Só percebemos o valor da água depois da fonte secar


É preciso recuar 17 anos para encontrar um mapa nacional com tantas zonas do nosso país em estado de seca grave nesta altura do ano. Não é menos mau por vermos que grande parte de Espanha está igual a nós, especialmente a Andaluzia. Aqui, neste “campeonato”, não há vencedores porque somos todos vencidos pela falta…


É preciso recuar 17 anos para encontrar um mapa nacional com tantas zonas do nosso país em estado de seca grave nesta altura do ano. Não é menos mau por vermos que grande parte de Espanha está igual a nós, especialmente a Andaluzia. Aqui, neste “campeonato”, não há vencedores porque somos todos vencidos pela falta de água.

Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), estamos há 5 anos consecutivos abaixo da média de precipitação para esta época do ano. Isto quer dizer que, comparativamente a uma média feita entre os anos de 1971 e 2000, desde o ano de 2017 que chove menos que essa média calculada. E, assim, este registo negativo é a maior série consecutiva de sempre (2017-2022).

No seu relatório mais recente, o IPMA revelou que, quanto à precipitação, o mês de janeiro de 2022 foi o sexto mais seco em 90 anos e o segundo pior desde 2000.

Sempre segundo dados oficiais, do IPMA, porque sobre esta matéria há números e não há teorias, nestes anos recentes é possível concluir que cada vez mais chove em dias concentrados no tempo e, assim, a água não se infiltra sustentadamente nos solos. Isto também contribui negativamente para o estado de seca que atravessamos. Para além disso, os meses de novembro, dezembro e janeiro foram secos ou classificados muito secos.

Para além disso, nos primeiros três meses do ano a média normal de precipitação é de 300 mm/m2 (milímetros por metro quadrado) de água e neste momento só temos 111mm/m2… Estamos em plena metade do mês de fevereiro e temos 11% do país em “seca extrema” e outros 34% em “seca grave”.

Em resumo: Quase metade do território (45%) sofre de seca extrema ou severa. O resto do território está sob seca moderada, o que significa que nenhuma parte de Portugal está livre de seca.

Para termos noção do perigo que vivemos, na região do Algarve chove assustadoramente menos. Em janeiro de 2022 registou-se apenas 0,4 mm/m2 de precipitação quando a média de janeiro entre 1971-2000 era de 70,5mm/m2.

A título de exemplo, também, no Porto, em janeiro de 2022 houve 30,6 mm/m2 de precipitação, mas a média de 1971-2000 era de 142,4mm/m2. Em Braga houve 28,6mm/m2 de precipitação em janeiro de 2022 e a média entre 1971-2000 era de quanto? 192,7mm/m2!

A média! Houve anos em que choveu muito mais que os 192,7 ou os 142,4mm/m2 em Braga e no Porto.

A fonte é o IPMA. Não há deduções nem suposições.

A falta de água é má a todos os níveis. Sendo ameaça à biodiversidade como um todo, além de comprometer o abastecimento humano de água e a produção de energia hidráulica em diversas barragens estratégicas em Portugal.

Mas estamos a dar passos certos no caminho de compensar o que menos chove?

Em 2021, um cidadão português consumia, diariamente, 178 litros de água por dia.

O consumo de água das redes públicas aumentou perto de 25% nos últimos 20 anos. E este consumo diário de 178 litros de água representa mais 36 litros diários do que no ano de 2020.

Quanto ao consumo anual, no início do século, cada português consumia 52 mil litros de água por ano. Agora, em 2020 o consumo subiu para os 65 mil litros.

Podemos dar vários exemplos acrescidos, mas é evidente que os banhos, os autoclismos, as máquinas de lavar roupa e loiça e, ainda, a rega de jardins fazem parte do consumo regular de água das famílias portuguesas.

Num período de seca, e sem previsão de chuva significativa para breve, o Governo começa a preparar a campanha de poupança de água, tendo já desativado a produção elétrica em barragens. Algumas autarquias (120 das 308) optaram por desligar os sistemas automáticos de rega.

Paralelamente, o Governo português já anunciou algumas medidas esta semana para salvaguardar os volumes para o abastecimento público de água. Desta forma, foram definidas quais as cotas e volumes de água a partir dos quais outros usos podem ficar condicionados, seja produção de energia ou rega. Ficou desde já interdita a produção de hidroeletricidade nas barragens de Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode assim que as cotas forem atingidas. E, de igual modo, cessaram desde já a utilização da água para rega a partir da albufeira da Bravura.

A nível externo, o comissário europeu da Agricultura, Janusz Wojciechowski, revelou esta terça-feira (8 de fevereiro) ter debatido, em Estrasburgo, com os ministros de Portugal e Espanha, a situação de seca em ambos os países e os fundos que Bruxelas pode divulgar para apoiar o setor.

No Twitter, Wojciechowski referiu ainda que está a ser debatida a situação da seca com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e o seu homólogo espanhol, Luís Planas, assim como está a ser estudado, cito, “que tipo de fundos da UE podem ser mobilizados para apoiar o setor”.

Porém, o que fica para já é que os números são preocupantes e de resto nada passa de estudos e consciencialização. O que já ocorre há décadas, se formos justos e se pesquisarmos por documentos formais sobre seca e poupança de água.

Ao nível das políticas do território, poucos são os municípios nacionais que frisem a poupança de água (aliás, o que é debatido em assembleias municipais e reuniões de câmara são mesmo os níveis de perdas de água ainda existentes em pleno 2022). São muito poucos, uma mão chega para contar pelos dedos todos esses casos positivos, os municípios portugueses que apresentam estratégias ambientais para fomentar os seus munícipes a consumir de forma regrada, consciente e reaproveitando a água que consomem. 

Estudos ao nível de tarifas e taxas municipais para boas práticas de utilização e consumo de água são uma miragem. O aproveitamento de águas pluviais para armazenamento e posterior utilização em Rega, abastecimento de autoclismos, lavagem de carros ou exteriores não devia ser falado e fomentado? Pesa mais a limitação jurídica ou a limitação de água?

Os números já demonstraram que é curto estarmos ainda a falar de estudos e comissões “para estudar” o caso da água. Talvez só quando acabar mesmo, quando nos fecharem a torneira por necessidade extrema, é que tenhamos a atenção devida. Até lá, enquanto correr uma gota que seja, tomarmos os nossos banhos e aparentemente “houver água na fonte”, não irá passar de boas intenções.

 

Carlos Gouveia Martins

 

Só percebemos o valor da água depois da fonte secar


É preciso recuar 17 anos para encontrar um mapa nacional com tantas zonas do nosso país em estado de seca grave nesta altura do ano. Não é menos mau por vermos que grande parte de Espanha está igual a nós, especialmente a Andaluzia. Aqui, neste “campeonato”, não há vencedores porque somos todos vencidos pela falta…


É preciso recuar 17 anos para encontrar um mapa nacional com tantas zonas do nosso país em estado de seca grave nesta altura do ano. Não é menos mau por vermos que grande parte de Espanha está igual a nós, especialmente a Andaluzia. Aqui, neste “campeonato”, não há vencedores porque somos todos vencidos pela falta de água.

Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), estamos há 5 anos consecutivos abaixo da média de precipitação para esta época do ano. Isto quer dizer que, comparativamente a uma média feita entre os anos de 1971 e 2000, desde o ano de 2017 que chove menos que essa média calculada. E, assim, este registo negativo é a maior série consecutiva de sempre (2017-2022).

No seu relatório mais recente, o IPMA revelou que, quanto à precipitação, o mês de janeiro de 2022 foi o sexto mais seco em 90 anos e o segundo pior desde 2000.

Sempre segundo dados oficiais, do IPMA, porque sobre esta matéria há números e não há teorias, nestes anos recentes é possível concluir que cada vez mais chove em dias concentrados no tempo e, assim, a água não se infiltra sustentadamente nos solos. Isto também contribui negativamente para o estado de seca que atravessamos. Para além disso, os meses de novembro, dezembro e janeiro foram secos ou classificados muito secos.

Para além disso, nos primeiros três meses do ano a média normal de precipitação é de 300 mm/m2 (milímetros por metro quadrado) de água e neste momento só temos 111mm/m2… Estamos em plena metade do mês de fevereiro e temos 11% do país em “seca extrema” e outros 34% em “seca grave”.

Em resumo: Quase metade do território (45%) sofre de seca extrema ou severa. O resto do território está sob seca moderada, o que significa que nenhuma parte de Portugal está livre de seca.

Para termos noção do perigo que vivemos, na região do Algarve chove assustadoramente menos. Em janeiro de 2022 registou-se apenas 0,4 mm/m2 de precipitação quando a média de janeiro entre 1971-2000 era de 70,5mm/m2.

A título de exemplo, também, no Porto, em janeiro de 2022 houve 30,6 mm/m2 de precipitação, mas a média de 1971-2000 era de 142,4mm/m2. Em Braga houve 28,6mm/m2 de precipitação em janeiro de 2022 e a média entre 1971-2000 era de quanto? 192,7mm/m2!

A média! Houve anos em que choveu muito mais que os 192,7 ou os 142,4mm/m2 em Braga e no Porto.

A fonte é o IPMA. Não há deduções nem suposições.

A falta de água é má a todos os níveis. Sendo ameaça à biodiversidade como um todo, além de comprometer o abastecimento humano de água e a produção de energia hidráulica em diversas barragens estratégicas em Portugal.

Mas estamos a dar passos certos no caminho de compensar o que menos chove?

Em 2021, um cidadão português consumia, diariamente, 178 litros de água por dia.

O consumo de água das redes públicas aumentou perto de 25% nos últimos 20 anos. E este consumo diário de 178 litros de água representa mais 36 litros diários do que no ano de 2020.

Quanto ao consumo anual, no início do século, cada português consumia 52 mil litros de água por ano. Agora, em 2020 o consumo subiu para os 65 mil litros.

Podemos dar vários exemplos acrescidos, mas é evidente que os banhos, os autoclismos, as máquinas de lavar roupa e loiça e, ainda, a rega de jardins fazem parte do consumo regular de água das famílias portuguesas.

Num período de seca, e sem previsão de chuva significativa para breve, o Governo começa a preparar a campanha de poupança de água, tendo já desativado a produção elétrica em barragens. Algumas autarquias (120 das 308) optaram por desligar os sistemas automáticos de rega.

Paralelamente, o Governo português já anunciou algumas medidas esta semana para salvaguardar os volumes para o abastecimento público de água. Desta forma, foram definidas quais as cotas e volumes de água a partir dos quais outros usos podem ficar condicionados, seja produção de energia ou rega. Ficou desde já interdita a produção de hidroeletricidade nas barragens de Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode assim que as cotas forem atingidas. E, de igual modo, cessaram desde já a utilização da água para rega a partir da albufeira da Bravura.

A nível externo, o comissário europeu da Agricultura, Janusz Wojciechowski, revelou esta terça-feira (8 de fevereiro) ter debatido, em Estrasburgo, com os ministros de Portugal e Espanha, a situação de seca em ambos os países e os fundos que Bruxelas pode divulgar para apoiar o setor.

No Twitter, Wojciechowski referiu ainda que está a ser debatida a situação da seca com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e o seu homólogo espanhol, Luís Planas, assim como está a ser estudado, cito, “que tipo de fundos da UE podem ser mobilizados para apoiar o setor”.

Porém, o que fica para já é que os números são preocupantes e de resto nada passa de estudos e consciencialização. O que já ocorre há décadas, se formos justos e se pesquisarmos por documentos formais sobre seca e poupança de água.

Ao nível das políticas do território, poucos são os municípios nacionais que frisem a poupança de água (aliás, o que é debatido em assembleias municipais e reuniões de câmara são mesmo os níveis de perdas de água ainda existentes em pleno 2022). São muito poucos, uma mão chega para contar pelos dedos todos esses casos positivos, os municípios portugueses que apresentam estratégias ambientais para fomentar os seus munícipes a consumir de forma regrada, consciente e reaproveitando a água que consomem. 

Estudos ao nível de tarifas e taxas municipais para boas práticas de utilização e consumo de água são uma miragem. O aproveitamento de águas pluviais para armazenamento e posterior utilização em Rega, abastecimento de autoclismos, lavagem de carros ou exteriores não devia ser falado e fomentado? Pesa mais a limitação jurídica ou a limitação de água?

Os números já demonstraram que é curto estarmos ainda a falar de estudos e comissões “para estudar” o caso da água. Talvez só quando acabar mesmo, quando nos fecharem a torneira por necessidade extrema, é que tenhamos a atenção devida. Até lá, enquanto correr uma gota que seja, tomarmos os nossos banhos e aparentemente “houver água na fonte”, não irá passar de boas intenções.

 

Carlos Gouveia Martins