Copérnico, Darwin e as verdades provisórias


A História mostra-nos que a civilização foi avançando à custa destas questões, que desafiaram as verdades (provisórias) instaladas, a conveniência do “sempre se fez assim”, o convencional. 


Por Francisca Simões, Engenheira Mecânica, graduada pelo Instituto Superior Técnico. Texto adaptado do discurso proferido no Dia da Graduação 2022, de celebração dos diplomados em mestrado ou doutoramento do Técnico

A experiência universitária marca a vida de qualquer estudante e, quando finalmente cruzamos a meta, surge uma estranha uma sensação de final de etapa. Por um lado, é uma alegria, um alívio, uma conquista, uma superação; por outro, é assustador, porque multiplica as hipóteses e os caminhos e nos oferece a possibilidade e a responsabilidade da escolha. 

Mas há algo que é inegável: há um antes e há um depois do Técnico, e é impossível dissociar a nossa vivência de faculdade de tudo o que se passou à nossa volta durante este tempo.

Há um antes e um depois para cada um de nós, porque estes foram os anos de aprendizagem, de descoberta, de questões e não de respostas, e sem dúvida nenhuma, de formação humana, cívica e intelectual.

Há um antes e um depois para o próprio Técnico, porque a Escola em que nos matriculámos não é a Escola que agora deixamos: uma Escola mais fervilhante e inovadora, com currículos mais flexíveis e multidisciplinares e com uma aposta forte no espírito crítico e criativo de base humanista; uma Escola mais aberta ao Mundo, determinada a construir pontes entre a Academia, a Indústria, as Empresas e a Sociedade. 

E finalmente, há um antes e um depois para o Mundo, porque durante os últimos tempos pudemos assistir ao impensável, por entre projectos de Programação, exames de Cálculo, teses de mestrado e doutoramento. A crise dos Refugiados, o Brexit, a ascensão dos populismos e a polarização das sociedades, uma pandemia global, e agora o momento grave e terrível que enfrentamos – a Guerra à nossa porta. 

Como podemos ser os mesmos depois destes anos? Como é que ser jovem, recém-graduado num curso de Engenharia, Ciência e Tecnologia, Matemática ou Arquitectura, nos implica a nós hoje, em Portugal? Na Europa? No Mundo? 

A velocidade a que as transformações do nosso tempo têm lugar, aliada à complexidade do mundo contemporâneo, torna impossível antever o papel que cada um de nós vai desempenhar no futuro. O que não podemos fazer é conformarmo-nos. Aceitar o que existe é pouco. É preciso questionar a realidade observada – e o Técnico ensinou-nos isso – porque, na maior parte das vezes, não há repostas certas, mas sim perguntas certas. Aquela pergunta impertinente, aquela pergunta tantas vezes incómoda, que alerta para um outro ponto de vista, para uma outra possibilidade, para a existência de um caminho alternativo. A História mostra-nos que a civilização foi avançando à custa destas questões, que desafiaram as verdades (provisórias) instaladas, a conveniência do “sempre se fez assim”, o convencional. Não é um questionamento enquanto fim, mas enquanto veículo para a superação. 

Nicolau Copérnico fê-lo, quando pôs em causa a Teoria Geocêntrica e propôs o Sol como centro do Sistema Solar; Darwin fê-lo, abanando as crenças instituídas e redesenhando o sentido do que é ser humano; Katherine Johnson fê-lo, através da audácia dos seus cálculos de trajectória e janelas de lançamento que contribuíram para exploração espacial tal qual a conhecemos; Segenet Kelemu fê-lo, desafiando as convenções da sua pequena aldeia na Etiópia, que lhe diziam que devia casar em vez de ir para a Universidade, permitindo que hoje a sua pesquisa seja dedicada a ajudar os pequenos agricultores do mundo a produzir mais alimentos e a sair da pobreza; Katalin Kariko fê-lo, permitindo-lhe co-desenvolver a inovadora e eficaz tecnologia de mRNA que continua a revolucionar as vacinas e a salvar vidas.

Levemos, pois, a sério este dever de inconformismo, este dever de não sermos consensuais, e o direito de preferir pedir desculpa a pedir permissão, o direito de contrapor e de, paralelamente, não consentir a condescendência – por sermos jovens ou inexperientes ou mulheres ou pertencermos a uma minoria. A nossa sensibilidade conta, a nossa voz conta. 
E é esta a minha esperança: que da observação surja o inconformismo, que do inconformismo surja a questão, que da questão surja o debate, e que esse debate leve à solução. Não é esta a descrição do método científico? 

Obrigada ao Técnico por nos ter trazido esta noção clara sobre como podemos operar a mudança e, no meu caso, por me ter inspirado a dedicar-me à causa da Educação e do Ensino, reforçando a minha crença de que, juntamente com a Ciência e Tecnologia, são pedras basilares sobre as quais poderemos construir uma Sociedade desenvolvida, mais justa e equitativa, que saiba integrar o progresso e que ofereça oportunidades a todos.

Agradeço também às pessoas, porque o Técnico são as pessoas, que me acompanharam nesta jornada: aos colegas, em particular àqueles com quem partilhei as lutas estudantis, por me mostrarem o que realmente significa ter sentido de missão; aos professores, em particular àqueles que me ensinaram coisas que não vêm nos livros e que por isso se tornaram num exemplo a seguir; aos amigos, pela companhia nas horas mais difíceis e por confirmarem a velha premissa de que “o Técnico não se faz sozinho”.

E a todos vocês, por saber que foram as vossas histórias individuais, as vossas experiências particulares de vivência no Técnico, que sustentaram o ambiente próprio e o ecossistema único da nossa Escola. Espero sinceramente que nos voltemos a cruzar no futuro!

Muito obrigada e parabéns a todos!

Copérnico, Darwin e as verdades provisórias


A História mostra-nos que a civilização foi avançando à custa destas questões, que desafiaram as verdades (provisórias) instaladas, a conveniência do “sempre se fez assim”, o convencional. 


Por Francisca Simões, Engenheira Mecânica, graduada pelo Instituto Superior Técnico. Texto adaptado do discurso proferido no Dia da Graduação 2022, de celebração dos diplomados em mestrado ou doutoramento do Técnico

A experiência universitária marca a vida de qualquer estudante e, quando finalmente cruzamos a meta, surge uma estranha uma sensação de final de etapa. Por um lado, é uma alegria, um alívio, uma conquista, uma superação; por outro, é assustador, porque multiplica as hipóteses e os caminhos e nos oferece a possibilidade e a responsabilidade da escolha. 

Mas há algo que é inegável: há um antes e há um depois do Técnico, e é impossível dissociar a nossa vivência de faculdade de tudo o que se passou à nossa volta durante este tempo.

Há um antes e um depois para cada um de nós, porque estes foram os anos de aprendizagem, de descoberta, de questões e não de respostas, e sem dúvida nenhuma, de formação humana, cívica e intelectual.

Há um antes e um depois para o próprio Técnico, porque a Escola em que nos matriculámos não é a Escola que agora deixamos: uma Escola mais fervilhante e inovadora, com currículos mais flexíveis e multidisciplinares e com uma aposta forte no espírito crítico e criativo de base humanista; uma Escola mais aberta ao Mundo, determinada a construir pontes entre a Academia, a Indústria, as Empresas e a Sociedade. 

E finalmente, há um antes e um depois para o Mundo, porque durante os últimos tempos pudemos assistir ao impensável, por entre projectos de Programação, exames de Cálculo, teses de mestrado e doutoramento. A crise dos Refugiados, o Brexit, a ascensão dos populismos e a polarização das sociedades, uma pandemia global, e agora o momento grave e terrível que enfrentamos – a Guerra à nossa porta. 

Como podemos ser os mesmos depois destes anos? Como é que ser jovem, recém-graduado num curso de Engenharia, Ciência e Tecnologia, Matemática ou Arquitectura, nos implica a nós hoje, em Portugal? Na Europa? No Mundo? 

A velocidade a que as transformações do nosso tempo têm lugar, aliada à complexidade do mundo contemporâneo, torna impossível antever o papel que cada um de nós vai desempenhar no futuro. O que não podemos fazer é conformarmo-nos. Aceitar o que existe é pouco. É preciso questionar a realidade observada – e o Técnico ensinou-nos isso – porque, na maior parte das vezes, não há repostas certas, mas sim perguntas certas. Aquela pergunta impertinente, aquela pergunta tantas vezes incómoda, que alerta para um outro ponto de vista, para uma outra possibilidade, para a existência de um caminho alternativo. A História mostra-nos que a civilização foi avançando à custa destas questões, que desafiaram as verdades (provisórias) instaladas, a conveniência do “sempre se fez assim”, o convencional. Não é um questionamento enquanto fim, mas enquanto veículo para a superação. 

Nicolau Copérnico fê-lo, quando pôs em causa a Teoria Geocêntrica e propôs o Sol como centro do Sistema Solar; Darwin fê-lo, abanando as crenças instituídas e redesenhando o sentido do que é ser humano; Katherine Johnson fê-lo, através da audácia dos seus cálculos de trajectória e janelas de lançamento que contribuíram para exploração espacial tal qual a conhecemos; Segenet Kelemu fê-lo, desafiando as convenções da sua pequena aldeia na Etiópia, que lhe diziam que devia casar em vez de ir para a Universidade, permitindo que hoje a sua pesquisa seja dedicada a ajudar os pequenos agricultores do mundo a produzir mais alimentos e a sair da pobreza; Katalin Kariko fê-lo, permitindo-lhe co-desenvolver a inovadora e eficaz tecnologia de mRNA que continua a revolucionar as vacinas e a salvar vidas.

Levemos, pois, a sério este dever de inconformismo, este dever de não sermos consensuais, e o direito de preferir pedir desculpa a pedir permissão, o direito de contrapor e de, paralelamente, não consentir a condescendência – por sermos jovens ou inexperientes ou mulheres ou pertencermos a uma minoria. A nossa sensibilidade conta, a nossa voz conta. 
E é esta a minha esperança: que da observação surja o inconformismo, que do inconformismo surja a questão, que da questão surja o debate, e que esse debate leve à solução. Não é esta a descrição do método científico? 

Obrigada ao Técnico por nos ter trazido esta noção clara sobre como podemos operar a mudança e, no meu caso, por me ter inspirado a dedicar-me à causa da Educação e do Ensino, reforçando a minha crença de que, juntamente com a Ciência e Tecnologia, são pedras basilares sobre as quais poderemos construir uma Sociedade desenvolvida, mais justa e equitativa, que saiba integrar o progresso e que ofereça oportunidades a todos.

Agradeço também às pessoas, porque o Técnico são as pessoas, que me acompanharam nesta jornada: aos colegas, em particular àqueles com quem partilhei as lutas estudantis, por me mostrarem o que realmente significa ter sentido de missão; aos professores, em particular àqueles que me ensinaram coisas que não vêm nos livros e que por isso se tornaram num exemplo a seguir; aos amigos, pela companhia nas horas mais difíceis e por confirmarem a velha premissa de que “o Técnico não se faz sozinho”.

E a todos vocês, por saber que foram as vossas histórias individuais, as vossas experiências particulares de vivência no Técnico, que sustentaram o ambiente próprio e o ecossistema único da nossa Escola. Espero sinceramente que nos voltemos a cruzar no futuro!

Muito obrigada e parabéns a todos!