Ucrânia. Estamos à beira de uma guerra global?

Ucrânia. Estamos à beira de uma guerra global?


Apesar de um acordo ou de uma invasão limitada da Ucrânia parecer mais provável, todos pensam no pior. O resultado seria um aumento no preço do ouro e cereais. Bem como um desastre na Europa, diz ao i especialista em segurança internacional. 


Com os países membros da Nato, bem como a Rússia, a retirar os seus diplomatas de Kiev, uma guerra na Europa, como não se via desde a Segunda Guerra Mundial, parece cada vez mais próxima. Por mais que o Kremlin se queixe que “a histeria chegou ao seu pico”, nas palavras de um dos seus principais conselheiros de política externa, Yuri Ushakov, as tensões estão em alta. E os Estados Unidos avisam que “os russos estão em posição para montar uma grande ação militar na Ucrânia”, e que esta pode acontecer “em qualquer dia”, disse Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional norte-americano, em conferência de imprensa.

Mais próximo ou mais longe de Kiev, todos se perguntam o vai na cabeça de Vladmir Putin, e como é que este reagiria caso a Casa Branca continue a negar as suas exigências, de que a NATO se comprometa a nunca a aceitar a Rússia como Estado membro e a retirar as suas tropas da Bulgária e Roménia. Bem como no que significaria uma invasão a larga escala da Ucrânia. Uma guerra “significaria um desastre muito grande para a Europa inteira”, assegura Alexandre Guerreiro investigador de Direito e Segurança Internacional, especializado nas ex-repúblicas soviéticas e antigo oficial de informações do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), ao i

“Não só pelas ligações económicas que temos à russia, mas porque significaria também um desastre para a região, que acaba por estar ligada também a vários países europeus”, resume Guerreiro. “E o envolvimento militar da NATO tornar-nos-ia potenciais alvos de quem está a leste. Porque se estamos a combatê-los, somos potenciais alvos”. 
Na prática, num plano imediato, isso implicaria uma vaga de refugiados a tentar escapar do conflito. A vizinha Polónia Polónia, que partilha cerca de 50km de fronteira com a Ucrânia, estimou que pelos menos um milhão de ucranianos tentasse escapar para o seu território, tendo já os executivos locais recebido ordens para se preparar para uma maré humana. 

“Foi-nos pedido para indicar uma lista de instalações de acomodações para refugiados, o número de pessoas que seria possível de acomodar, os custos envolvidos e o tempo de adaptação dos edifícios, dentro de 48 horas”, escreveu no Twitter Krzysztof Kosinski, presidente da câmara de Ciechanow, uma cidade no leste da Polónia.

Mas claro que as repercursões não ficariam por aí. Estando já a União Europeia em plena crise energética – em parte por Moscovo estar a reduzir o seu escoamento de gás natural, para pressionar os países europeus, apontam alguns analistas – seria difícil imaginar como aguentariam este inverno impondo sanções à Rússia, que produz quase 40% do gás natural consumido pelos europeus em 2020, segundo a Eurostat. Mesmo com a Casa Branca a planear desviar fornecimento energético de outros pontos do globo, de maneira a garantir o apoio dos seus aliados europeus.  Um dos principais eixos desse plano seria a obtenção de gás liquefeito vindo do Qatar, por via marítima, mas o emirado já alertou que ”o volume de gás necessitado pela UE não pode ser substituído por ninguém unilateralmente”, nas palavras do ministro da Energia, Saad Al-Kaabi, citado pela Doha News. 

Além disso, numa altura em que a inflação se torna um problema global, no rescaldo da pandemia de covid-19, um conflito na Ucrânia assustaria os investidores, acelerando esta tendência, avaliou a Reuters. O resultado seria um pico no valor do ouro – considerado um investimento muito seguro em tempos de crise – e dos cereais, dado que entre os seus maiores exportadores está a Ucrânia e a Rússia, bem como o Cazaquistão e a Roménia, que transportam boa parte da sua produção através de portos do Mar Negro, que certamente seria um dos principais teatros de guerra no caso de um conflito. 

O facto da marinha da Rússia ter começado a conduzir exercícios no Mar Negro, com pelo menos 30 navios envolvidos, este domingo, segundo a RIA Novosti, uma agência estatal russa, certamente não acalmou os receios de uma guerra. Aliás, o Governo ucrâniano já aconselhou às companhias aéreas que desviem os seus voos sobre o Mar Negro. Não seria a primeira vez que o conflito na Ucrânia vitimava uma aeronave civil, ninguém esquece a tragédia do voo MH17 da Malaysian Airlines, que seguia de Amsterdão para Kuala Lumpur, acabando abatido sobre o leste do país com 298 pessoas a bordo, em 2014, tendo sido apontado o dedo aos separatistas russos.
Um novo incidente do género  rapidamente poderia desencadear uma dramática cascata de acontecimentos, na qual os russos já começam a pensar. 

Caso o conflito chegue ao ponto de uma intervenção da NATO – algo nada certo, antes pelo contrário, dado que a Ucrânia não é um Estado membro da aliança, logo esta não têm obrigação de a proteger – importa lembrar que “a Rússia e China têm uma relação muito forte”, frisou um colunista da Pradva. “A China pode abrir uma segunda frente na Ásia, em três regiões: Taiwan, no Mar da China e na fronteira com a Índia”.

No caso de sanções a Moscovo, Pequim teria um papel essencial para as contornar, tendo ambas as potências já assinado uma série de acordos comerciais nas últimas semanas – ainda a semana passada foi assinado um contrato entre a Gazprom, que tem monopólio das exportações de gás natural da Rússia via gasoduto, e o gigante energético chinês CNPC para a compra de uns 10 mil milhões de metros cúbicos de gás russo adicionais por ano.
A própria vice-secretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman, chegou a apontar que Putin provavelmente não invadiria a Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Pequim de 2022, entre 4 e 20 de fevereiro. Mas as recentes movimentações da Administração norte-americana indicam que algo pode ter mudado os seus cálculos. 

Não é só a China que se pode unir à Rússia, aproveitando para ganhar posições, continuava a Pradva. “Um cenário ainda pior pode surgir. A América pode ter de lutar em mais de duas frentes. A Coreia do Norte pode começar uma guerra com a Coreia do Sul e o Japão. O Irão pode começar uma guerra com os aliados americanos no Médio Oriente. A Turquia quer ressuscitar o seu velho império”.

O certo é que, havendo um conflito na Ucrânia, os países europeus lidariam com o pior do descalabro, salienta Alexandre Guerreiro. “A magnitude dos danos seria imprevisível, sobretudo na Europa”, alerta. ”Quem poderia ficar mais confortável no meio disto tudo seria quem está do outro lado do Atlântico”.

“Nós ouvimos tanto falar que vai haver uma guerra entre a Ucrânia e a Rússia”, salientou o investigador. “Todos falam disso, menos a Ucrânia e a Rússia. Estes dois não querem de certeza, mas estão a ser empurrados para aí”, rematou.