kunda, 1997), e podem ter um impacto profundamente positivo na vida de uma pessoa, sendo este mais efetivo se tiver o mesmo género do observador. A impossibilidade de ver mulheres de sucesso com interesses semelhantes aos seus desencoraja as raparigas de prosseguirem em determinadas áreas. Por outro lado, os role models representam a expansão do leque de possibilidades, a inspiração para desejar ir mais além, e a demonstração de mentalidades e comportamentos necessários para se evoluir.

Um dos requisitos para a eficiência de um role model é a identificação, sendo por isso necessário a existência de role models a vários níveis para que o efeito de proximidade seja relevante (Morgenroth et al., 2015). No contexto do ensino e investigação é importante dar destaque a mulheres que sejam modelos de comportamento exemplar nas próprias instituições, como professoras, alunas, investigadoras, ex-alunas com percursos de sucesso na indústria, política ou vida pública. Assim, o Instituto Superior Técnico (Técnico) tem como uma das suas principais prioridades no plano de ação do Grupo de Igualdade de Género e Diversidade, a distinção e o envolvimento de role models da sua comunidade nas suas diversas atividades de ensino e divulgação. Em visitas a Escolas Secundárias os estudantes partilham a sua experiência universitária junto dos mais novos. A seleção dos estudantes para estas ações é criteriosa de modo a garantir igualdade de género. No programa Engenheiras por um dia, o Técnico, em coordenação com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, promove a partilha de experiências entre engenheiras e estudantes do ensino secundário desconstruindo a ideia de que as engenharias e tecnologias são opções de futuro todos. Em programas de atribuição de bolsas de mérito financiadas por empresas, o Técnico reconhece e premeia as melhores estudantes de áreas com pouca representatividade feminina. No evento Alumni Talks – Women Edition, que consiste num pequeno-almoço informal que junta estudantes com Alumnae, o Técnico promove a divulgação de variados percursos profissionais de role models femininos de sucesso nas áreas de engenharia, permitindo o esclarecimento de dúvidas e aconselhamento profissional. No Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo instituído em 2016, o Técnico premeia anualmente duas mulheres formadas pelo Técnico, uma sénior que se tenha destacado pelas suas contribuições profissionais e/ou sociais, e uma recém graduada que se tenha destacado pela qualidade científica da sua dissertação de mestrado e pelo seu percurso académico no Técnico.

Ao dar maior visibilidade a role models de proximidade, esperamos criar mais motivos de atração de mulheres para a nossa comunidade, criando assim a circularidade necessária para que o equilíbrio de género se atinja de forma mais rápida do que o decorrente do progresso normal da sociedade.
 

O círculo virtuoso das mulheres na engenharia


A falta de mulheres na engenharia é preocupante. Uma maior representação das mulheres na engenharia traz também benefícios na inovação, segurança e acessibilidade das novas invenções.


Por Alexandre Bernardo e Maria Beatriz Silva, Professores do Instituto Superior Técnico e Coordenadores do Grupo Gender Balance

O Dia Internacional da Mulher na Engenharia celebra-se desde 2017 a 23 de Junho. A data tem origem no aniversário da criação da Sociedade das Mulheres na Engenharia (WES) em 1919, no Reino Unido, após a primeira guerra mundial, com o objetivo de treinar informalmente mulheres na engenharia. É um dia reconhecido pela UNESCO em honra das mulheres que seguem carreiras em engenharia apesar das dificuldades extraordinárias que têm no acesso à educação e profissões nesta área. No mundo ocidental, a maioria das universidades só começou a admitir mulheres no início do século XIX e, mesmo assim, só para cursos em áreas tradicionalmente ‘femininas’. A primeira mulher a obter um grau de engenharia no mundo foi Elizabeth Bragg, em 1876 (Engenharia Civil, Universidade de Berkeley). A primeira mulher a obter um grau em Engenharia na Europa foi Rita de Morais Sarmento, portuguesa, em 1894, no curso de Engenharia Civil na Academia Politécnica do Porto.

A falta de mulheres na engenharia é preocupante. Empregos nas áreas da engenharia irão dominar os avanços económicos nas próximas décadas. Se estes empregos não são atrativos para os melhores profissionais (independente do género) estaremos a desperdiçar talento. De acordo com o McKinsey Global Institute, a economia global beneficiaria, em 2025, de cerca de 28 milhões de milhões de dólares de produto interno bruto caso a representação das mulheres no mercado de trabalho se tornasse paritária. Uma maior representação das mulheres na engenharia traz também benefícios na inovação, segurança e acessibilidade das novas invenções. Em acidentes automobilísticos as mulheres têm um risco de ferimentos superior em 47% aos homens, e um risco de morte maior em cerca de 17%, porque os testes de colisão automóvel são feitos com modelos à medida do homem médio. No seu início, o Google Voice e o Apple Siri respondiam menos frequentemente às perguntas das mulheres que dos homens devido às bases de dados estarem polarizadas com dados masculinos. No domínio bancário, uma polarização semelhante resultou na concessão de linhas de crédito inferiores às mulheres apesar de mostrarem indicadores de solvência iguais ou superiores aos dos homens (Guenaga et al., 2022).

Para atrair mais mulheres para a engenharia é muito importante a existência de role models femininos, como a Ada Lovelace que criou o primeiro algoritmo de computador, ou a Maria Telkes criou a primeira casa aquecida com energia solar, ou a Bertha Benz que inventou o travão de pastilhas.  Os role models são pessoas reconhecidas pela sociedade pela sua competência numa determinada área (Lockwood & Kunda, 1997), e podem ter um impacto profundamente positivo na vida de uma pessoa, sendo este mais efetivo se tiver o mesmo género do observador. A impossibilidade de ver mulheres de sucesso com interesses semelhantes aos seus desencoraja as raparigas de prosseguirem em determinadas áreas. Por outro lado, os role models representam a expansão do leque de possibilidades, a inspiração para desejar ir mais além, e a demonstração de mentalidades e comportamentos necessários para se evoluir.

Um dos requisitos para a eficiência de um role model é a identificação, sendo por isso necessário a existência de role models a vários níveis para que o efeito de proximidade seja relevante (Morgenroth et al., 2015). No contexto do ensino e investigação é importante dar destaque a mulheres que sejam modelos de comportamento exemplar nas próprias instituições, como professoras, alunas, investigadoras, ex-alunas com percursos de sucesso na indústria, política ou vida pública. Assim, o Instituto Superior Técnico (Técnico) tem como uma das suas principais prioridades no plano de ação do Grupo de Igualdade de Género e Diversidade, a distinção e o envolvimento de role models da sua comunidade nas suas diversas atividades de ensino e divulgação. Em visitas a Escolas Secundárias os estudantes partilham a sua experiência universitária junto dos mais novos. A seleção dos estudantes para estas ações é criteriosa de modo a garantir igualdade de género. No programa Engenheiras por um dia, o Técnico, em coordenação com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, promove a partilha de experiências entre engenheiras e estudantes do ensino secundário desconstruindo a ideia de que as engenharias e tecnologias são opções de futuro todos. Em programas de atribuição de bolsas de mérito financiadas por empresas, o Técnico reconhece e premeia as melhores estudantes de áreas com pouca representatividade feminina. No evento Alumni Talks – Women Edition, que consiste num pequeno-almoço informal que junta estudantes com Alumnae, o Técnico promove a divulgação de variados percursos profissionais de role models femininos de sucesso nas áreas de engenharia, permitindo o esclarecimento de dúvidas e aconselhamento profissional. No Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo instituído em 2016, o Técnico premeia anualmente duas mulheres formadas pelo Técnico, uma sénior que se tenha destacado pelas suas contribuições profissionais e/ou sociais, e uma recém graduada que se tenha destacado pela qualidade científica da sua dissertação de mestrado e pelo seu percurso académico no Técnico.

Ao dar maior visibilidade a role models de proximidade, esperamos criar mais motivos de atração de mulheres para a nossa comunidade, criando assim a circularidade necessária para que o equilíbrio de género se atinja de forma mais rápida do que o decorrente do progresso normal da sociedade.