Fiquei com a difícil tarefa de escrever neste espaço o último texto do ano. Divido-me entre os habituais balanços do ano que agora termina ou as previsões para o que será o próximo. Dois cenários de natureza arriscada em que a probabilidade de falhar é elevada. Se no primeiro é fácil deixar de fora algum evento importante, no segundo a imprevisibilidade do nosso mundo faz com que qualquer cenário de previsão não passe de adivinhação. O passado recente tem sido um excelente exemplo da variabilidade dos fenómenos naturais e da incerteza associada à sua previsão.
O certo é que a pandemia ainda não terminou e que se irá prolongar pelo menos por mais alguns meses do ano que entretanto se inicia. Nada de novo, mais um ano em que viveremos um novo normal e em tempos excecionais, que o são cada vez menos. Estes serão meses em que o cidadão fora do mundo académico continuará com a oportunidade de vislumbrar a ciência a acontecer quase em tempo real. Todos os passos que compreendem a observação, a construção de hipóteses, a descoberta, as dúvidas sobre resultados obtidos, a falsificação ou validação de hipóteses, o sucesso e o falhanço quase sem filtros. Tem sido assim desde o já longínquo início da pandemia. Valem-nos os esforços dos profissionais de comunicação de ciência na criação de uma ponte entre academia e sociedade.
Sobre ciência, e particularmente em Portugal, continua a faltar um olhar mais atento sobre o trabalho daqueles que a fazem avançar e que se encontram frequentemente em condições de trabalho menos favoráveis, os bolseiros de investigação que fazem parte das nossas equipas de investigação. São eles que realizam uma percentagem elevada do trabalho em projetos de investigação. Que o fazem de forma autónoma e que produzem resultados de elevada qualidade. É com eles que, em conjunto, se criam novas ideias, se desenvolvem novos métodos e conceitos e que se publicam artigos científicos em revistas internacionais. Sem o trabalho desenvolvido por estes investigadores seria, por exemplo, impossível dedicar tempo à escrita de propostas de projetos de investigação que permitem não só obter financiamento e manter estas equipas em funcionamento, mas também promover o trabalho conjunto com outros grupos a nível nacional e internacional.
Apesar do seu papel central na investigação, a maioria destes investigadores recebe bolsas que contemplam apenas doze meses por ano e que eventualmente podem ser renováveis até um período máximo de três ou quatro anos. São bolsas que têm um valor baixo, que não incluem benefícios sociais e que não permitem perspetivar carreiras a longo prazo. As alternativas, como são os concursos nacionais de projetos de investigação científica e de estímulo ao emprego científico têm sido até à data demasiado competitivos com taxas de sucesso manifestamente baixas.
Para além da falta de valorização dos nossos investigadores, não conseguimos atrair os melhores para as posições que temos em aberto e acabamos por perder uma elevada percentagem destes investigadores a meio de projetos e atividades de investigação porque estes encontram melhores condições fora da academia ou do país, afetando a execução de projetos e o desenvolvimento de linhas de investigação que exigem tempo. É difícil planear a médio prazo. Mas, acima de tudo, porque é esta uma das nossas principais funções como mentores de jovens cientistas, sem estabilidade económica e de carreira, torna-se mais difícil promover o pensamento crítico e o trabalho autónomo dos investigadores. Perde-se a oportunidade de estes explorarem caminhos de investigação alternativos de forma independente.
O meu desejo de Ano Novo, numa fase das nossas vidas em que a importância da ciência nos entra todos os dias pela casa adentro, é que se promovam políticas que fomentem a estabilidade dos bolseiros de investigação nas nossas equipas e unidades de investigação. Se nos últimos anos temos assistimos a alguns progressos nestas matérias, como por exemplo o aumento dos valores das bolsas e da regularização do calendário científico nacional, existe ainda bastante caminho para fazer.
Professor do Instituto Superior Técnico