Shuiten no país de Jacobs

Shuiten no país de Jacobs


Quando se junta um físico nuclear e arqueólogo amador a um antigo piloto da RAF e director do MI5, o que esperamos em BD? Blake e Mortimer, criação de Edgar P. Jacobs. 


Quando se junta um físico nuclear e arqueólogo amador a um antigo piloto da RAF e director do MI5, o que esperamos em BD? Blake e Mortimer, criação de Edgar P. Jacobs (1904-1987), em 1946, para a revista Tintin, a cujas aventuras nunca faltaram o fantástico e a ficção-científica, misturados com a geo-política e o crime internacional.

Anos após a morte do autor, o já nosso conhecido Bob de Moor (1925-1992), autor de Barelli e Cori o Grumete. mestre-artesão da “linha clara”, pôs em quadradinhos o segundo tomo de As Três Fórnulas do Professor Sato (1971/1990), cujo plano Jacobs deixara pronto. A partir de 1996, com O Caso Francis Blake, alguns dos melhores argumentistas e desenhadores com o mesmo estilo foram convocados para assinar novas narrativas desta dupla.

O Studio Jacobs andava atrás de François Schuiten (Bruxelas, 1956) para que pegasse nos nossos heróis, dando-lhe carta branca. Pudera: também arquitecto, Schuiten é o co-autor de um dos marcos da 9.ª Arte, a série As Cidades Obscuras, com argumento de Benoît Peeters, estreada na revista (À Suivre). O artista recusara sempre o convite, embora admirador de Jacobs, pois não vislumbrava o que pudesse acrescentar-lhe.

Até que um jornalista do diário Le Soir revela que aquele planeara uma história de Blake e Mortimer passada no Palácio da Justiça de Bruxelas, edifício imponente da segunda metade do século XIX, o maior à época em toda a Europa, ultrapassando as dimensões da basílica de São Pedro, em Roma.

O traço é de Joseph Poelaert (1817-1879), arquitecto um pouco excêntrico, em redor do qual se estabeleceram conjecturas e lendas de esotéricas e franco-maçónicas, nunca comprovadas, como de costume.

Para Shuiten, dá-se o clic: “Foi o sinal por que esperávamos para nos confrontarmos com este monumento que há tanto tempo nos fascina” – explica em texto inicial. Autor do argumento, com dois colaboradores fora do meio da BD, tiveram a ideia de pegar na amnésia induzida aos nossos heróis pelo guardião dos sacerdotes de Aton, com que termina o segundo tomo de O Mistério da Grande Pirâmide (1955).

Passados vários anos, Mortimer, que nunca se libertara dos efeitos desse episódio, assaltado por pesadelos petrificantes, é chamado um dia por um colega a Bruxelas, que, no gabinete outrora emparedado de Poelaert, registara a ocorrência de uma energia desconhecida, através de uma sonda electromagnética por detrás de uma parede oculta com representação pictórica de Seth, deus egípcio do caos, das tempestades e da guerra. A partir daqui tudo se desenrola, com a participação não muito benemérita do MI5, apesar do velho Blake.

Ao contrário de alguma crítica, que considerou o argumento algo confuso, trata-se duma narrativa de bom corte jacobsiano, em que apenas falta, infelizmente, o Coronel Olrik. Ver Blake e Mortimer fora do padrão clássico da linha clara é sem dúvida interessante. Mas o melhor de tudo é o deleite de Peeters no seu elemento de arquitecto-quadrinista. 

BDTeca

Abecedário
J, de Joana, João e o Macaco Simão / Jo, Zette e Jocko (Hergé, 1936). Dois irmãos de 12 e 11 anos e o chimpanzé mascote. Filhos de um engenheiro muito solicitado, as crianças vêem-se envolvidas em aventuras de notórios contornos tintinescos. Ao contrário do jovem herói de Hergé, estes não eram miúdos ao deus-dará, mas crianças integradas numa família tradicional, ao gosto da ideologia católica de onde o autor provinha e inicialmente se sustentava.

Livros

Nettoyage à Sec, de Joris Mertens. A vida cinzenta de François, motorista de uma lavandaria há 17 anos com um parco ordenado, tenta dissipar-se todas as semanas no totoloto, debalde porém. Até que no decurso de uma entrega anódina num bairro rico põe-no diante de uma cena de crime, cadáveres e um saco cheio de notas de banco… (edição: Rue de Sèvres).

 

 

 

The Flash e Zagor – La Scure e il Fulmine, argumento de Mauro Uzzeo e Giovanni Masi, desenhos de Davide Gianfelice. Breu e clarão, assim se intitula este crossover da italiana Bonelli com a norte-americana DC, entre dois dos mais conhecidos segundas linhas das casas que publicam Batman e Tex, em que o às da machadinha, protagonista da série de western-fantástico se cruza com Barry Allen, o homem mais rápido do mundo.