A patente do Dr. Chakrabarty


A decisão no caso Diamond vs. Chakrabarty derrubou a doutrina legal vigente, originando uma verdadeira avalanche de patentes, incentivando inúmeras inovações benéficas incluindo novos tratamentos, medicamentos e métodos de diagnóstico e propulsionando a indústria Biotecnológica.


As tecnologias que suportam a Biotecnologia moderna emergiram nos últimos 50 anos, originando uma indústria poderosa que vale milhares de milhões de euros. Uma das características salientes do setor é a quase impossibilidade de inovar sem financiamentos avultados e uma aposta fortíssima em investigação científica colaborativa entre universidades e empresas. A revolução Biotecnológica decorrente deste esforço originou aplicações nas mais diversas áreas, e em particular na Medicina. Por exemplo, a maioria dos testes de diagnóstico, agentes terapêuticos e vacinas utilizadas na luta contra a covid-19 são produtos da Biotecnologia moderna. Curiosamente, a Biotecnologia comercial como a conhecemos hoje seria impossível sem o desfecho de um processo judicial que viria a ser conhecido como o caso Diamond vs. Chakrabarty.

Nos primórdios da revolução Biotecnológica (i.e. antes de 1970) a proteção da propriedade intelectual era essencialmente inexistente. A investigação científica na área era uma atividade centrada em universidades e instituições sem fins lucrativos, enquanto a comercialização de novos produtos era um exclusivo das empresas. Um dos pilares da indústria Biotecnológica que viria a surgir nos EUA nos anos oitenta resultou do fecho desse hiato. A criação e cultivo de colaborações fortes entre empresas e instituições científicas passou a tornar-se o modelo de negócio dominante. O outro fator crítico para o forte crescimento e posterior globalização da nova indústria foi o apoio governamental à proteção da propriedade intelectual nos EUA. Em particular, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça americano no caso Diamond vs. Chakrabarty é hoje reconhecida como um dos catalisadores da indústria Biotecnológica moderna.

Em 1972, o Dr. Ananda Chakrabarty da General Electric (GE) submeteu ao instituto de patentes americano (USPTO) um pedido de patente relativo a uma bactéria geneticamente modificada que degradava petróleo. O bioquímico indiano obtivera aquele microrganismo adicionando fragmentos genéticos a uma bactéria do tipo Pseudomonas. A utilidade e aplicação prática da nova bactéria eram evidentes no contexto de limpeza de derrames de petróleo. Porém, o examinador rejeitou o pedido argumentando que, de acordo com a lei, os seres vivos não eram patenteáveis e que a bactéria era um produto da natureza. Um recurso a um tribunal especializado produziu, no entanto, uma decisão favorável a Chakrabarty em 1978. Para o juiz, o facto de a bactéria em questão estar viva era uma característica legalmente irrelevante para decidir da sua patenteabilidade, ao contrário da sua condição como produto da natureza ou invenção humana.[1]

Na sequência da decisão desfavorável, o USPTO, pela mão do comissário Sidney Diamond, apelou ao Supremo Tribunal de Justiça e suspendeu o exame de todos os pedidos envolvendo microrganismos modificados. Face a este panorama, muitos investidores ficaram relutantes em apoiar investigação e desenvolvimento de biotecnologias emergentes com medo de que não pudessem vir a ser protegidas legalmente. Finalmente, em 1980, o Supremo Tribunal viria a confirmar por maioria tangencial que “um organismo vivo feito pelo homem”, assim como “qualquer coisa debaixo do sol feita pelo homem”, podia ser patenteado. A patente do Dr. Chakrabarty seria concedida em março de 1981, quase dez anos passados da submissão inicial [2]. Por esta altura já Chakrabarty deixara a GE, iniciando uma carreira académica ilustre como professor na Universidade do Illinois.

A Biotecnologia comercial moderna não seria a mesma sem o caso Diamond v. Chakrabarty. A importância da decisão judicial é mesmo comparada à de muitas descobertas científicas. As empresas Biotecnológicas dependem hoje profundamente dos direitos de propriedade intelectual. As patentes constituem o seu mais importante ativo, aumentando a probabilidade de valorizarem resultados de I&D. A sua importância é reconhecida em particular pelos investidores que só apostam em empresas emergentes que possuam estratégias de proteção robustas. Outros vêem o sistema de propriedade intelectual como um artificio que concede a empresas o monopólio de ideias e invenções que, em muitos casos, resultam de investigação pública e dos esforços de gerações de cientistas. Independentemente do juízo moral ou filosófico que possamos fazer sobre a sua natureza, as patentes são uma realidade incontornável da Biotecnologia moderna.

A decisão no caso Diamond vs. Chakrabarty derrubou a doutrina legal vigente, originando uma verdadeira avalanche de patentes, incentivando inúmeras inovações benéficas incluindo novos tratamentos, medicamentos e métodos de diagnóstico e propulsionando a indústria Biotecnológica. O caso é também paradigmático das complicações inerentes à patenteabilidade de materiais biológicos, sejam eles genes, proteínas, células ou organismos. Para lá das questões éticas, o cerne da controvérsia reside em muitos casos em saber se determinado material biológico é um simples produto da Natureza ou de facto uma criação humana. As disputas são particularmente acesas quando as patentes cobrem aplicações na área da medicina que impactam a vida humana. Na verdade, Diamond vs. Chakrabarty foi apenas o primeiro de muitos casos judiciais de relevo a envolver patentes biotecnológicas.

[1] Jordan, M., Davey, N., Joshi, M.P., Davé, R., Forty Years Since Diamond v. Chakrabarty: Legal Underpinnings and its Impact on the Biotechnology Industry and Society, Center for the Protection of Intellectual Property, Antonin Scalia Law School, George Mason University, 2021

[2] United States Patent No. 4,259,444, “Microorganisms Having Multiple Compatible Degradative Energy-Generating Plasmids and Preparation Thereof,” issued to GE and A.M. Chakrabarty on March 31, 1981.

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