O cordão sanitário faz bem à democracia


Mas há outros países e instituições, como o Parlamento Europeu ou o Bundestag, em que uma maioria de deputados impediu a eleição de representantes da extrema-direita para cargos institucionais. Chamou-se a essa maioria “cordão sanitário”, e é importante que se entenda para que serve.


O debate sobre a utilidade de erguer um cordão sanitário à volta da extrema-direita nas instituições democráticas não é novo. Temos vindo a acompanhá-lo em vários países, onde a chegada ao poder de forças extremistas obrigou a antecipar esta reflexão, por vezes da maneira mais dolorosa. Recordo com maior nitidez o caso de Jair Bolsonaro, um subproduto de Donald Trump, e de como ambos foram subvalorizados nas suas possibilidades eleitorais. Quando se tornou impossível “não falar deles” – estratégia bem intencionada mas ingénua – era tarde demais para tentar repor a verdade ou conter o vírus.

Essa é uma distinção importante: isolar e ignorar a extrema-direita não são a mesma coisa, e têm efeitos contrários. Reconhecer a existência eleitoral de partidos como o Chega não significa que a democracia passou a aceitar o preconceito e o ódio proibidos pela Constituição, significa a cada momento denunciar a fraude no seu discurso e a barbárie do seu projeto. 

A questão é como impedir a legitimação social e política das suas ideias. O processo pelo qual valores como democracia, igualdade, direitos humanos, paz, solidariedade, justiça, liberdade, humanismo, direitos sociais, são lentamente substituídos por outros que se tornam hegemónicos: o medo, o ódio, o individualismo, o senso comum de uma moral decrépita exclui e abusa por todos os preconceitos.

Disso são culpados, em primeiro lugar, os que na direita tradicional não tem projeto próprio capaz de ganhar eleições, e encostam-se ora às agendas ora às maiorias que a extrema-direita lhes oferece. Em Portugal, e até que provem o contrário, esse tem sido o caminho do PSD e do moderníssimo Iniciativa Liberal. 

Mas há outros países e instituições, como o Parlamento Europeu ou o Bundestag, em que não foi assim: em que uma maioria de deputados impediu a eleição de representantes da extrema-direita para cargos institucionais. Chamou-se a essa maioria “cordão sanitário”, e é importante que se entenda para que serve.

Ao votar a candidatura do Chega para Vice-Presidente da Assembleia da República, cada deputado estará a exprimir perante a sociedade uma consciência sobre que valores são ou não são aceitáveis na representação da instituição mais simbólica do regime democrático – se o racismo e o saudosismo fascista se incluem nesses valores.

Sobre esse assunto, do ponto de vista formal não restam dúvidas. O Chega tem direito a apresentar um nome para a vice-presidência da Assembleia, mas não tem direito divino sobre esse cargo: o nome apresentado, tal como os restantes, terá de obter a maioria dos votos. Não seria a primeira vez que um candidato falharia a eleição.

Dito isto, sobram dois aspetos que acho importante sublinhar. O primeiro é que não se compreende o impasse (até ao momento em que escrevo) de António Costa relativamente a esta eleição – como votarão os 116 deputados do Partido Socialista?; o segundo é que nenhum cordão sanitário será capaz de travar o crescimento da extrema-direita numa sociedade que falha outras tarefas democráticas, as do combate às desigualdades, à exclusão social e ao privilégio das elites. Como também já aprendemos com os que vão à nossa frente, não vale a pena usar o primeiro para disfarçar o segundo.

Deputada do Bloco de Esquerda

O cordão sanitário faz bem à democracia


Mas há outros países e instituições, como o Parlamento Europeu ou o Bundestag, em que uma maioria de deputados impediu a eleição de representantes da extrema-direita para cargos institucionais. Chamou-se a essa maioria “cordão sanitário”, e é importante que se entenda para que serve.


O debate sobre a utilidade de erguer um cordão sanitário à volta da extrema-direita nas instituições democráticas não é novo. Temos vindo a acompanhá-lo em vários países, onde a chegada ao poder de forças extremistas obrigou a antecipar esta reflexão, por vezes da maneira mais dolorosa. Recordo com maior nitidez o caso de Jair Bolsonaro, um subproduto de Donald Trump, e de como ambos foram subvalorizados nas suas possibilidades eleitorais. Quando se tornou impossível “não falar deles” – estratégia bem intencionada mas ingénua – era tarde demais para tentar repor a verdade ou conter o vírus.

Essa é uma distinção importante: isolar e ignorar a extrema-direita não são a mesma coisa, e têm efeitos contrários. Reconhecer a existência eleitoral de partidos como o Chega não significa que a democracia passou a aceitar o preconceito e o ódio proibidos pela Constituição, significa a cada momento denunciar a fraude no seu discurso e a barbárie do seu projeto. 

A questão é como impedir a legitimação social e política das suas ideias. O processo pelo qual valores como democracia, igualdade, direitos humanos, paz, solidariedade, justiça, liberdade, humanismo, direitos sociais, são lentamente substituídos por outros que se tornam hegemónicos: o medo, o ódio, o individualismo, o senso comum de uma moral decrépita exclui e abusa por todos os preconceitos.

Disso são culpados, em primeiro lugar, os que na direita tradicional não tem projeto próprio capaz de ganhar eleições, e encostam-se ora às agendas ora às maiorias que a extrema-direita lhes oferece. Em Portugal, e até que provem o contrário, esse tem sido o caminho do PSD e do moderníssimo Iniciativa Liberal. 

Mas há outros países e instituições, como o Parlamento Europeu ou o Bundestag, em que não foi assim: em que uma maioria de deputados impediu a eleição de representantes da extrema-direita para cargos institucionais. Chamou-se a essa maioria “cordão sanitário”, e é importante que se entenda para que serve.

Ao votar a candidatura do Chega para Vice-Presidente da Assembleia da República, cada deputado estará a exprimir perante a sociedade uma consciência sobre que valores são ou não são aceitáveis na representação da instituição mais simbólica do regime democrático – se o racismo e o saudosismo fascista se incluem nesses valores.

Sobre esse assunto, do ponto de vista formal não restam dúvidas. O Chega tem direito a apresentar um nome para a vice-presidência da Assembleia, mas não tem direito divino sobre esse cargo: o nome apresentado, tal como os restantes, terá de obter a maioria dos votos. Não seria a primeira vez que um candidato falharia a eleição.

Dito isto, sobram dois aspetos que acho importante sublinhar. O primeiro é que não se compreende o impasse (até ao momento em que escrevo) de António Costa relativamente a esta eleição – como votarão os 116 deputados do Partido Socialista?; o segundo é que nenhum cordão sanitário será capaz de travar o crescimento da extrema-direita numa sociedade que falha outras tarefas democráticas, as do combate às desigualdades, à exclusão social e ao privilégio das elites. Como também já aprendemos com os que vão à nossa frente, não vale a pena usar o primeiro para disfarçar o segundo.

Deputada do Bloco de Esquerda